As horas que faltam


Mergulhado no mundo analógico, os ponteiros de meu relógio continuam seu movimento preciso. Nem mais lento, nem mais rápido. Acompanham o tempo do espaço em que estamos inseridos em seu ritmo cadenciado, monótono, insensível. Insensível ao que me traz angústia ou alegria. Parece se alongar quando o medo ou a ansiedade me dominam e saltar os segundos, as horas, quando algo ou alguém me faz feliz. Entre meus sentimentos e o tempo não há sintonia, tenho certeza.

Neste ano que agora termina, 2015, a sensação de inércia temporal foi intensa e permeou todos os momentos de tensão, que não foram poucos, o que indicia não ter sido este o melhor ano para mim e para muitos daqueles a quem eu quero bem. Insônia, decepções, desencontros, perdas, dor e angústia tiveram sua cota bem elevada nestes meses que pareciam intermináveis. Mas dezembro chegou. Tropeçando aqui e ali o ano nefasto vai chegando ao seu término e muitos de nós vamos, daqui a algumas horas, comemorar com um certo alívio o fechamento das cortinas de um cenário que ambientou neste período o teatro do absurdo nacional.

A dúvida que fica é “O que nos reserva o próximo ano?”

Não sei ao certo, mas no plano político a bolha de tensões irá explodir, me parece. Para tudo há um limite. E a população não ficará inerte diante de tantas mazelas e de tanta desfaçatez pelos que deveriam fazer valer as leis. No plano econômico, teremos dias difíceis porque o desemprego trará muita insegurança e infelicidade às famílias. Na educação e na saúde, o quadro é desolador porque o dinheiro necessário a essas áreas, e usurpado pelos petistas em ação, faz e fará muita falta ainda a toda a população, em especial à mais carente. E em todas as outras áreas a situação é similar. Não há porto seguro. Não há perspectiva de superação dos nossos problemas. E o noticiário internacional já dá ênfase à ”queda do Brasil”.

E pensar que a gerentona ciclista para provar a sua força política e, assim, provocar os seus desafetos, que são a maioria dos brasileiros, sai em sua bike pelas avenidas de Brasília (protegida pelos guarda-costas, é claro), lembrando-nos com esse gesto que ela pode dar as suas “pedaladas” à vontade sem sofrer impeachment porque há os lewandovskis de plantão prontos a lhe dar a proteção necessária para uma longa e próspera gestão presidencial.

Faltam apenas algumas horas para a chegada do Novo Ano. Que os ponteiros andem rápido e, assim, nos tragam um ano melhor, como queria Chico Buarque no passado, “afastando de nós esse cálice/cale-se” transbordante, hoje, do mais puro veneno da ideologia populista de esquerda.

Poema enxuto

Sob o chuveiro
Fiz um límpido poema.
Ao sair dele, enxuguei meu corpo
E por distração também meu cérebro.
As palavras alçaram voo
E meu poema secou...secou
Dele, nada mais restou.

Um país à deriva

Desde que o Juiz Sérgio Moro deu início à operação Lava Jato, as prisões têm sido contínuas no país. Todas as semanas, ou quase todos os dias, temos notícias de que algum figurão, político ou amigo de político, se envolveu em falcatruas e é preso pela Polícia Federal. É cena corriqueira já. Ninguém mais se surpreende, nem tampouco se penaliza diante dos algemados e das negativas que apresentam, pois, segundo eles, mesmo pegos com a boca na botija, são todos inocentes.

Mas todos nós sabemos que logo em seguida as provas dos crimes praticados vêm à tona e os valores surrupiados também: milhões, milhões e milhões. São cifras inimagináveis para a maioria dos brasileiros que ganha mal e vive pior ainda, mas tem de seu pobre salário descontado o imposto que deveria custear os serviços públicos como, pelo menos, a escola de qualidade para os filhos e a saúde garantida para toda a família. O que não mais é preocupação do governo atual. O dinheiro sai e não mais volta como deveria. Mas é esse mesmo dinheiro, somado ao das propinas, que propicia a vida de luxo e até de luxúria que muitos passaram a usufruir depois de ingressarem na gangue criminosa deste governo.

Falamos em crimes, mas pela cartilha de D. Dilma são apenas “malfeitos”. Quem não se lembra do início de sua gestão em que ela prometeu fazer a faxina nos Ministérios porque alguns de seus Ministros haviam cometido “malfeitos” (leia-se roubos). Pura falácia, pura enganação. E o povo acreditou, ou pelo menos alguns e, em especial, os petistas que juravam ainda que o Partido do Lula era mesmo um partido sério e iria moralizar o país. Mas quem conhecia o passado do sindicalista Lula que traía e delatava os amigos, na época da Ditadura, para receber as benesses do governo militar e aí começou o seu rico pé de meia, e que não mais pararia de evoluir, sabia bem que teríamos com ele e seus comparsas o pior período político da vida brasileira. E hoje todos nós temos a certeza disso e sofremos na pele as suas consequências Agora, só esperamos que além de Bumlai, o “Rei do gado”, o amigo do peito, Lula da Silva, o ”Rei da Rapina e da Avacalhação Política”, vá também com seus rebentos lhe fazer companhia na prisão.

Operação Lava Jato, Operação Zelotes, Operação Passe Livre, e outras mais que certamente virão, pouco a pouco irão limpar a área política e quem sabe depois desse apocalipse, dessa desinfecção imprescindível, teremos um recomeço, e da nova Arca de Noé sairão aqueles que com outra postura levarão avante o projeto de um país com o qual sempre sonhamos: um país com um futuro promissor e do qual possamos nos orgulhar.

E para que isso ocorra, é preciso que os deuses protejam com vida longa os nossos benfeitores: Joaquim Barbosa, o precursor; Sérgio Moro, o seguidor, e sua equipe; e a Polícia Federal com sua coragem e persistência.

A escola, a formação e as leituras

Em meio às imagens meio que nebulosas do passado, de repente, uma ou outra cena ocupa a telinha de minha mente como se a vivenciasse agora. Nítida, sem distorções. E nela vejo pessoas que comigo compartilharam momentos delicados, decisivos, e dos quais tenho saudade. De meus pais, por exemplo, de meus irmãos, da troca de afeto que era constante entre nós, do respeito com que recebíamos as orientações e os ensinamentos tanto em casa quanto na escola. Saudade também do olhar tão ingênuo com que víamos, meus irmãos e eu, o mundo externo a esses espaços, ou seja, o mundo além do lar e da escola. Tudo era tão tranquilo, tão mágico, tão maravilhoso no nosso exíguo reduto! E tão diferente dos dias de hoje!

