Retrato líquido


Como os oceanos,
pura água em movimento.
Ora calmo.
Ora violento.
Trêmula lâmina
de superfície líquida,
transparente.
`A sua cor,
Já nos acostumamos.
O difícil é divisar
As dúbias nuances  
De suas profundezas.

Educação: negociações empacadas

Greves e mais greves de professores da rede federal estão desestruturando o calendário escolar e colocando em crise o já tão problemático ensino em nosso país. O primeiro semestre terminou sem aulas e o segundo iniciou sem férias, porque sem acordo com o MEC, que deveria ter agilizado o processo, mas não o fez, todos (alunos e professores) estão em compasso de espera. Ninguém estuda. Ninguém viaja. Todos esperam. E o que se espera é uma solução ágil, mas neste país tudo parece emPACado, embora o governo alardeie que o seu objetivo é o Programa de Aceleração.
Aceleração do quê? Não se sabe, pois a única aceleração que se percebe é a da corrupção e mais nada. É obra parada aqui, é obra parada ali e todas pelas mesmas causas: propinas, desvios de verbas, superfaturamento, ou seja, falcatruas. E ninguém que está sob o manto do governo é punido. Lei? Ora, a lei! Essa é para os inimigos e não para os amigos dos que estão no poder.
Mas voltemos aos professores que têm “apenas” a responsabilidade de preparar intelectualmente as crianças e os jovens para conduzir o futuro do país. Apenas isso, coisa simples, secundária talvez, pela ótica de nossos governantes. Ou, então, teriam se apressado em ouvir atentamente os docentes, em apresentar uma proposta adequada às suas reivindicações, merecidas por sinal, o que evitaria todo esse desgaste que em nada beneficia aos alunos que terão um ano letivo desperdiçado pelo descaso e incompetência política de um ministro cujos olhos, no momento, se voltam apenas para o desempenho dos candidatos de seu partido nas próximas eleições. 
Mas e os alunos? Não há preocupação em mantê-los nas salas de aula para ampliar o seu campo de saber? Ainda mais agora que os índices educacionais se mostraram tão aquém das necessidades básicas do estudante brasileiro ao revelar que muitos chegam aos cursos superiores semialfabetizados? Não, isso não parece tirar o sono de nossas autoridades.
E, então, Ministro Mercadante, isto não nos envergonha? Isto não é grave? Não é um entrave para o país que deseja ser grande potência amanhã? É uma das grandes tragédias, me parece, talvez a maior de nossa cultura. E esse quadro só poderá ser revertido se houver conscientização de todos, vontade política, professores motivados e bem pagos, estrutura condizente com as necessidades de cada escola, de cada curso, ou seja, é urgente que haja um movimento sinérgico na busca de transpor tão grandes barreiras. E o principal neste momento é ouvir os mestres e doutores no assunto, ou seja, os professores de várias categorias, pois são eles que vivenciam de perto os problemas de cada aluno.
Ou será que certos estão os que afirmam que o desejo dos governantes é que a população se mantenha na ignorância, não adquirindo, assim, a competência para julgar os seus atos? Porque não se resolvem os problemas da Educação somente construindo prédios para mostrar na mídia o empenho do governo; é preciso mais, muito mais. E usando uma expressão da informática: não basta investir apenas em Hardware, é preciso pensar no Software e aí, tudo indica, está a chave para se desvendar o mistério do nosso insucesso educacional.     
 

As marcas de uma cultura

Abri o jornal. Um mar de palavras inundou os meus olhos. Tinha consciência de que ali estavam todas as informações de que necessitava: programação teatral, de cinema, de espetáculos de dança, de esportes, de política... O alfabeto era cirílico e, por isso, todas as letras pareciam tremer ao toque de minhas mãos e, num movimento brusco, fechei-o imediatamente. Levantei-me do sofá e tensa caminhei até a porta. Dia nublado. Frio. De três a quatro graus negativos era a previsão. Era quase outono. O cachecol aquecia-me o pescoço e o peito. Com o casaco grosso e pesado, resistiria, sim, à baixa temperatura. Esperara tanto por isso e era minha primeira manhã em Moscou.
Acordara cedo demais. Os outros ainda dormiam. Fiquei olhando o vaivém das pessoas do lado de fora pela porta de vidro. Limitavam-se elas a manchas escuras semoventes que se cruzavam ou seguiam paralelas e logo desapareciam de meu campo de visão. Internamente, as vozes se mesclavam, mas meus ouvidos quase não distinguiam os sons. Resolvi então tomar meu café. Quanta variedade! Coloquei sem pressa os pãezinhos, geleias e biscoitos mais atraentes em meu prato. Enchi as xícaras com café e leite. O copo de suco. Laranja ou pêssego? Laranja. As frutas. Acomodei-me em minha confortável cadeira e comecei pelo suco.
Olhava em torno os prédios antigos e austeros, e dali visualizava os símbolos que por tanto tempo alimentaram os meus sonhos no passado. As formas ainda mexiam com as minhas lembranças, mas não eram as mesmas, e o vermelho já não tinha o significado de antes. Perdera a sua força, a sua importância, o seu valor. Ouvi um “Bom dia!”. Os outros haviam acordado. Viajar em grupo tem seus pontos positivos e outros nem tanto.
Dentro do ônibus, o guia ia descrevendo a cidade, os monumentos, as igrejas. A arte estava por toda parte. No exterior das igrejas, pelas cúpulas coloridas; no seu interior, pelos ícones sagrados. Nos museus, pela quantidade e qualidade das obras raras. Nas estações de trem e de metrô, pelas esculturas e arte pictórica. Nas ruas, pela amplidão de suas praças e avenidas. Era um mundo singular. Era a Rússia dos antigos czares, da ideologia marxista que motivou Lenin à Revolução de Outubro, em 1917. Mas foi também o fim dessa “fábrica de sonhos de igualdade”, pelo autoritarismo sanguinário de Stalin.
Mas nessa história, embora tenha passado tantos anos após a Perestroika, o guia não tocava. É que o medo ainda se mostrava muito presente nessa cultura que viveu mais de setenta anos sob o duro regime soviético, sob o símbolo da foice e do martelo. Se a ele perguntássemos algo sobre o regime, de imediato “perdia” a compreensão da língua estrangeira e continuava o seu discurso com se um ventríloquo fosse: “Aqui, na Praça Vermelha, do lado direito temos o Kremlin...”
É, não é fácil esquecer o passado, não, porque “ninguém se livra de seus fantasmas”.

Revisões


Gosto de rupturas
Gosto de releituras
Ao trivial da mesmice
a surpresa do estranhamento
E um pássaro inclina a cabeça.

Diálogos eternos

Uma voz
Um silêncio
Um grito no azul
Na tarde de outono
O som se esvai
Em sombras quase se dilui
No eco, porém, tudo se recompõe