Uma pausa inesperada

Caros amigos &...

Imprevistos ocorrem. Quando menos esperamos, nossa vida inicia um novo percurso.. Foi o que nos aconteceu agora. Há mais ou menos dois meses, um AVC na família interrompeu  nossos projetos.. O futuro perdeu a importância. Agora o que ocupa a nossa mente é o presente: o que se perdeu para sempre e o que poderá ser recuperado. Vivemos diuturnamente em sobressaltos, no ambiente hospitalar, apreensivos pela  possibilidade de que problemas interferentes agravem ainda mais o quadro.Comemoramos cada pequeno progresso e sofremos com os recuos. É da vida, sabemos. Contudo, é difícil.

Por isso minha ausência aqui, em meu blog.

Não sei quando retornarei a ele, aos meus escritos.

A todos  o meu abraço e o desejo de que tenham um Natal muito feliz, entre amigos e familiares, com muita saúde e muita alegria.

Afugentando os demônios



Dias difíceis estes que precedem as eleições de outubro. Como não pensar nelas? Como não ter medo dos resultados delas advindos? Conhecemos bem o terreno em que pisamos. É escorregadio e permeado de artimanhas. 

O nosso futuro nunca esteve tão ameaçado como agora em que várias instâncias foram cooptadas por um partido, o PT, que de longa data vem arquitetando a tomada do poder definitivo, como afirmou sem rodeios um dos chefões do partido, o desqualificado José Dirceu, condenado a 30 anos de prisão e liberado das grades  pelo seu protetor o Ministro Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. 

Supremo este que vem perdendo paulatinamente a credibilidade junto à população por recorrentes atos “estranhos”, como o acima citado, cometidos pelo mesmo Lewandowski e alguns de seus pares. Como confiar na plena segurança física dos candidatos e das urnas neste pleito se nem os últimos e tristes acontecimentos relativos a ele foram esclarecidos a contento?

Quem encomendou o ataque a Bolsonaro? A população gostaria de saber. Teria o direito de saber se este fosse um país sério. Afinal, Bolsonaro é tão-somente um dos candidatos à Presidência da República e estava em campanha como os demais!

O ataque ocorrido em plena rua, cuja prisão do agressor, pessoa sem recursos financeiros, foi imediata e prontamente atendida por quatro advogados caríssimos que já estavam de plantão e se negaram a divulgar quem os financiava, no que foram também de imediato apoiados pela OAB, e não se tocou mais no assunto, exceto para divulgar a conclusão primeira do inquérito de que o criminoso Adélio agiu sozinho apenas por discordar da ideologia do candidato.

Pergunto surpresa: quem hoje, provido de um cérebro (ainda que com poucos neurônios) é capaz de acreditar numa historinha dessas? Histórias da Carochinha para tranquilizar petistas é o que me parece.  Estou errada?

Vamos aguardar (tranquilos/intranquilos) pelo resultado das eleições. Que vença Bolsonaro no 1o. turno para que o país tenha a possibilidade de respirar ares menos poluídos daqui para a frente.

Chefe é chefe



Poucas vezes se vê na mídia um artigo tão cheio de ousadia e coragem, como o do Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield, no Estadão (17/09/18 –A2), sob o título “O PT e o PCC”. Por ele visualizamos com a maior nitidez a estratégia de um partido que surgiu como o único e maior defensor da ética e da lisura política do país e se transformou no que todos sabemos, inclusive os petistas, e que segue hoje, sem nenhum escrúpulo, o modelo do chefe dos traficantes do famoso PCC, e com ele se iguala.  Ambos dirigem da cadeia as medidas, ou melhor, os ataques que devem ser colocados em prática por seus fiéis seguidores. O texto de Rosenfield é uma análise sucinta, mas bem elaborada, e muito esclarecedora para quem ainda não se conscientizou das mazelas mais torpes utilizadas pelo comandante das massas, o Sr. Lula, com o fito de ludibriá-los, ciente da profunda cegueira política de uns e/ou do fanatismo ideológico de outros. Em um momento ele diz: “Presidente é presidente, independentemente de ser presidiário. Chefe é chefe e, como tal, deve ser obedecido.” Leiam o trabalho do Prof. Denis Lerrer Rosenfield.

Neiva Pitta Kadota

Texto publicado há três dias no "Fórum dos Leitores" do jornal O Estado de São Paulo,  de 19/09/2018, na versão digital. 

Como sei que a maioria dos amigos meus prefere o formato impresso e, portanto,  não lê o que é publicado nessa outra versão, optei por registrar aqui a minha leitura de um artigo redigido por um prestigiado Professor de Filosofia da UFRGS, alguém com competência analítica e linguística para nos revelar a similaridade de ação entre uma facção criminosa e um determinado partido político.

Violência das ondas



Sabor de saudade
De lembranças miúdas
De alegrias suspensas.

No espaço vazio tudo é inerte
Tudo é silêncio.
Mas os fragmentos nas veias pulsam
E esperam... esperam... esperam...
Inutilmente.

A alegria não vem
O riso não vem.
Por que esperar ainda
Se nesse barquinho tão frágil
Os sonhos e os devaneios se quedam
Diante da violência das ondas?




 "Fórum dos Leitores" do Estadão

Não é de hoje que meu veículo de informação favorito é o Jornal O Estado de S. Paulo. Desde criança eu o aguardava com ansiedade, não pelas notícias, editoriais e análises que hoje alimentam o meu intelecto, mas pela divulgação dos imensos e coloridos "anúncios" (assim denominados à época),  publicitários dos filmes em cartaz nos cinemas de São Paulo. Aquilo me fascinava, me transportava para um outro espaço: o da imaginação desmedida. Isso talvez tenha sido também o que me impulsionou depois a me apaixonar pela literatura porque sempre me pareceu que palavra e imagem são indissociáveis.