E a escola? Ah! A escola! Era a continuação de nossa casa. Os professores, extensão de nossa família. Havia uma relação de afeto e de respeito. A ela íamos felizes e orgulhosos com o material nas bolsas. Bolsas, sim, não havia mochilas, como agora. E parecia que por elas transportávamos tesouros. Livros e cadernos encapados caprichosamente com papel de seda verde, a cor simbólica; lápis cuidadosamente apontados, pois a palavra lapiseira ainda não havia entrado em nosso vocabulário; estojos; borrachas, e tudo mais que os mestres de nós exigiam para as atividades em sala. E a aparência, e a vestimenta escolar? Por elas ficava demonstrado todo o empenho da família com os uniformes limpinhos, bem passados e os cabelos penteados com esmero. Mamãe me fazia cachinhos e eu ia toda feliz, toda vaidosa. Parecia até que íamos todos os dias a uma festa, tal era a preocupação com os detalhes. E na verdade, para meus pais, era uma festa que só agora consigo decodificar, uma festa em que se comemorava a aquisição diária do saber.

Na sala de aula, os professores muito bem preparados, passavam os ensinamentos num ambiente de tranquilidade, mas com o rigor necessário a um aprendizado eficiente, e de nós esperavam o melhor resultado, o que em geral acontecia. Havia provas escritas e orais e morreríamos de vergonha se não soubéssemos responder às questões propostas com o máximo de eficiência, cientes de que era isso que eles esperavam de nós. E não iríamos decepcioná-los. Por isso, o estudo diário, os exercícios repetidos e acompanhados pelos pais para que nenhum fracasso ocorresse nessa jornada. E eles não ocorriam. E as notas obtidas confirmavam essas pequenas grandes vitórias.

Por esses motivos, talvez, as imagens dessa fase continuam vívidas em minha mente e delas, ao revivê-las, sinto saudade. Uma saudade terna dos mestres, dos coleguinhas com quem dividíamos as brincadeiras no chamado “recreio”, do passeio que era ir de uniforme e a pé à escola tão pertinho de casa, mas segura pela mão de meus irmãos mais velhos, e do orgulho de ao final de cada mês entregar a meu pai o boletim cujas notas compensavam todo o esforço despendido por todos nós.

A escola se tornou, então, um marco em minha infância e também na adolescência, mas foi com o hábito de ler que os espaços em minha mente foram lentamente sendo preenchidos por personagens da literatura e deles nunca mais me separei. Personagens como Clarissa e também Olívia, de Érico Veríssimo; de Capitu e Bentinho, de Machado de Assis; de Macabéa e GH, de Clarice Lispector; de Faustine, de Adolfo Bioy Casares; de Emma Bovary, de Gustave Flaubert; de Riobaldo, de Guimarães Rosa; de Raskólnikov, de Dostoiévski; de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e de tantos outros que é impossível enumerá-los, mas que transitam livremente pelos labirintos de meu cérebro e quando insistem em me contar de novo suas histórias, recorro às minhas estantes, abro a obra e retomo a leitura. E outra vez mergulho nos meandros dessas narrativas que de tão intrigantes e bem estruturadas pelo autor parecem me revelar novos fatos, novas sensações, que em leituras anteriores, eu posso até jurar, estavam em ausência nessas páginas já tão manuseadas por mim.







Vida e sonho


Se a vida é mesmo sonho
Nada está tão longe
Nada está tão perto
Porque no invisível se fundem
O real e o sonho
Essa mística fantasia
Que enovela as imagens
E dá sentido ao viver.


Esquecimento



De sim em sim
- Devagar -
Se chega ao limite.
De palavra em palavra
- Inebriadas de som -
Se chega ao sentido.
O corpo então absorve
O absurdo do gesto.

Depois, tudo é silêncio.
Depois, tudo é esquecimento.

Não dá para esquecer


Gosto de conhecer o que pensam os jovens, como veem o mundo e como o retratam por meio da linguagem. Qual é o seu estilo e o quanto são capazes de ludicamente jogar com as palavras para produzir imagens que só mesmo eles, no contexto em que vivem, podem projetá-las para nós que pertencemos a um outro universo e a uma outra geração.

“Não dá para esquecer” foi o tema dado em sala, neste setembro de 2015, para meus alunos de 1º. Semestre do Curso de Comunicação. Alguns, atemorizados e pouco familiarizados com o espaço da folha em branco, e tendo que preenchê-la com fatos tirados da memória ou da imaginação, angustiam-se por não ter ideia de como dar início a essa (hoje) estranha atividade. Outros, menos preocupados, escrevem sobre a primeira lembrança que lhes vêm à mente e rapidamente entregam seu relato, nem sempre imagético, desculpando-se pela falta de “inspiração” nesse dia, ou jurando que o fato é totalmente verídico. Outros, demoram um pouco mais. Acho que selecionam ideias, imagens, e só, então, começam a redigir.

Foi o que aconteceu com o aluno João Pedro no último sábado. Após a minha proposta, ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois, começou a caminhar pela sala e, por fim, sentou-se. Com a caneta que corria inquieta pela página, ele rapidamente redigiu o surpreendente texto a seguir:

“Amanda”

Maquio defuntos. E me esqueço de todos os rostos gelados. Menos o dela, o de Amanda, 24 anos, linda e morta. Cabelos castanhos com pontas loiras quase brancas. Conheceu-me com um vestido de flor encharcada de lágrimas paternas. Suas cicatrizes transcorriam por seu pescoço até achar a bochecha esquerda. Precisou apenas de um pouco de base para ficar apresentável aos entes queridos. E não a esqueço por ser algum tipo de poeta ultrarromântico que simpatiza com cadáveres. Não a esqueço, pois de seu nariz escorria um cadarço amarelo, e nele estava escrito “eternize sua juventude”. Seu cadarço sujo com sangue seco hoje me serve de colar. Amanda, linda, jovem e morta.

(João Pedro Albuquerque)

Não é sedutor?! Quanta criatividade!!! Não dá mesmo para esquecer. Esse menino promete!

Gaivotas


Em meus olhos de insônia
se vê
um longo e profundo oceano
com inquietas ondas escuras.

Mas pelo que esperam eles,
tão tristes?
Pelo regresso das gaivotas
Que num dia de sol vibrante
Partiram em ruidoso voo.

Depois, distraídas me parece
se perderam
se esqueceram
Na volúpia dos novos festins.

Mas um artista se insurge
Nessa tela tão sem luz
E com cores mais vivas resgata
Num céu de límpido azul
as fugitivas gaivotas
Rodopiando...Rodopiando...
Ao alcance dos olhos meus.

