O espanto do menino




Com o olhar cheio de espanto
E o dedinho apontando pro céu
O surpreso menino gritou:
Olha lá, mamãe!
Olha lá!
A lua tá faltando um pedaço!

E como explicar a ele que
Nesta nossa esfera tão azul
Nem tudo se mostra global.
Às vezes, só se revelam partes do inteiro.
Às vezes, é o inteiro que se esconde nas partes.

Nada é translúcido. Nada é diáfano.
Há sempre um vazio de vínculos
Na aparente concretude da imagem.

Mas se assim não fosse
A lua não teria seus mágicos mistérios
Nem nós ouviríamos jamais
Do garotinho, aquele delicioso grito 
Diante da pequenez da lua
naquela imensidão do céu.

"Quem dorme com cão..."


 
 

Há muitos anos, num passado que vai ficando cada vez mais distante, assisti a um filme de cujo título e de cuja trama já não me lembro mais. Só o que me vem à mente de tempos em tempos, e em ocasiões específicas, é uma frase de uma personagem desse filme diante de uma situação de uma decepção atroz. Volto a repetir, dele nada mais me lembro, exceto dessa única frase: “Quem dorme com cão, amanhece com pulgas”.
 

Eu, muito jovem ainda, vivia em um espaço tão seguro, ou assim me parecia, e com ideais tão românticos de que nada de mal me aconteceria se eu nada fizesse de errado e só me relacionasse com pessoas boas e amigas. Isso hoje soa esquisito, eu sei, mas esse era o universo pelo qual eu circulava. Cidade pequena. Mundo fechado. Pessoas pacatas, muito conhecidas. E depois desse filme, e dessa frase que se colou em minha mente, tudo começou a mudar para mim.
 

Lembro-me de que nessa noite voltei para casa com uma sensação estranha de que o perigo nos rondava sim e de que mais dia menos dia podíamos cair em armadilhas, porque nem o mundo nem as pessoas eram tão confiáveis quanto imaginávamos. Algumas poderiam até nos trair e, por isso, era preciso estar em alerta contínuo.
 

Mas será que agimos sempre com essa cautela mesmo? Acho que não.
 

Lembro-me de que na faculdade me deparei com uma colega falante, extrovertida, e que frequentava minha casa, como se minha amiga fosse, mas que roubou minhas pesquisas e as apresentou na sala de aula para o professor e para a classe, e diante de mim e do meu espanto, com uma expressão de vitória porque sabia da minha timidez em denunciá-la e provocar uma situação conflituosa na sala. O meu silêncio foi para sempre. Nunca mais nos falamos. Segui minha carreira, mas a imagem dela seguiu comigo, sempre me lembrando de que é preciso cautela com alguns “amigos”.
 

Muitos anos depois, quando já havia concluído meu doutorado e participava de uma Banca de Mestrado em uma instituição, aqui em São Paulo, nos encontramos. Ela pretendia iniciar o mestrado ali, mas ao me ver ficou muito constrangida. E com receio de vir a ser minha aluna, eu soube depois, mudou de ideia. Foi engraçado porque eu nem professora era dessa instituição. Fui apenas convidada nessa data, como em outras vezes, para participar de uma Banca. O destino às vezes se vinga por nós, mas só às vezes. E nesses casos nos sentimos recompensados. Eu me senti, sinceramente.
 

Há também experiências mais trágicas profissionais e mesmo familiares, mas quem não as tem? E com pessoas que jamais suporíamos que nos trairiam após ajudá-las até por longos períodos? A literatura está sempre nos revelando esses tristes episódios que marcam negativamente alguns períodos na vida dos personagens e que, muitas vezes, se repetem em nossa própria passagem por aqui. Mas nem sempre podemos evitar. E a razão é simples: os cães (metafóricos) existem e nós, por razões várias, não percebemos e deles nos aproximamos e só vamos sentir as pulgas depois de elas nos picarem. E aí... poderemos reagir ou ignorar, mas a imagem desse alguém jamais voltará a ser o que era antes. Ela se tornará apenas um borrão, e nada mais.
 

As minhas desculpas aos cãezinhos de verdade que merecem todo o nosso carinho porque eles nunca nos traem; eles realmente nos amam, assim como nós a eles.

Uma mãe é uma mãe...é uma mãe...



Como não me lembrar dela? Pequena e frágil. Muito frágil. De cabelos nunca tingidos, mamãe tinha o rosto emoldurado por uma auréola branca aveludada. Sorria pouco e de forma discreta. Observava o entorno com acuidade. Nada escapava ao seu olhar atento, mas jamais elevava a voz mesmo ao nos repreender. Era uma presença doce e silenciosa e isso propiciou a mim e aos meus irmãos uma infância tranquila. Havia uma ternura constante em seus atos e em seu olhar e foi isso que primeiro me revelou o que era o amor. Ela nos amou muito, muito. E nós a ela.

 Nunca a conheci com saúde. Ela sofria de megaesôfago, resultante da picada de um inseto cruel, o “barbeiro”, quando criança. E os sintomas da doença só se desenvolvem muito tempo depois. E foi o que aconteceu. Eles surgiram logo após o meu nascimento, quando, então, não mais pôde ingerir alimentos sólidos. Os tratamentos e as cirurgias se mostraram ineficazes. Uma doença incurável à época, nos disseram os médicos. Hoje, não sei.

E por se alimentar apenas de líquidos, manteve sempre o corpinho esguio de menina; a pele, porém, se ressentiu e as rugas pouco a pouco foram redesenhando seu rosto, que envelheceu e que agora relembramos pelas fotos. Mas mamãe não reclamava, enfrentava a falta de saúde com resignação e coragem, dizendo sempre aos médicos: “Eu preciso viver para educar minha filha”. Eu era a filha caçula e, por isso, a sua preocupação maior.

O seu desejo se tornou realidade e mamãe viveu por muitos anos mais, e não só nos educou a todos como conheceu também todos os netos.

Quando se aproxima o mês de maio e os shoppings se enfeitam buscando despertar nos filhos quase que uma obrigação de presentear as mães nessa data, e para vender mais, é claro, eu me lembro de minha mãe e de sua lógica ao dizer” Eu não quero presente nesse dia, eu quero vocês presentes o ano inteiro”.

Mas será que não é com isso mesmo que todas as mães sonham? E será mesmo que os filhos não sabem disso?