Hoje, essa hiperbólica exposição imagética dos filmes da semana, não existe mais, foi substituída por um outro formato, mais modesto, Contudo, a qualidade desse informativo impresso ou digital permanece.

Uma das seções que tem acatado as minhas opiniões é o "Fórum dos Leitores" que em geral as publica quando decido enviar algum texto. Sou muito grata  ao Estadão por isso. E para os que não têm acesso a essa mídia, reescrevo abaixo e na íntegra o texto que ali foi publicado, hoje, 10/09/18, sob o título "Muitas dúvidas".

Muitas dúvidas 

Em meio à turbulência destes últimos dias, com a agressão quase letal sofrida pelo candidato à Presidência da República Jair Messias Bolsonaro, tivemos pronunciamentos os mais diversos sobre a quem atribuir a responsabilidade do ocorrido. Há muitas dúvidas. Contudo, se bem observado, percebe-se que esse radicalismo político que já separou amigos e até mesmo familiares surgiu com a postura leviana e inadequada do ex-presidente Lula da Silva e seus companheiros, que continuamente desafiaram e continuam a desafiar todos aqueles que com eles não concordam, incluídos os magistrados que os condenaram por atos praticados durante o seu governo, alegando "perseguição política". Para eles, a lei deve se sujeitar aos seus desígnios, e não à Constituição federal. E o que tem corroborado essa postura é a atitude, igualmente inaceitável, de alguns integrantes  da mais alta Corte do nosso poder judiciário que vêm demonstrando, sem subterfúgios, a sua preferência ideológica no momento de tomada de decisões, que deveriam ser apenas justas, e não partidárias. Não seriam esses desvios de comportamento que, possivelmente, confundem os eleitores, agridem as pessoas de bem e levam a atitudes irracionais, como se viu neste 6 de setembro, quando o candidato mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto, sendo carregado em plena rua por seus admiradores, foi atacado, estranhamente, por alguém que simplesmente buscou alijá-lo da competição? Outra dúvida: é ou não um luxo um "auxiliar de pedreiro desempregado" ter mais de um advogado de defesa, segundo o noticiário? É tudo tão estranho...

Neiva Pitta Kadota
npkadota@terra.com.br 

Meu Baby



Todos os dias, ao retornar para casa, ele me esperava farejando a porta. Era uma rotina. Ao rumor quase inaudível de meus passos, Baby já pressentia minha presença. Ao me aproximar com a chave na mão, ele gania de ansiedade e desespero. E com uma alegria incontida e infinita, por me ver, saía em disparada enlouquecida pelo apartamento. Ia e voltava várias vezes como se não nos víssemos havia muitos dias e, então, saltava para me receber com aquele abraço que só os cães sabem oferecer àqueles a quem amam e sabem por eles serem amados. E nós nos amávamos muito. Muito!

 A qualquer movimento, o seu olhar me seguia. Sempre foi assim. Nos últimos dias, porém, essa atenção se intensificou. Era como se estivesse em alerta contínuo para que eu dele não me separasse. Às vezes, eu pensava, será que ele sabe que tudo tem um tempo, que “tudo é fugaz/ tudo se desfaz”? Que um dia um de nós deixará o outro? E foi o que o mês de agosto nos trouxe: a separação.

Sei que a dor da perda é muito recente, por isso muito forte, e que a passagem dos dias e as atribulações do cotidiano irão se sobrepor a ela. Mas, enquanto isso, aquele último olhar que foi se distanciando e que não mais captava minha imagem vai se colar à minha retina e me fazer reviver, com dor e saudade, aquela figura ágil e alegre, cheia de vida, que em tantos momentos, por mais de doze anos, trouxe doçura a uma convivência harmônica mútua que dificilmente os humanos são capazes de estabelecer.

Para ele, aqui, hoje, o poema que fiz em 2014 e está em meu livro Enguias e Estrelas.

Baby

Meu cão é meu bebê.
Ele me olha com doçura.
Uma doçura morna e vítrea
Incomum.
De fim de verão e começo de inverno.
E eu retribuo sim:
Com ternura e muito afago.

Entre meu cão e eu
A simbiose é perfeita.
Um simples sistema de trocas:
Trocamos carinhos e carências.
E o mundo em profunda quietude
Por fim adormece
Tranquilo a nossos pés.


Até a SBPC?

Muito me surpreendeu um texto do editorial do jornal O Estado de S. Paulo de sábado último (28/07/18) a respeito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. Por ele, tive ciência de que  a reunião anual dessa entidade teve como pauta de discussão a prisão de Lula, o ex-Presidente do País e atual presidiário na cidade de Curitiba, e a necessidade de sua soltura, culminando com os gritos de "Lula Livre" no encerramento. "O que é isto, companheiros?", eu pensei. Até a SBPC está totalmente dominada pelo fanatismo ideológico? E a Ciência - a sua importância de existir - ficou para um plano inferior? Sim. Ficou. E em um país como o Brasil que tanto necessita do empenho dessa Sociedade para impulsionar as pesquisas e o futuro dos nossos jovens no campo da Ciência.

Refletindo sobre a inversão de valores que vivenciamos hoje, redigi o texto a seguir que foi publicado no "Fórum dos Leitores" do Estadão de hoje 30/07/18. O meu café da manhã foi bem mais saboroso após a leitura do jornal.