O que se pode esperar agora?



Já estamos em setembro. O ano caminha rápido. As decisões na área política, entretanto, movem-se em “slow motion”, ou seja, devagar, com uma lentidão que angustia. Sabemos apenas que o país está à deriva. Sem rumo. O que fazer, então? Ninguém sabe ao certo. E o que é pior, a Presidente Dilma também não. Aliás, nunca soube desde que assumiu a presidência pela primeira vez.

A cada dia, a sua aceitação pelo povo diminui acentuadamente, a ponto de o vice-Presidente Michel Temer afirmar que com essa popularidade ela não conseguirá governar pelo tempo que lhe resta, isto é, por três anos e meio. E seguindo as orientações do seu padrinho político, o megacorrupto Lula, ela deve se aproximar do povo, falar para as pessoas, convencê-las de que é preciso pensar positivamente.

Ora, ora, Senhor Lula, como pode o povo sentir-se otimista se as notícias a respeito da política e da economia são, a cada dia, mais catastróficas? As indústrias no vermelho, o comércio em profunda recessão e o desemprego uma realidade perversa compõem o perfil do Brasil nos tempos de hoje, regido pela incompetência e safadeza dos integrantes deste partido sem escrúpulos que é o PT, cuja estrela-mor é o ainda blindado e novo-rico - milionário ou bilionário? - Sr. Lula da Silva.

Comissões hoje estão sendo criadas para se sair da crise, organizadas por entidades como a OAB, TV Cultura e outras, já que estamos acéfalos no plano político, pois desde o início do segundo mandato Da. Dilma terceirizou seu cargo de Presidente, por incapacidade total para governar o país. Ela não pode proferir discursos com datas previamente anunciadas pela TV com medo dos panelaços; não faz comunicados diretamente à nação sobre medidas duras, como aumento de impostos, por exemplo, e sim por intermédio de ministros, para não alimentar ainda mais os índices altíssimos de rejeição; e não consegue ser simpática em seus pronunciamentos mesmo em locais reservados por três razões: incompetência linguística comprovada, ciência da falta de credibilidade pelas contumazes mentiras proferidas, e terror pela possível presença de manifestantes portando cartazes com a frase “impeachment já”.

Diante disso, o que se vê é uma nação cujos governantes, inaptos para os cargos que ocupam mas cheios de poder, deixaram vir à tona suas fragilidades éticas e morais e assim contaminaram toda a estrutura do país. Agora, o que se pode esperar? Pouco. Muito pouco. Mas nem por isso deixaremos de sonhar. E sonhamos com um governante de brio, de ideias e de coragem, um estadista de verdade, capaz de promover as mudanças que se fazem necessárias, reabilitando assim a “terra brasilis” e colocando-a no patamar dos países sérios e desenvolvidos.

Para isso, porém, é preciso primeiro limpar o terreno. Retirar todas as pragas daninhas. Isso é imprescindível!
Depois, distribuir nele sementes com qualidade e acompanhar o seu desenvolvimento, fazendo podas se preciso for, mas aguardando pelos resultados que certamente serão positivos, e chegarão é claro bem antes de 2018.

Será que não vale a pena apostar nesse processo para o surgimento talvez de um avatar? Em um momento de tão grave crise, acho que é somente isso o que nos resta.

E aquele romance?


Foi na última Páscoa, na região dos vinhos de Napa Valley, próximo a São Francisco. Olhava as fotos e me senti num tempo reverso. No carro-restaurante, à nossa frente, um casal de coreanos. Ele pastor, não sei de qual religião, com quase sessenta anos. Ela arquiteta ou designer. Não me recordo com certeza agora, e muito mais jovem. Uma graça de garota.

Casal simpático. Para ele, conforme nos confessou, era o segundo casamento. O que revela que para o amor, quando correspondido, não existe a barreira da idade, da profissão ou da religião. Tomaram vinho conosco e, como nós, sem demonstrar nenhuma proibição, nenhuma culpa, nos pareceu. E discretamente trocavam olhares apaixonados. E eu, apenas olhando para os pratos, as taças, os talheres e a decoração da mesa e do entorno, pensava se seriam recém-casados, se aquela era a primeira viagem em que juntos iniciavam uma nova vida, se... se... Mas que importância teria isso? pensei. O importante é que o toque suave das mãos, a voz delicada e o olhar terno de ambos diziam muito mais do que qualquer justificativa que nos dessem. Não deixavam dúvidas: estavam apaixonados.

Como pessoas educadas, nos limitamos apenas às informações pessoais de praxe, sem qualquer invasão de privacidade, e comentamos aquela paisagem verdejante dos vinhedos e, em especial, aquele espaço de um luxo nostálgico e aconchegante que ali nos envolvia como se pertencêssemos a um tempo anterior ao nosso, a uma classe de privilegiados do passado que confortavelmente desfrutavam das delícias gastronômicas e de bebidas, as mais requintadas, enquanto o trem deslizava pelos trilhos. Veio, então, a sobremesa: Creme “Brüllé”. Aquela irresistível doçura flambada com gostinho de quero mais. E que também não mais se apaga da memória.

Não, não vou me esquecer desse passeio, das imagens internas e externas do carro-restaurante do pequeno trem, que serpenteava pelas curvas entre as videiras e as diferentes construções campestres, e das sensações que esse cenário provocava em nós. Mas impossível mesmo é apagar da mente a figura do casal coreano que, como personagens de um romance que prende a nossa atenção, não queremos para eles um outro desfecho a não ser que aquelas relações tão delicadas jamais se rompam, jamais conheçam sequer o esgarçamento do tênue tecido que os une hoje.

Outros sonhos


Eu esperava tanto...
E desse tanto muito já foi trilhado
Também muito ficou perdido
De mudança em mudança
o design se refez
De alguns sonhos só restam brumas
Mas entre elas brilham
diminutos sóis
que surgem sempre que a noite vem
E docemente iluminam
as veredas
Dos sonhos que estão por vir

Fragmentos da memória


Um rosto delicado e esmaecido que na noite fria vem ajeitar as cobertas para me aquecer melhor: “Durma bem, meu anjo”. Era minha mãe. Ela se foi.

Uma voz longínqua, mas ainda austera, que me censura por ter tirado as moedinhas do cofre que não era meu: “Nunca mais faça isso, menina! O cofre é de seu irmão”. Era meu pai. Ele se foi.

Um latido feliz, e quase inaudível, da cachorrinha que me acompanhou dos cinco aos dezoito anos e que, balançando a cauda, assim me esperava no portão de casa no horário certinho da volta do colégio. Era Bolinha. Bolinha era uma “lulu” de cor branca com algumas manchas negras e de uma meiguice infinita que me viu crescer. Ela também se foi.

