Os problemas, as artes e os textos


“Não consegui escrever nada nestes dias. Acho que estou com um vácuo no cérebro.”, confessei a um amigo, por e-mail, na semana passada. Ele me entende e sabe que não é indolência minha. Não é um hábito meu postergar compromissos. Quando me parecem desagradáveis, me empenho para deles me libertar o quanto antes, mas se me parecem interessantes me empolgo e as ideias vão se somando com rapidez e começo a selecioná-las e, assim, as frases e os parágrafos vão surgindo na telinha do computador. Depois, com um olhar mais crítico, mudo aqui, mudo ali e o texto acaba por se fazer. E a sensação de ter finalizado o trabalho é muito positiva. Uma felicidade efêmera, mas profunda naquele instante.

Por isso, andei meio angustiada nestes últimos dias. Tenho de entregar um texto, o prazo está se esgotando, porém não sinto desejo nenhum de concluí-lo. O que há comigo? O assunto é literatura e esse é meu universo. É o que mais me seduz, mas só digitei duas páginas e nada mais. Nele, dei início a uma discussão sobre leituras e autores da atualidade e sei o que tenho para dizer. Venho refletindo sobre essa questão há algum tempo e quando me solicitaram um ensaio sobre Literatura e Comunicação, vibrei de emoção porque já me havia proposto até a dar um curso sobre essa temática e senti que chegara o momento de passar da ideia à ação. Redigiria o texto e, em seguida, me voltaria para a outra atividade: a proposta do curso que vinha lentamente arquitetando.

Para a produção textual escolhi três autores e as obras que serão comentadas. Analisei os conceitos que nortearão minha análise. E estou pensando nas citações, tanto teóricas quanto literárias para corroborar minhas leituras. Ou seja, visivelmente não deveria haver obstáculos e a escrita deveria estar avançando. Contudo, o texto não caminha. Ligo o computador, releio o que ali está, altero uma ou outra linha e me distraio com outras questões que estão me preocupando no momento. Problemas com que a vida nos “premia”, às vezes. Surgem de forma inesperada e, algumas vezes, não temos controle sobre elas. Dependemos de soluções de terceiros e isso é angustiante.

Nesta madrugada, apesar desses elementos interferentes e desagradáveis, consegui me concentrar e concluir a leitura de uma obra que nada tem a ver com o meu projeto urgente de preparação do ensaio e da proposta de curso. Terminei a leitura de As crianças mais inteligentes do mundo, da jornalista norte-americana e pesquisadora de Educação Amanda Ripley. Excelente obra, em especial para professores e pais que se interessam pela função de preparar adequadamente as crianças e os jovens para um futuro promissor, alternando rigor e leveza nessa jornada nada simples de desenvolver a mente para a ciência e para a sensibilidade, imprescindíveis elas para se atingir o saber e a felicidade, ou seja, a satisfação pessoal.

E para completar as minhas convicções a respeito da formação educacional: alguns pais, inadvertidamente acreditam que o correto é ter professores bonzinhos que deem boas notas aos filhos para serem aprovados e, assim, deixá-los felizes, com o que não concorda Amanda Ripley, a pesquisadora; ou o oposto: aqueles que pensam que os garotos só precisam se preparar para o exame vestibular como meta última para, então, ter sucesso na vida profissional e mais nada, com o que não concorda o professor e filósofo contemporâneo Leandro Karnal.

Em seu artigo no jornal O Estado de S. Paulo, deste último domingo, 21/08/16, Karnal expõe sua visão sobre o assunto sob o título “Educar não é adestrar”, de forma clara e contundente. Não nega a importância do aprendizado eficaz da língua e da matemática, mas nos prova que isso não basta para uma formação holística dos estudantes de todas as idades. É preciso, afirma ele, inserir na programação da criança desde pequena a visita aos museus para educar o olhar e desenvolver a sensibilidade diante das formas e das cores, assim como o aprendizado da música que, segundo ele, “é para criar alma, não para tocar, obrigatoriamente, no Carnegie Hall ou na Sala São Paulo”. Isto é, a criança se torna mais inteligente pelo fato de que o aprendizado dessa arte exercita simultaneamente várias áreas do cérebro e Karnal ainda enfatiza “Acreditem: a música torna as pessoas mais inteligentes! Rousseau, Nietzsche, Adorno e Barthes foram muito interessados em música. Parte de sua agudeza mental derivou disto”.

Cheguei à conclusão que me faltou essa maravilhosa habilidade, tocar um instrumento, mas felizmente o desastre não foi total porque me ensinaram a gostar de boa música e das imagens expostas nos museus, nos livros de arte e até nas paredes do meu entorno. Isso talvez tenha amenizado as minhas deficiências.

Já sei como espantar meus fantasmas e voltar aos meus textos. Vou ouvir um pouco de música celta pela voz de Enya. Talvez dê certo. Se não der, vou me deliciar com aquela sonoridade que me leva para longe e é tão bom!

É apenas o outono


Nas alamedas alongadas
Só uma rubra textura se vê
de folhas ainda trêmulas
sem viço
sem luz
sem amanhã.

É apenas o outono que chega
de mansinho
e vai sugando a seiva
e vai suprimindo a vida
que se deixa levar pelo vento
como se nunca tivesse existido.