Ciência sem rumo

Diante do editorial Lulopetismo na SBPC (28/7,A3), lembrei-me de um tempo distante, década de 1980, quando eu cursava o mestrado numa universidade renomada em São Paulo. Uma tarde, quando cheguei um pouco atrasada para a aula, porque vinha de Campinas, onde trabalhava, encontrei na sala professora e alunos em total silêncio, a lousa coberta de alguns nomes e os colegas preenchendo uns formulários. Perguntei o que ocorria e me informaram que haveria eleições na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por isso a professora, que era alinhada à esquerda, anotara na lousa o nome dos seus candidatos para que neles votássemos, garantindo que eram os melhores. Surpreendi-me e disse que, como não os conhecia, não votaria, Meus amigos, apreensivos, aconselharam-me a votar para evitar problemas depois com a professora. Não discuti com eles. Li o formulário, dobrei-o e o entreguei em branco, junto com os demais. Na aula seguinte, tive de enfrentar a ira da professora, que, com o envelope em mãos, exigia que eu votasse nos seus candidatos, ao que eu me neguei novamente. Tivemos uma relação complicada depois disso, mas não me importei, afinal, num curso de mestrado, eu não poderia agir como se iletrada fosse. O tempo passou e agora, diante do texto publicado  no Estadão, recordei-me da violência daquele gesto, que certamente deve ter sido sempre repetido, transformando a SBPC num grupo de militantes que usam o espaço e o tempo de um encontro anual no País para discutir questões ideológico-policiais em prol do gatuno de Garanhuns, como se um braço fosse do Foro de São Paulo, e não uma organização científica pública para a busca do desenvolvimento da ciência.

Neiva Pitta Kadota
npkadota@terra.com.br
São Paulo


 

A melhor escolha



Saindo de um hospital onde estivera fazendo alguns exames médicos, encontrei um amigo que ali estava chegando com os mesmos fins. Foi um bom momento porque nos revimos depois de algum tempo distanciados e nenhum de nós parecia estar com problemas graves. Que bom! eu pensei.

Conversamos pouco. Não havia tempo. Mas a ambos não passou despercebido que levávamos conosco um livro nas mãos e não o celular, como todo mundo hoje. É do Mia Couto? ele me perguntou. É, sim, “O último voo do flamingo”. É divertido, mas muito poético também. Estou quase no fim e amando. E o seu? Estou lendo o Coetzee “A vida dos animais” e completou: é meio complicado. É verdade, eu disse. Li já faz algum tempo, mas ainda me lembro. São palestras, são intelectuais apresentando várias visões divergentes sobre a inteligência dos bichos. Lembro também que gostei muito da última fala. Acho que você irá gostar também. Ele sorriu meio que aliviado e nos despedimos porque ambos tínhamos horários e compromissos depois.

No táxi, de volta para casa, me surpreendi observando as pessoas nas calçadas ou atravessando as ruas, todas jovens, ou parecendo jovens, e todas com celulares no ouvido. Nenhum livro nas mãos. Que pena! Quando parávamos nos semáforos, podíamos até ouvir as vozes e fragmentos de frases. Hoje, tudo parece que se tornou público. Que horror! eu pensei baixinho, bem baixinho. Mas o taxista parece que me ouviu, se voltou e sorriu. Ambos, porém, mantivemos em silêncio o que se agitava em nossa mente. E a viagem assim seguiu.

Voltei a pensar no livro de Mia Couto. Uma história de violência contra um povo sofrido da África. O povo de Tizangara, em Moçambique. Uma história de lendas, fantasia e feitiçaria. Explosões violentas de corpos de soldados em missão de paz. Explosões de corpos ardentes em busca de quietude. Cenas hilárias se entrecruzam com trágicos relatos e amenizam o acompanhar das histórias. Os desafios de um italiano em terra estranha e seu tradutor. Os mistérios dos antepassados se mesclando aos viventes. E a história do tradutor e o velho Sulplício, seu pai, um colecionador de passados que um dia confessou “Ando a aprender a língua dos pássaros”. O que comprova que o sonho latente das alturas não se extingue nem com a mais dura opressão.

“O último voo do flamingo” é sedutor no surreal que permeia as narrativas de uma terra distante e na poesia que envolve esses relatos. Não é útil como um celular, mas enche de beleza o nosso mundo interior. Para mim, e para alguns amigos meus, isso às vezes basta.

A Copa e a Corte.

Por problemas técnicos e dificuldades minhas em conseguir superá-los, interrompi minhas postagens aqui, mas agora, após a "mágica" ajuda externa, poderei dar continuidade a esse processo de expor ideias diversas sobre o que vejo e o que sinto. Mas ciente estou de que Drummond dizia a verdade em um de  seus poemas ao afirmar " Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos  mal rompe a manhã."E que bom que isso ocorra. Se assim não fosse, desistiríamos ao primeiro sinal de reprovação do nosso olhar diante do mundo, seja de pessoas queridas ou não, de subordinados ou superiores, ou seja, de quem quer que seja, enquanto estivermos sob um regime não autocrático.

Por isso, às vezes escrevo um comentário para o "Fórum dos leitores" do jornal O Estado de S. Paulo, o meu preferido, e quase sempre ele é publicado. Na última quinta-feira, 28/06/18, irritada como a maior parte dos brasileiros que acompanham decisões do Supremo Tribunal Federal, enviei um pequeno texto ao Estadão e na manhã seguinte, dia 29,  ele lá estava no "Fórum". Transcrevo-o abaixo:

"O perigo da toga

Diante das inescrupulosas medidas tomadas por alguns ministros do STF (figurões midiáticos muito conhecidos da população) quanto à soltura de bandidos condenados  ou a pronunciamentos indevidos no intuito de difamar colegas e consequentemente o Brasil, aqui e lá fora, desrespeitando as leis e a Constituição, parece que a única atitude que nos resta agora é sair de novo às ruas exigindo punição à  altura da posição que ocupam esses "ministros" na mais alta Corte de Justiça do País."