Todos se foram, mas as recordações ficaram. Elas resistem.

São imagens, sons e gestos que às vezes se materializam em lembranças quase tangíveis. São fragmentos de um passado que ainda vive nos interstícios da memória e que retornam para nos lembrar talvez que "o tempo é feito de instantes", como diz o filósofo francês Bachelard, e são eles que tecem aleatoriamente nossa biografia mental.

O que as traz de volta à mente é difícil saber, adivinhar ou prever. Mas é uma sensação pouco frequente, misto de felicidade e tristeza, ou seja, pura saudade. Hoje, talvez pelo frio, a imagem de minha mãe num passado distante, buscando me aquecer, envolveu-me por alguns minutos. E faz tanto tempo! Tanto tempo! Anos mais tarde, repeti muitas vezes o gesto com meus filhos, nas noites de inverno, e me sentia feliz porque sabia que eles, bem aquecidos pelos edredons e cobertos de carinho, dormiriam tranquilos até o amanhecer. Será que eles se lembram de alguns desses momentos? Talvez sim.

Talvez, como eu, eles se recordem vagamente e até sintam, também, uma tênue saudade de um tempo que distante ficou e que retorna apenas como cenas de um filme antigo de cujo roteiro não nos lembramos mais, pois dele só restam fragmentos de imagens. Mas outras também devem povoar a mente deles e, entre elas, algumas das quais procuram esquecer, certamente, porque o mundo não é feito só de bons momentos. E por mais que tentemos protegê-los das angústias, elas de uma forma ou de outra se farão presentes em momentos que não nos é possível prever.

Neste final de semana, um de meus filhos me enviou um e-mail com fotos externas e internas do colégio em que estudou nos primeiros anos da infância. Ali estudaram ele e o irmão. Elas mostravam salas, corredores, e outros locais por onde nós, os pais, talvez nunca tenhamos passado, mas que eles conheciam palmo a palmo. E ali se divertiram, compartilharam as brincadeiras e talvez as primeiras brigas e, em especial, as primeiras inserções pelo universo das palavras e dos números. Ensinamentos esses que os tornaram, hoje, seres pensantes e adultos responsáveis.

A saudade veio paralela àquelas imagens, trazendo com elas o passado de volta. E certamente esse sentimento de um tempo feliz, ou de uma felicidade quase esquecida, não se alojou só em minha mente, mas dominou por alguns instantes a dele também e com o sabor que só as ausências marcantes dos momentos vividos são capazes de nos oferecer.

Não importa o tempo decorrido, o passado feito de fragmentos de imagens nos torna mais sensíveis e, por isso, mais humanos.

Agosto: mês de desgosto?


“Eu tenho um sonho” disse Martin Luther King, em 1963, ao povo norte-americano, referindo-se à possibilidade de em um futuro não muito distante os povos de todos os lugares não mais se dividirem por uma diferenciação na cor da pele. Frase várias vezes repetida em seu discurso, tentando com ela contagiar seu povo com a esperança em dias melhores. Sonho que, se não foi totalmente atingido, o foi em parte, sim, com o fim do Apartheid na África do Sul, na década de 80 do século passado.

“Eu tenho um sonho”, se proferida hoje, em tempos de redes sociais, certamente essa frase se tornaria viral pela nossa identificação com ela, porque todos nós temos sonhos. Sempre os tivemos. E que sonhos! Sonhos de grandeza para nosso país que encanta a todos pelas riquezas naturais, pela beleza incomum e por seu inegável potencial. Por isso, talvez, muitos acreditavam que o país caminhava na direção do progresso, tal era a propaganda enganosa veiculada pelo governo e eram poucos os que desconfiavam da malandragem que se escondia nos bastidores do Planalto. Hoje, esses poucos se multiplicaram e somente 7,7% (índice composto por analfabetos e fanáticos) da população ainda afirma crer nesses meliantes que nos assaltaram sem trégua durante doze anos.

Mas um pouco tarde talvez, pois as dificuldades se agigantaram de tal forma, com a descoberta dos cofres vazios, a diluição da economia, das empresas e dos empregos, e a consequente fuga de capital estrangeiro, que nos últimos tempos num processo evolutivo, veloz e voraz, vem consumindo as nossas reservas, as nossas esperanças e até mesmo a nossa paciência.

Ao abrirmos os jornais, ligarmos a TV ou nos conectarmos à internet, um mundo de violência contra o país e o povo nos é apresentado com a participação de políticos das mais altas esferas, políticos estes com um discurso contínuo de ética elevadíssima, envolvidos, contudo, em falcatruas impensáveis, resultando em enriquecimentos rápidos e tão altamente volumosos, a ponto de causar inveja aos mais truculentos e bilionários dirigentes das perversas ditaduras oficiais espalhadas pelo mundo.

Ditaduras estas cujos representantes são amigos, aliados e comparsas nas negociatas do ex-Presidente Lula, conforme as notícias veiculadas pelas diversas mídias desde o mês de julho e apoiadas nas investigações . Amigos também da PresidentA Dilma. Mas esta para disfarçar sua ideologia autoritária afirma a todo momento que somos uma democracia e, por isso, a palavra impeachment diante de seus ilícitos é vista por ela, por conveniência e medo, como “golpe” da oposição. O que não passa de uma falácia porque os crimes por ela cometidos (e ela bem sabe) são proibidos pela Constituição.

E a Constituição nos obriga a todos a respeitá-la. A nós, que pagamos impostos e sustentamos o país, e aos políticos que muitas vezes, como agora, a desrespeitam, desviando essas verbas em benefício próprio. Para nós, o povo, se houver deslizes, há multas pesadas, nome negativado (termo indigesto) no SPC, etc... etc..., porque estamos fora do círculo do poder. Mas ali, nos espaços internos da cúpula governamental, onde os atores aspiram ao intocável, ao sagrado, parece haver um terreno movediço em que o cenário se molda às situações, projetando novas luzes sobre a ambientação para confundir ainda mais a plateia boquiaberta com o jogo sujo que ali se faz.

E se ameaçados se sentirem, surgem, então, as revoltas e a indignação como se realmente pertencessem a uma casta classe política. Quanta hipocrisia!