O texto é bem sucinto, mas não deixa de ser um alerta aos "distraídos", pois salientei acima que poderemos nos manifestar livremente "enquanto estivermos sob um regime não autocrático". E sabemos que todos os passos do Supremo, por alguns de seus togados, como Dias Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, têm sido de decisões monocráticas, ou seja, de militantes ideológicos na busca de regimes totalitários.

O nosso país merecia não só bons representantes na Copa, e os tem, mas também políticos e magistrados com mais competência e dignidade.

O espanto do menino




Com o olhar cheio de espanto
E o dedinho apontando pro céu
O surpreso menino gritou:
Olha lá, mamãe!
Olha lá!
A lua tá faltando um pedaço!

E como explicar a ele que
Nesta nossa esfera tão azul
Nem tudo se mostra global.
Às vezes, só se revelam partes do inteiro.
Às vezes, é o inteiro que se esconde nas partes.

Nada é translúcido. Nada é diáfano.
Há sempre um vazio de vínculos
Na aparente concretude da imagem.

Mas se assim não fosse
A lua não teria seus mágicos mistérios
Nem nós ouviríamos jamais
Do garotinho, aquele delicioso grito 
Diante da pequenez da lua
naquela imensidão do céu.

"Quem dorme com cão..."


 
 

Há muitos anos, num passado que vai ficando cada vez mais distante, assisti a um filme de cujo título e de cuja trama já não me lembro mais. Só o que me vem à mente de tempos em tempos, e em ocasiões específicas, é uma frase de uma personagem desse filme diante de uma situação de uma decepção atroz. Volto a repetir, dele nada mais me lembro, exceto dessa única frase: “Quem dorme com cão, amanhece com pulgas”.
 

Eu, muito jovem ainda, vivia em um espaço tão seguro, ou assim me parecia, e com ideais tão românticos de que nada de mal me aconteceria se eu nada fizesse de errado e só me relacionasse com pessoas boas e amigas. Isso hoje soa esquisito, eu sei, mas esse era o universo pelo qual eu circulava. Cidade pequena. Mundo fechado. Pessoas pacatas, muito conhecidas. E depois desse filme, e dessa frase que se colou em minha mente, tudo começou a mudar para mim.
 

Lembro-me de que nessa noite voltei para casa com uma sensação estranha de que o perigo nos rondava sim e de que mais dia menos dia podíamos cair em armadilhas, porque nem o mundo nem as pessoas eram tão confiáveis quanto imaginávamos. Algumas poderiam até nos trair e, por isso, era preciso estar em alerta contínuo.
 

Mas será que agimos sempre com essa cautela mesmo? Acho que não.
 

Lembro-me de que na faculdade me deparei com uma colega falante, extrovertida, e que frequentava minha casa, como se minha amiga fosse, mas que roubou minhas pesquisas e as apresentou na sala de aula para o professor e para a classe, e diante de mim e do meu espanto, com uma expressão de vitória porque sabia da minha timidez em denunciá-la e provocar uma situação conflituosa na sala. O meu silêncio foi para sempre. Nunca mais nos falamos. Segui minha carreira, mas a imagem dela seguiu comigo, sempre me lembrando de que é preciso cautela com alguns “amigos”.
 

Muitos anos depois, quando já havia concluído meu doutorado e participava de uma Banca de Mestrado em uma instituição, aqui em São Paulo, nos encontramos. Ela pretendia iniciar o mestrado ali, mas ao me ver ficou muito constrangida. E com receio de vir a ser minha aluna, eu soube depois, mudou de ideia. Foi engraçado porque eu nem professora era dessa instituição. Fui apenas convidada nessa data, como em outras vezes, para participar de uma Banca. O destino às vezes se vinga por nós, mas só às vezes. E nesses casos nos sentimos recompensados. Eu me senti, sinceramente.
 

Há também experiências mais trágicas profissionais e mesmo familiares, mas quem não as tem? E com pessoas que jamais suporíamos que nos trairiam após ajudá-las até por longos períodos? A literatura está sempre nos revelando esses tristes episódios que marcam negativamente alguns períodos na vida dos personagens e que, muitas vezes, se repetem em nossa própria passagem por aqui. Mas nem sempre podemos evitar. E a razão é simples: os cães (metafóricos) existem e nós, por razões várias, não percebemos e deles nos aproximamos e só vamos sentir as pulgas depois de elas nos picarem. E aí... poderemos reagir ou ignorar, mas a imagem desse alguém jamais voltará a ser o que era antes. Ela se tornará apenas um borrão, e nada mais.
 

As minhas desculpas aos cãezinhos de verdade que merecem todo o nosso carinho porque eles nunca nos traem; eles realmente nos amam, assim como nós a eles.

Uma mãe é uma mãe...é uma mãe...



Como não me lembrar dela? Pequena e frágil. Muito frágil. De cabelos nunca tingidos, mamãe tinha o rosto emoldurado por uma auréola branca aveludada. Sorria pouco e de forma discreta. Observava o entorno com acuidade. Nada escapava ao seu olhar atento, mas jamais elevava a voz mesmo ao nos repreender. Era uma presença doce e silenciosa e isso propiciou a mim e aos meus irmãos uma infância tranquila. Havia uma ternura constante em seus atos e em seu olhar e foi isso que primeiro me revelou o que era o amor. Ela nos amou muito, muito. E nós a ela.