Contudo, a operação Lava Jato segue impávida em seu curso. Empresários e políticos que o digam nas frias celas de Curitiba. Faltam, porém, os peixes grandes da política brasileira que certamente estão já com as barbas de molho, pois sabem eles que estão próximos de degustar as quentinhas em locais mais reservados, sem o burburinho das vaias e dos panelaços. E a população agora tem um sonho só, o maior deles: ver no mês de agosto, talvez, o causador de tudo, o palestrante mais importante, e mais bem pago do país, Lula da Silva, desmascarado, algemado e a caminho de uma cela que o espera ansiosa para o aconchegante abraço final. Não custa sonhar.

De propinas e pedaladas


Os finais de semana são um convite ao descanso e ao lazer. Todo aquele que se dedica ao trabalho todos os dias, seja em atividades mentais ou braçais, aguarda com ansiedade pela chegada do sábado quando quase sempre poderá acordar mais tarde e, mais ainda, sonhar com o dia seguinte quando o relógio parece acordar com preguiça e dilatar silenciosamente as horas. Faz bem para o corpo e para a cuca, dizem os defensores de uma vida mais saudável -ou seria sustentável? - termo hoje muito em voga.

Alguns aproveitam para ver os familiares, rever os amigos ou dar umas pedaladas por aí, já que a moda também é andar de bike. Nas cidades litorâneas e em muitas pequenas cidades, em especial de países com uma educação exemplar e economia estável, os pais, as crianças e os jovens se programam para exercitar os músculos e relaxar os neurônios nos finais de tarde e finais de semana em perfeita segurança, pois contam com um nivelamento social adequado e com um aparato policial que sabe ali se encontra para a sua proteção.

Assim, o uso da bicicleta vem se tornando também um hábito em nosso país. Até a Presidente da República vem fazendo uso desse veículo, como se vê pela mídia. Não sei se por prazer, se para manter a forma, ou para aparecer nas primeiras páginas dos jornais, já que a imagem sairá com atraso e não “on line”, evitando assim as vaias da população que se tornaram lugar-comum desde que, surpreendentemente, se reelegeu.

População esta que não mais suporta a cara de pau da Chefe de Estado que vinha com frequência à TV para contar histórias da carochinha sobre a Economia, dizendo ser este problema “página virada”, de seu governo, para quem agora já sente no bolso o desfalque cometido por seu partido para a sua reeleição, e a do seu guru, o Sr. Lula, e o enriquecimento de todos os petistas com as contínuas propinas recebidas de todos os contratos assinados com empresas daqui ou do exterior.

O PT se mostrou gente de “fino trato”, pois as quantias exigidas não eram pouca coisa. Os valores levantados (e que os petistas negam porque, segundo eles, nada está provado) são exorbitantes, o que indicia que é gente que gosta do que é bom, nada lembrando a origem humilde da maioria dos integrantes do Partido dos Trabalhadores – ou dos Trambiqueiros – a começar pelo Sr. Lula da Silva, um retirante que sempre traiu os amigos para se dar bem na vida. Uma boa obra para se entender como ele conseguiu a proeza de sair de Garanhuns e ir parar em Brasília é Assassinato de reputações, de Romeu Tuma Júnior, e que estranhamente não sofreu nenhum processo dos petistas. Ali, vamos conhecer o mau-caratismo desse personagem que infiltrado nas fábricas, na época da ditadura, entregava os amigos sindicalistas para os militares, em troca de benesses para si e para a sua família. E dessa forma espúria ele começou a ganhar notoriedade e dinheiro, muito dinheiro.

Assim, a roubalheira geral e alucinada do erário público, desde a chegada de Lula ao poder, e que só agora temos conhecimento, levou o país à bancarrota e ao “salve-se quem puder”. Mas o difícil é manter antigas amizades com aqueles que por obsessão, ou sei lá por que, ainda continuam defendendo essa horda que invadiu o Palácio do Planalto e quebrou a indústria, o comércio, a economia, o país, enfim, tentando nos convencer de que os petistas são pessoas sérias, de que não há provas contra eles, e de que nós e a imprensa é que não aceitamos pessoas simples no poder.

Ora, ora, pessoas simples, mas competentes e honestas, são bem aceitas sem qualquer distinção na escala social, seja na empresa pública ou privada. Larápios e pessoas sem qualificação profissional e ética é que não podemos permitir que assumam postos de relevância no país e tenham acesso às chaves dos cofres públicos para que não mais vejamos nos noticiários de toda a mídia operações da Polícia Federal como: Lava-Jato, Acrônimo e outras e outras...

E nada temos também contra as pedaladas de fins de semana de Da. Dilma. Estas são inofensivas. Pedaladas que nos trouxeram revolta, e grandes prejuízos, mesmo, foram as pedaladas fiscais cometidas por ela no final do ano passado quando, para encobrir os desarranjos econômicos cometidos em seu governo, e iniciados no governo Lula, ela se utilizou de métodos ilegais de prestação de contas para mostrar à população um país certinho, com as contas em dia, quando na verdade é isso que estamos vendo hoje e vivenciando agora: um país quebrado e sem perspectivas de recuperação nos próximos anos. E essas pedaladas, eu sei e ela sabe, podem dar impeachment.





Afinidades



Enquanto o céu azul me seduz
Os pássaros da manhã te acalentam
Sonhamos assim
Sem saber
Com o mesmo desvão da janela

Poema tosco


O gesto é sempre contido
na cena entreatos
Entre olhos e ouvidos
dispersos
De outros.

No camarim interno
entretanto
Os olhos só buscam o ouvir delicado
silente
De um outro.

E aí a palavra muda
ainda que tosca
ainda que trôpega
E naquele silêncio branco
diz tudo que queria dizer
e escuta tudo que esperava ouvir.

Nosso futuro está em boas mãos?


Nas grandes cidades, o trânsito vem se complicando cada vez mais e é difícil atender aos compromissos dentro dos horários estabelecidos. Não importa o trabalho que se realize, nem a distância a se percorrer, nem o meio de transporte utilizado, se privado ou público: está difícil para todos. Há sempre a preocupação com os atrasos. Na instituição onde trabalho, os alunos têm medo de perder a chamada; os professores, o emprego.

Emprego?! Ele é um item essencial para a dignidade do homem, sabemos, mas este hoje é um fantasma que amedronta a todos. Os que estão empregados têm medo de perdê-lo; os que já o perderam (e são milhões, neste Brasil, que se encontram com o registro do RH na carteira: DEMITIDO), e não encontram uma recolocação. Tornou-se o emprego um artigo de alto luxo para todas as classes sociais deste país. País abençoado por Deus, mas destruído desde 2003 pela política criminosa do PT.

Conversando com um motorista de táxi que, em geral, são os “olheiros” da sociedade porque tudo veem e tudo ouvem naquele minúsculo “consultório” que é o seu veículo, um deles ao me ver olhando angustiada para o relógio, confessou o que concluíra destes tempos bicudos que atravessamos. Fique tranquila, professora, porque o trânsito vai melhorar e muito. E logo, logo. Como assim? pensei eu. E ele completou seu raciocínio: A conta de luz subiu demais, a compra no supermercado está absurdamente cara, os remédios nas farmácias, pela hora da morte. A senhora acha que as pessoas vão gastar dinheiro tomando táxis? Portanto, os táxis vão rodar menos pelas ruas. E as ruas ficarão com menos fluxo de carros. Tem lógica, sim, pensei eu.

Mas o motorista não havia ainda concluído as suas ponderações e deu continuidade a elas: Os jornais mostram todos os dias e as TVs a toda hora as roubalheiras dos políticos de Brasília, em especial, as falcatruas na Petrobrás, no BNDES, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal e em todas as instituições onde eles, os petistas, põem as mãos. E lá fora todo mundo sabe o que é o Brasil hoje. E como se encontra a nossa Economia. Será que algum país sério vai querer investir em um país quebrado como o nosso? E não me fale da China e dos 50 bilhões de dólares, no acordo destes últimos dias com a Da. Dilma. Procure se informar sobre os acordos feitos e não cumpridos por esse país asiático. É mais uma bola fora e enganosa da discípula do Chefão.

Então, se o país vai mal, fogem os investidores estrangeiros, as indústrias nacionais param e demitem os funcionários porque não há trabalho. Estes não mais tiram os carros da garagem de manhã porque não têm mais compromissos de horário, de emprego, e com o alto preço da gasolina não vão ficar rodando por aí à toa. E, por não mais terem salário, não consomem, não pagam as contas e, assim, cresce a inadimplência. A consequência é o comércio parado e as ruas vazias. Viu agora por que o trânsito vai melhorar? Fique tranquila, professora, o trânsito vai melhorar, sim. O que vai virar um inferno é a vida das pessoas.

Eu chegava ao meu destino surpresa com as lições que recebera, não de um economista nem de um analista político, mas de um simples taxista. Perguntei ainda, enquanto recebia o troco, qual era o nível de escolaridade dele, e sorrindo ele me disse: Fiz pós-graduação em Administração de Empresas, mas no ano passado perdi o emprego e não consegui outro. O jeito foi aderir ao aplicativo Uber. Eu me cadastrei e, agora, administro as neuras das pessoas ansiosas que querem chegar logo ao trabalho e não conseguem. Desci do táxi e ele ainda me alertou: Mas não se preocupe, não. Estamos em boas mãos. Esse pessoal é competente e daqui a pouco essa pressa da manhã vai acabar. E lá se foi o pensador das ruas.

Então, fiquei eu pensando: Mas o que foi mesmo que ele quis me dizer?

Os laços que nos unem


A amizade é um sentimento que se desenvolve não se sabe como e dura não se sabe quanto. Algumas amizades são efêmeras, passam como as nuvens e desaparecem sem deixar vestígios; outras se inserem em nossa vida devagar e com o mesmo ritmo se alongam e se tornam uma extensão de nossa história de vida porque, mesmo ausentes, essas figuras tão significativas continuam presentes em nossa memória e, quando menos se espera, retornam em retalhos de lembranças e as revemos com saudade e com carinho.

Dessas pessoas de que falo agora, há algumas muito especiais, sim (e elas sabem disso), está uma amiga portuguesa, Maria da Graça Martins dos Reis. Ela não mais mora em São Paulo. Não mais compartilhamos as atividades empresariais, como no passado. Não mais discutimos as ideias e os problemas rotineiros porque o trabalho nos distanciou. Eu permaneci nesta ruidosa e sedutora cidade e ela se foi para longe. Mas como diz acertada e poeticamente Richard Back, autor de Fernão Capelo Gaivota, “longe é um lugar que não existe”, a nossa amizade ultrapassou o muro do tempo e das distâncias e continuamos a nos querer bem. Ela acompanha meu trabalho, lê meus textos do blog e trocamos mensagens, de vez em quando, com uma ternura que não sofreu abalos.

Há pouco, ela me enviou um texto recém-publicado em um jornal português de uma cronista, Margarida Rebelo Pinto, que achei muito interessante e bem humorado. Fala das diferenças de falares entre nós, brasileiros e eles, os portugueses, fala das nossas gírias, mas com muito jeitinho, o nosso jeitinho, tão conhecido aqui e lá fora. É uma crônica saborosa. Vamos dar uma olhada?


Como é lindo o português transatlântico

(Margarida Rebelo Pinto)

A língua portuguesa com sabor tropical é mesmo outra coisa. E o uso criativo que fazem dela é quase sempre uma delícia. No Brasil, rei e senhor dos neologismos, há expressões tão maravilhosas quanto a própria "Cidade Maravilhosa" do Rio de Janeiro. Por exemplo: "esse cara é um dez para as seis". "Um cara dez para as seis" é um homem mulato claro, que não chega a ser nem branco nem preto. Outra expressão ótima é "ficar com alguém", por distinção a namorar, que em português de Portugal é uma grau acima de andar com alguém. Arrisco a dizer que corresponde ao clássico nacional "andar enrolado com...", o que é diferente de andar, ou de namorar, embora andar seja um meio caminho entre andar enrolado e namorar.

"Ficar com alguém" é ficar de vez em quando, sem peso nem compromisso. O mais engraçado é que essa pessoa, com quem se ficou, ou se foi ficando por um tempo indeterminado, passa a ser um ficante para sempre. Esse não foi meu namorado, foi só um ficante. E o ficante ficou para sempre preso num lugar qualquer do qual nunca saiu porque em bom rigor, não ia conseguir ir a lado nenhum, quando as relações são para o que são e não andam nem para a frente nem para trás. Isto para aqueles que não se importam, porque quando as pessoas se chateiam, tal como nós, também dizem eu não me fiquei.