 Nunca a conheci com saúde. Ela sofria de megaesôfago, resultante da picada de um inseto cruel, o “barbeiro”, quando criança. E os sintomas da doença só se desenvolvem muito tempo depois. E foi o que aconteceu. Eles surgiram logo após o meu nascimento, quando, então, não mais pôde ingerir alimentos sólidos. Os tratamentos e as cirurgias se mostraram ineficazes. Uma doença incurável à época, nos disseram os médicos. Hoje, não sei.

E por se alimentar apenas de líquidos, manteve sempre o corpinho esguio de menina; a pele, porém, se ressentiu e as rugas pouco a pouco foram redesenhando seu rosto, que envelheceu e que agora relembramos pelas fotos. Mas mamãe não reclamava, enfrentava a falta de saúde com resignação e coragem, dizendo sempre aos médicos: “Eu preciso viver para educar minha filha”. Eu era a filha caçula e, por isso, a sua preocupação maior.

O seu desejo se tornou realidade e mamãe viveu por muitos anos mais, e não só nos educou a todos como conheceu também todos os netos.

Quando se aproxima o mês de maio e os shoppings se enfeitam buscando despertar nos filhos quase que uma obrigação de presentear as mães nessa data, e para vender mais, é claro, eu me lembro de minha mãe e de sua lógica ao dizer” Eu não quero presente nesse dia, eu quero vocês presentes o ano inteiro”.

Mas será que não é com isso mesmo que todas as mães sonham? E será mesmo que os filhos não sabem disso?


Só Deus?!




O presidente do Chile, Sebastián Piñera, em visita ao Supremo Tribunal Federal (STF), representado nesse encontro por Cármen Lúcia, Edson Fachim e Dias Toffoli, demonstrou conhecer a posição dos ministros em sessões da Corte, transmitidas por televisão não só no Brasil, mas também no exterior. Por isso, certamente, fez a pergunta que está na mente de todos os brasileiros que acompanham as frequentes decisões “estranhas” dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio: “Quando falha a Suprema Corte, a quem recorrer?” Surpreso com a resposta de que não há como recorrer, observou: ”Então cabe a Deus?” – como se fosse a instância última em nosso país para conter os abusos de alguns togados. Imediatamente me lembrei de Clarice Lispector em sua crônica As crianças Chatas, retratando a fome e a miséria reinantes no Brasil diante de um povo que cochila “no ninho da resignação”, a qual assim finaliza: “Ah, como devoro com fome e prazer a revolta”.

O texto acima foi publicado no “Fórum dos Leitores” do Jornal O Estado de S. Paulo, na data de hoje (30/04/18), sobre o encontro do Presidente Piñera, do Chile, com a Presidente do STF, Cármen Lúcia, e dois outros ministros também do Supremo. Nesse encontro de apenas 20 minutos o assunto focou a postura parcial, e por isso claramente tendenciosa, da tríade de ministros (mais um) na defesa do indefensável, e a ausência de reação por parte da Justiça e da resignada população brasileira.

Abaixo, a crônica de Clarice Lispector, publicada em 19/08/1967, no Jornal do Brasil, e que abre o livro de crônicas da autora: A descoberta do mundo, pela Nova Fronteira, em1984.

“As crianças chatas”

Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real. O filho está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete exasperada: durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio no escuro, imóveis. Será que ele está dormindo? _ pensa ela toda acordada. E ele está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois estão despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.


"O olhar de um Nobel"

Ontem, ao rever alguns textos no jornal O Estado de S. Paulo de domingo, refleti sobre o excelente artigo do Nobel de Literatura Mario Vargas Lhosa, cujo título era "Lula atrás das grades". Decidi, então, enviar um comentário sobre ele para o "Fórum dos Leitores" do Estadão. O resultado foi positivo e  hoje (17/04/18), ao abrir o jornal, lá estava o meu texto. Que bom! eu pensei. Agora eu o compartilho com os que não o viram no jornal.

"O olhar de um Nobel"

No artigo "Lula atrás das grades"(16/04. A8) o escritor peruano Prêmio Nobel Mario Vargas Lhosa faz sucinta e precisa avaliação da prisão do ex-presidente, relacionando os decisivos fatores - as relações espúrias com a Odebrecht e a OAS - que o levaram à atual situação, após minucioso processo democrático, que lhe concedeu todo o direito de defesa, como já comprovado à exaustão. E exalta a importância da figura do juiz Sergio Moro para esse desfecho, "Existem muitas pessoas admiráveis no Brasil", diz Lhosa e cita várias personalidades. "Mas se eu tivesse que escolher um deles como um modelo exemplar para o resto do planeta", pondera, "não hesitaria um segundo  para escolher Sergio Moro, esse modesto advogado natural do Paraná que, após sua formatura, entrou na magistratura por concurso em 1996 (...). Mas lá está ele, fazendo parte de uma verdadeira - embora ninguém a tenha chamado disso - revolução silenciosa: o retorno ao império da lei." E termina enfatizando a importância do feito de Moro e sua equipe para a manutenção do regime democrático no país e para a igualdade de direitos entre  ricos e pobres. "É a única maneira pela qual uma sociedade acredita em instituições, rejeita o apocalipse e as fantasias utópicas, sustenta a democracia e vive o sentimento de que as leis existem para protegê-la e humanizá-la mais a cada dia". É crucial ler na íntegra o texto de Lhosa, que tão bem conhece os meandros obscuros da política latino-americana.