Os brasileiros são exímios em transmutar verbos para substantivos. Se alguém está a bater furiosamente à porta, então está "arrumando uma bateção". Outras vezes, os verbos não reflexos são usados como tal: "os meus amigos me cancelaram", que é como quem diz, cortaram-me do circuito deles. E riem muito quando usamos expressões como "pintar a manta" ou "siga a marinha" porque não fazem ideia do que estamos a falar, mas são eles os inventores de uma das minhas preferidas de sempre: "a fila anda". "A fila anda" serve para imensas coisas na vida, nomeadamente para mudar de vida – e de parceiro – quando "não rola", outra expressão à qual é impossível ficar indiferente, porque no Rio de Janeiro "rola" basicamente tudo, basta sair à rua e observar os cariocas no calçadão, ou dar um mergulho na praia de Ipanema ou do Leblon onde os turistas curiosos e os indígenas sarados metem conversa uns com os outros em ambiente de grande informalidade. Uma pessoa sarada é alguém que tem o corpo malhado. O carioca tem o culto do corpo, tal como a vocação para ser feliz. Aliás, carioca que é carioca tem horror à tristeza e à melancolia. Prefere sempre ser festivo a ser neurótico, o que já de si é um bom princípio de vida. Mas, como fumar maconha é tão normal como beber uma água de coco, é normal que as pessoas fiquem um pouco lesadas. Ser um cara lesado não tem nada a ver com ter feito uma lesão no joelho depois de uma queda de bicicleta, a que os cariocas chamam bike. Tem a ver com ser distraído, esquecer-se de combinações previamente feitas a que o brasileiro chama compromissos. E quanto a verbo topar, não é utilizado no sentido luso e perceber algo que não estava claro, o clássico, já topei a jogada. Topar é concordar: "vamos no Jobi hoje à noite, você topa ir com a gente?" O Jobi é um dos botecos do Leblon onde todo o mundo se cruza. Entenda-se por todo o mundo, a galera de amigos e de conhecidos. Uma galera tanto pode ser um grupo de pessoas como uma grande confusão, a que eles gostam de chamar "um fuzuê".

E um cara chato é um puxa saco, que está rasgando a minha seda, ou puxando a minha sardinha, porque assim como acrescentam, também cortam, portanto caiu a brasa e ficou só o peixe. E quando estão desconfiados dizem: "to com um olho no peixe e outro no gato". Enfim, o português do Brasil é infinitamente "legal", expressão que quer dizer tudo de bom: divertido, cool e mais o que se quiser.

Uma crônica para não se colocar defeito


Não sou leitora das obras de Luis Fernando Verissimo, conhecidíssimo mestre do humor. E também, sem muita sutileza, um defensor da ideologia de esquerda. Gosto mesmo é das obras do pai, um ficcionista menos conhecido pelos jovens, hoje, mas capaz de me transportar para outros recantos e me surpreender, ou me seduzir, com histórias tecidas na busca de desvelar a condição humana, tendo como suporte o fio da literariedade. Érico Veríssimo, o pai, foi quem preencheu os vazios de minha adolescência, com seus textos e encantou uma geração, a minha, com a obra Olhai os lírios do campo.

Hoje, porém, ao abrir o Estadão, li o título da crônica de Verissimo: “Dois destinos”. E depois da primeira linha seria impossível não ir até o fim. Vi nesse texto os rastros do pai com um texto que se constitui, pensando em Barthes, uma escritura. Lindo, poético e humano! E nele a crítica social, já previsível, que evidencia sua ideologia. Achei que deveria compartilhá-la com os que me leem. Abaixo, a crônica:"Dois destinos".

“Você nasceu num vilarejo da África Equatorial. Não importa o seu nome, você é uma entre milhares. Além das outras desgraças, você nasceu mulher. Sobreviver ao parto já foi uma vitória sobre as estatísticas. Chegar viva à sua idade sem sofrer qualquer tipo de mutilação foi um milagre. Sua mãe morreu de uma epidemia, você mal a conheceu. Seu pai você nunca soube quem foi. E seu destino está fixado nas estrelas.

Deve haver uma palavra na sua língua para “destino”. Talvez seja a mesma palavra para “danação”. Sua biografia já foi decidida, antes de você nascer. Quem a decidiu você também nunca soube quem foi.

Seu destino está fixado nas estrelas – mas as estrelas se movem. Não estão fixadas no mesmo lugar todas as noites. E algumas fogem. Você vê os riscos que deixam no céu as estrelas que fogem. E você decide fugir também. Fugir do seu destino. Fugir da danação É pouco provável que exista o termo “livre-arbítrio” na sua língua. Você o descobre em você. Você inventa sua própria liberdade.

E você foge da sua biografia. Com outros do seu vilarejo, caminha para o Norte, para o Mediterrâneo. Não morre no caminho – outro milagre! Não morre sufocada no barco abarrotado de fugitivos que atravessa o Mediterrâneo. Não morre afogada antes de chegar ao seu outro destino, o destino que você escolheu. E começar outra biografia.

Ou:

Você nasce numa cidade chamada Londres. Seu nome não só importa como é sujeito de uma especulação nacional, até ser escolhido. Sua mãe é linda, seu pai é rico e tem emprego garantido, sua foto provoca êxtases, você já é uma celebridade internacional. Ah, e um detalhe: você é a quarta na linha da sucessão ao trono da Inglaterra. Dependendo da disposição das estrelas, pode acabar rainha. Nada lhe faltará.
Mas, mesmo que queira, jamais poderá fugir da biografia que prepararam para você. Danação”

Luis Fernando Verissimo ( Jornal OESP 07/05/2015)

Uma leitura sensível e precisa


A vida acadêmica sempre nos reserva surpresas e talvez seja essa também uma das razões porque nós, professores, nos sentimos instigados a dar continuidade a essa atividade de buscar levar mais algum saber àqueles que, com maior ou menor interesse, nos ouvem em sala de aula. São jovens, são ousados, e às vezes até contestadores mas também, e em sua maioria, gentis e dedicados e ainda portadores alguns deles de um repertório invejável.

E é exatamente por essa constatação que optei por mostrar aqui um texto que, melhor do que as minhas ponderações, revelará o potencial e a sensibilidade de um aluno do Curso de Cinema, Andrés Enrique Alarcón, diante da leitura de uma obra de J.M. Coetzee Desonra, que nada tem de fácil e, por isso, nem sempre é compreendida por seus leitores. Leitura essa que exige um olhar sensível e perspicaz , um olhar semiótico, certamente acostumado às descobertas cognitivas de textos literários de qualidade superior.

Andrés me surpreendeu positivamente e aqui está seu trabalho. Um texto para se ler e reler.

“J. M. Coetzee, em sua obra Desonra, nos apresenta como personagem principal o professor de Comunicação David Lurie. Um homem já mais velho, David era divorciado de sua primeira esposa e lecionava em uma universidade na Cidade do Cabo, na África do Sul. Logo no início da história, o protagonista sofre uma desilusão, no caso, amorosa. Soraya, uma prostituta com quem ele frequentemente se relacionava, rompe com a relação deles por ser, paralelamente, uma mulher casada e com filhos.