O esperneio do perdedor


 
Choro, gritaria, encenação, ofensas e tentativa de bravatas, foi o que se viu no espetáculo grotesco de Lula e seus apoiadores, às vésperas de sua prisão. Perdedor agora, diante da Justiça, mas cercado de advogados e de uma barreira humana, agia como fera enjaulada, num misto de pavor e ódio. Achou, então, que deveria gritar mais, ofender mais, ameaçar mais.

O que vimos foi a vergonha nacional ali exposta para o mundo, sem nenhum vexame dos participantes e até com orgulho, confirmando a visão que os de fora têm de nós, segundo Eliane Cantânhede: “um povo vira-latas que aceita migalhas em fim de churrasco”. Sim, foi essa a imagem projetada por um ex-presidente da República que nos roubou de forma avassaladora e serviu de escudo para que todos fizessem o mesmo, provocando com isso um tsunami na Economia, nas Estatais, no emprego e consequentemente na dignidade do seu povo. E ali, amontoados, esperando um afago do líder- as migalhas-, os petistas clamavam por “Lula livre”. Diria Guimarães Rosa diante de tanta estupidez: “Pobres ignorantes! Quem menos sabe do sapato é a sola”. A sola nada vê. Exatamente como os petistas.

A prisão de um homem sem qualidades, um mau-caráter como Lula, só poderia oferecer às pessoas de bem deste país uma sensação positiva de justiça, pois desde a época da ditadura militar que Lula da Silva, para se dar bem, traía e delatava os companheiros do ABC, ciente de que seriam presos e torturados, entregando seus nomes como líderes das greves (que ele mesmo provocara), obtendo com essas delações as regalias do delegado Romeu Tuma, entre elas, a de dormir no sofá de couro de seu escritório e não nas celas como os demais. Basta ler O assassinato de reputações, de Romeu Tuma Júnior, para conhecer melhor o “sofrimento” de Lula na cadeia nesse período e um pouco mais de suas atitudes criminosas. Obra de um silêncio sepulcral por parte de Lula e do PT. Por que será?

“Esse é o Cara”, disse Obama que sabia mais de Lula que a maioria dos brasileiros. Mas não completou a frase. Deixou-a a critério de cada um para a completar.

Pela minha ótica, uma das maiores qualidades de um ser humano é a moral. Não é a única, mas é a que mais contribui para a apreciação das demais. Sem ela, tudo desmorona no ser humano. E mesmo sem ter noção do que seja isso, mas com toda a sua arrogância, Lula confessou “não sou um ser humano, eu sou uma ideia”.

Uma ideia nefasta, digo eu, que precisa ser afastada do convívio dos demais para não contaminá-los. Por isso, sou muito grata ao Juiz Sérgio Moro e a toda a equipe da Lava-Jato, à Polícia Federal, à Ministra Cármen Lúcia e a todos os Ministros que, com seu voto responsável, acabaram com a arrogância e a malandragem desmedidas de um ex-presidente que nunca deveria ter sido.

Fechar as janelas?



Não. Não quero fechar as janelas
que deixam entrar o sol
a luz
 e a vida em ebulição.

Quero o espetáculo urbano festivo
o brilho quente do asfalto
com os trêmulos cristais saltitantes
pelos densos pingos de chuva.

Chuva de verão que tudo invade
com força e violência é verdade
mas se afasta leve e frágil
e aos poucos por fim se esvai.

E os prédios lívidos e límpidos 
ressurgem 
nas alturas
como que purificados.

E em sua altivez modelar 
arquitetônica 
parecem nos convidar
a esquecer o céu nublado
e os ventos enlouquecidos,

como se nos dissessem em segredo:
as chuvas sempre se vão
o sol retoma seu brilho
e a vida segue seu curso.

Cada dia é um recomeço.

O teatro do absurdo



Nesta semana que se findou, o espaço que mais atraiu a nossa atenção foi o Supremo Tribunal Federal-STF com o espetáculo meio circense, meio farsante, encenado por Suas Excelências, os Ministros ali presentes, precedido dias antes pelo duelo verbal de quinta categoria travado entre os togados Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Quem diria?

Vários escritores já se lamentaram por viver em tempos difíceis, como Cícero, expondo nas Catilinárias, seu clamor na tribuna do senado romano “Oh Tempora! Oh mores!”. Ou seja: Ó tempos! Ó costumes! Pela decadência dos tribunos à época. Mas nada se compara ao que se vem assistindo nos últimos tempos e, em especial, nestes últimos dias no STF, quanto à postura e à linguagem dos integrantes da mais alta Corte do país. É deprimente, para dizer o mínimo, acompanharmos pela TV o desrespeito e a falta de ética entre os ministros, e a desfaçatez referente às expectativas da população quanto à seriedade de seus atos.

E para todos nós que assistimos ao indevido julgamento do Habeas Corpus de Lula, realizado a fórceps, no dia 22/04, ficou muito claro que ele nada mais foi que uma peça de mau gosto, encenada por atores de baixo nível, com propósitos vis, entre eles o objetivo perverso de postergar “ad infinitum” a possibilidade de prisão do crápula que trouxe a maior infelicidade para o país, após quase esvaziar os cofres públicos e submeter a nação à desordem e ao retrocesso, em que ainda vivemos hoje.

E o mais triste é que há os que acreditam que Lula é inocente, é um perseguido político, e que os vultosos valores pagos à legião de advogados milionários que para ele trabalham, são pagos com recursos lícitos, oriundos da sua aposentadoria como ex- Presidente da República.

Quanta miopia! Quanta ignorância!


Ausência



Há na inquietude da espera
um vazio de distâncias:
o suspense de uma ausência

Sensações de fim de tarde?

Em meu livro entreaberto
O título anuncia:
O resto é silêncio.

Novos cursos nas universidades?




"Seriedade no ensino

Muito se tem falado sobre a penúria das escolas brasileiras e das acentuadas lacunas do saber ali ministrado e, consequentemente, da necessidade de uma efetiva mobilização na busca de um salto qualitativo no ensino do país. É, sem dúvida, um grave problema a ser enfrentado com seriedade pelos governantes, pelas escolas públicas e privadas de todos os níveis, e que deveria ser incentivado por toda a sociedade. Sem essa postura, buscando elevar o nível de conhecimento de crianças e jovens para torná-los aptos a desenvolver as aptidões que deles serão cobradas neste século, já denominado pós-digital, o país não sairá da classificação negativa em que se colocou nestes últimos anos, e que terá continuidade se as universidades priorizarem cursos sem nenhuma relevância em detrimento do que é essencial. Contudo, o tempo não espera. As escolas precisam ser ágeis e implantar projetos que incentivem os estudantes a estudar com afinco, a se interessar por leituras e pelo conhecimento científico, e disso se orgulhar. Assim pensam e agem os estudantes dos países mais evoluídos. E os nossos, como serão eles amanhã?"


Este foi um texto que acabei de redigir e enviei para o "Fórum dos Leitores", do jornal O Estado de S. Paulo. Será publicado no domingo? Não sei, mas gostaria.

Gostaria que lessem o que penso sobre o que é essencial na Educação e não essa bobagem de cunho ideológico que a esquerda quer impor, agora, aos jovens que, depois de tanto esforço, conseguem uma vaga em uma universidade pública, pensando em ali adquirir o conhecimento necessário para enfrentar as dificuldades que este mundo, que se transforma velozmente, vai exigir deles após a conclusão do curso. Esses jovens vão plenos de sonhos, certos de que  as portas se abrirão a eles pelo saber conquistado nesses centros de saber, o que os diferenciará dos demais.

Não sabem eles, porém, que a esquerda vem dominando esses espaços já há algum tempo e eles hoje não são os mesmos que os seus pais frequentaram no passado. Tudo mudou. E não foi para melhor. Só o fato de desejarem criar um curso que tenha como base o impeachment ou o  "golpe", como é repetido pelos defensores da ex-Presidente Dilma, já podemos visualizar o atual panorama em que serão inseridos esses estudantes, e a dúvida em relação ao conhecimento que ali poderão acumular e que determinará o futuro pessoal e profissional de cada um.

Não fui muito explícita em meu texto, para o jornal, por ser o fato bastante conhecido do público, mas deixei claro que o importante é não se perder tempo com frivolidades e remodelar o ensino com o que é realmente essencial ao desenvolvimento intelectual dos nossos jovens. É disso apenas que precisamos hoje, me parece.

Sutis incoerências

Eu queria tanto

que as impossibilidades
perdessem seu prefixo

que as paralelas
se encontrassem no infinito

que o tempo
às vezes
fosse mesmo reversível

Os novos clichês




“‘Empoderamento feminino’ é clichê constrangedor”, diz Washington Olivetto, um dos melhores publicitários que conhecemos no país, e ganhador de mais de 50 Leões no Festival de Publicidade de Cannes, em uma entrevista à BBC Brasil em São Paulo. E a quem sempre admirei, desde a criação do sedutor “O primeiro Valisère”.

E quem com mais de 40 não se emocionou com o sutiã da Valisère, aquele que “a gente nunca esquece”, produzido décadas atrás e que surpreendeu o mundo publicitário e todos que viam na Publicidade apenas uma forma impositiva de nos vender qualquer produto: “Compre. Leve. Economize”. A delicadeza e a poeticidade ali contidas para uma peça íntima que anunciava a chegada de um novo tempo para uma adolescente que, surpresa, recebia seu presente com uma mescla de timidez e encantamento, marcou positivamente e, para sempre, a carreira de Olivetto, duas vezes eleito o Publicitário do Século.

Como alguém que conhece muito a linguagem e, por isso, sabe bem o que diz, cita ainda outros chavões insuportáveis e repetidos à exaustão, hoje, como “pensar fora da caixa” e “quebrar paradigmas”, entre outros, e explica a sua aversão por eles de forma clara “São todos primos-irmãos de um baixo nível intelectual, do ‘beijo no seu coração’. A gente tem de fugir desses clichês”.

Como discordar dessa afirmação do publicitário? Esse tipo de “beijo” causa mal-estar em quem o recebe, mas passa despercebido a quem o envia por se tornar um ato irrefletido sobre a idiotice da frase, penso eu.

Ao ler essa entrevista me veio de imediato à mente as centenas de vezes que corrigi os clichês de alunos em seus trabalhos escritos ou provas e, em geral, a reação de muitos era de insatisfação, alegando alguns até que eu era exigente demais. Não percebiam eles que o que eu buscava era um pouco mais de criatividade, um aprimoramento da expressão, uma aprovação futura dos receptores aos textos por eles produzidos. O que eu desejava deles era um voltar-se para os conceitos barthesianos da escritura, da qual sempre dei muitos exemplos. E o que me conforta é que alguém como Washington Olivetto, hoje, mostra aos jovens, principalmente, que fugir dos estereótipos é o único caminho a seguir se o desejo for o sucesso na carreira.

Obrigada, Olivetto, porque as suas palavras farão eco às minhas e, por elas terem muito mais peso entre os jovens, todos nós seremos beneficiados.



Obrigada, também, à minha amiga Maria da Graça, que tão gentilmente me enviou a entrevista.

Venceu a sensatez

Havia uma expectativa entre as pessoas de bem, em nosso país, quanto ao julgamento do ex-Presidente Lula pelos juízes do TRF-4, de Porto Alegre, no dia de hoje (24/01) sobre o tríplex do Guarujá.

 Afinal, o encantado tríplex, pela ótica desses juízes, seria ou não de Lula? Eles apresentariam mesmo provas contundentes para nos convencer, em especial aos petistas, de que o ex-Presidente vinha driblando a justiça com seu "exército" de mais de vinte advogados, daqui e de fora, a peso de ouro porque esse metal não lhe falta, de que Lula nada tinha a ver com essa história de tríplex? De que esse apartamento, que nasceu pequeno e depois se transformou em um dúplex e mais tarde em um luxuoso tríplex, foi uma fantasiosa ficção do juiz Sergio Moro para levá-lo à prisão, mesmo inocente, como ele afirmava aos quatro ventos? E, por fim,  a dúvida cruel: Lula seria ou não condenado por eles?

O resultado está em todas as mídias. Não só foi condenado pelos competentíssimos juízes de Porto Alegre, como teve a pena aumentada de nove anos e seis meses para doze anos e um mês.

Os nossos cumprimentos a esse grupo de juristas que, assim agindo, ameniza um pouco a imagem negativa produzida pelo Supremo Tribunal Federal, tão oscilante em suas decisões nos últimos tempos.

E, ao contrário das sessões do STF, assistimos, hoje, a uma aula de Direito, de Civismo e de Língua Portuguesa, pois, diante de uma retórica impecável e de uma precisão linguística elegante, como há muito não se ouvia, os nossos ouvidos foram agraciados com uma fala que pouco a pouco foi demonstrando, aos leigos e aos iniciados, que eles julgavam fatos e não homens. E que estes, se envolvidos com os fatos, a partir de um indício aqui, outro ali e outro acolá, deveriam ser punidos porque esses indícios se constituíam em provas incontestáveis contra quem os praticou.

Assim, provaram eles o envolvimento e a culpa de Lula e confirmaram ainda a competência da teoria peirceana da Semiótica, uma ciência que segundo seu autor tem por objetivo a busca da verdade. E a verdade ali restou comprovada.

A despedida de Cony


Logo pela manhã, neste sábado de sol, uma notícia se espalhou pela casa ao som da TV ligada. Carlos Heitor Cony se fora. Sua voz não mais seria ouvida pela CBN. Apenas seus textos resistirão ao tempo e à sua ausência física. Aos 91 anos de idade e de uma vida literária, jornalística e política muito produtiva, ele deixa os leitores, os amigos e a família.

Cony foi um dos meus cronistas preferidos. Transformou muitos dos fatos da vida cotidiana em prosa poética, como quando relatou, em uma curta crônica, a sofrida perda de Mila, sua cachorrinha tão amada que o acompanhara por 13 anos. Não tenho mais a crônica, mas me lembro da imagem final quando ele a leva já sem vida nos braços como um bebê, o seu bebê, para depositá-la sobre as ondas do mar, seu novo e definitivo lar. E as ondas não apenas levaram Mila, mas também uma parte de si.

E o cronista Cony retoma anos depois essa cara lembrança da relação afetiva entre o homem e o cão, entre Mila e ele, no Prefácio da obra Cão como nós do poeta português Manuel Alegre que ali registra a perda de Kurika, “um épagneul bretão de manchas castanhas” que acompanhava seu dono à praia, às caçadas e pescarias e que, mesmo após sua morte parecia ali permanecer. E diz o poeta sobre Kurika:

“Sei que andas por aí, ouço os teus passos em certas noites, quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho, às vezes rosnas, posso jurar que já te ouvi a uivar, cá em casa dizem que é o vento, eu sei que és tu, os cães também regressam, sei muito bem que andas por aí.”

E o Prefácio de Carlos Heitor Cony, para Cão como nós, assim se inicia:

“Ora, direis, um cão é um cão para sempre será um cão, nunca será como nós. Mas podemos dividir a humanidade entre aqueles que amam os cães e os entendem, e aqueles que não amam cães. Para entendê-los, é preciso amá-los, como no caso de Olavo Bilac no soneto dedicado às estrelas “amai para entendê-las”.

E depois de comentar a obra de Manuel Alegre, e os fortes elos que uniam o poeta a seu cão, o cronista expõe o intenso carinho que dedicou à Mila, e como ela preencheu os vazios de seu entorno e, assim, deu sentido ao seu existir.

“Tal como Manuel Alegre, também fui seduzido pelo amor que Mila me ofereceu durante 13 anos, fazendo-me um novo homem, encarando a vida de forma menos amarga. Eu não a escolhi. Ela é que me escolheu como dono, dono da chuva, do vento, do sol e da vida. Acima de tudo dono dela. No território da emoção absoluta, ela entendia minhas palavras e meu silêncio, fazia-se entender pelo olhar, pela expressão corporal, pelo suspiro que dava quando lhe fazia a vontade de carinho e atenção.”

E assim finaliza seu Prefácio:

“Com a intensidade de um poeta que manipula instantes, Manuel Alegre relembra Kurika em diversos flashes que formam o patrimônio afetivo de quem é dono de um cão e, de certa forma, se torna servo do cão. Dispensando palavras e gestos, os dois - cão e dono - se entendem principalmente naquilo que não se sabe dizer".


Este é Cony. Aquele que se refugiava no ninho das palavras para através delas, com amor ou furor, revelar tudo o que via e sentia do mundo.