Em busca de confortar a sensação de perda deixada por Soraya, David encontra em uma moça chamada Melanie, um possível refúgio de seus problemas. O único problema era que Melanie não era apenas uma moça qualquer, ela era sua aluna, muitos anos mais jovem do que ele. Mais uma vez o personagem principal tem de lidar com a perda. O curto relacionamento com Melanie é interrompido. A moral, a pressão social, não permitem que os dois avancem juntos. Além disso, David não cumpriu com seu papel de professor e ultrapassou a barreira existente entre educador e aluno e, por isso, foi afastado de seu cargo no Curso de Comunicação.

Desacreditado de relações amorosas e farto de tentar fazer entender seus princípios diante de um júri que julgara sua permanência ou não no antigo emprego, Lurie parte em uma pequena viagem para a fazenda onde vive sua filha Lucy, em uma pequena casinha situada no interior da África do Sul. Dessa vez, o protagonista é confrontado por todas as suas questões mais profundas e pessoais possíveis: a necessidade de desapegar-se da rotina frenética de uma cidade grande e o contato com o campo, os animais e as pessoas simples que ali vivem.

Em diversos momentos, o autor coloca David Lurie em um embate com questões morais e éticas que comprovam que nós, seres humanos, estamos a todo momento tentando provar sermos capazes de manter nossa integridade a fim de nos desviar dos julgamentos sociais que a todo momento tentam nos moldar. A questão proposta pelo autor é: até a que ponto devemos trilhar nosso caminho, realizar nossas escolhas, seguindo nossos princípios, vontades e virtudes e até a que ponto devemos nos vigiar e escrever nossa história de acordo com regras e normas sociais que nos são impostas?

Na busca por respostas, David tenta de todas as formas solucionar suas questões sem ferir a sua honra, nem a dos que o cercam. Por muitas vezes, toma as dores dos outros, e envolve-se com problemas que não lhe dizem respeito. Termina sozinho, depositando todos os seus princípios morais em um rascunho para uma ópera envolvendo Byron e Teresa. Obra que nunca sai do papel. Desonra!”

Andrés Enrique Alarcón

Equívocos


(Para Thales)

Um ano termina e outro começa,
para alguns.
Para outros,
o verão sequer chega ao fim.
É interrompido no prelúdio da embriaguez
do sonho,
da vida,
do amor.
Opção pela finitude?
Não.
Equívocos. Equívocos. Equívocos.
A noite se equivocou.

As viagens e a vida


O avião vai decolar. Os comissários de bordo checam os guarda-volumes. Estão todos travados? Sim. Os passageiros atendem aos chamados de ajustar os cintos. Está tudo em ordem? Sim. Iniciam-se as demonstrações de como proceder em caso de imprevistos: máscaras de oxigênio, coletes salva-vidas... E na mente dos passageiros agora surge a dúvida: E como estarão piloto e copiloto? Tranquilos? E a saúde mental e física? Esse é um elemento novo na preocupação dos viajantes.

Depois do acidente nos Alpes franceses, esse quesito ganhou a devida importância. “Mens sana in corpore sano” voltou a ocupar o mesmo grau de importância da experiência no ar da tripulação, dos quilômetros percorridos abaixo e acima das nuvens. E os passageiros por um tempo, ainda que curto, terão em mente que 149 ocupantes de uma aeronave foram conduzidos à morte por um copiloto que depressivamente a desejava, mas de forma espetacular para ser vista e comentada repetidamente pela mídia e pelo público, como soi acontecer nos dias atuais.

Esta é uma questão para ser debatida e explicada por especialistas da área da psicanálise, e este não é o espaço pelo qual circulo. Limito-me a tudo observar pela ótica de uma leiga que sou nestes assuntos, mas que tenta entender, pela lógica talvez, as loucuras humanas que sempre existiram e que tanto espanto causam àqueles que as presenciam como agora.

São 149 vidas atiradas do alto e destroçadas no solo quando o que certamente desejavam era dar continuidade aos seus projetos de vida, aos seus sonhos, muitos deles acalentados por um longo período e que agora, interceptados pela alucinação desenfreada de um profissional das alturas, ali silenciaram para sempre.

Não pude deixar de pensar sobre isso voando para São Francisco, na Califórnia, onde passei uma agradável semana dividindo o tempo entre o pôr do sol do Pier 39, a belíssima vista que nos oferece a Golden Gate e a visita aos vinhedos de Napa Valley, no entorno, fazendo esse trajeto pela via férrea, o que representa um salto retroativo no tempo com um carro-restaurante que resgata o luxo dos viajantes do passado, tanto na decoração quanto nos pratos servidos e na sutil gentileza dos garçons que completam a harmonia entre os elementos que compõem o cenário. Foi uma Páscoa diferente sob o sol intenso que ilumina toda a Califórnia e o vento friíssimo que vem do Pacífico, cujo contraste ameniza os excessos e possibilita o prazeroso ir e vir dos passantes.

O tempo, contudo, passou rápido demais e chegou a hora de voltar para casa. A caminho do aeroporto eu me sentia em paz comigo e com o mundo. Em minha memória, o registro vivo das imagens vistas e vividas provocavam a sensação de que a vida é bela, sim, e que essa não é apenas uma frase de efeito, não é apenas um título de filme. É muito mais. E pensei ainda: se a tripulação de meu voo estiver tão feliz quanto eu, poderei ainda mais vezes voar em segurança entre as nuvens na busca de novas paisagens que me façam sentir a vida em toda a sua variância e plenitude e dividir, por meio dos relatos, esses bons momentos com os demais. A vida é bela, sim, e deve ser tratada com cuidado e com carinho.


Divisão

Surge o primeiro divisor
Outro
E mais outro.

E o muro se ergue
Lentamente
E nos encontra
Em perfeito silêncio.

Hum! Aquelas balinhas de mel!



Elaine, a sobrinha, ligava às quintas-feiras à noite. Oi, tia. Tudo bem? E a conversa ia longe. Morava em uma outra cidade. Naquela noite, ela parecia sorrir de novo. Que bom! Foram meses de insônia e angústia pela doença do pai. Filha única, e já órfã de mãe, afastara-se do trabalho para cuidar dele com o carinho que ele merecia e com ele ficou até o desfecho. Viajou, então, por um mês e, em seguida, retornou ao trabalho. Fora alocada em outro departamento e ligara para contar as novidades.

Você não imagina, tia, o que eu descobri. E começou a relatar um fato que a princípio parecia estranho. Elaine era também sua única sobrinha e, talvez por isso, laços fortes as uniam.

Você se lembra, tia, do Eduardo que estudou com você no colégio? Quem? O Eduardo, um loirinho de olhos verdes que na época era muito magro. Ele me mostrou umas fotos. E em uma das fotos do grupo de formandos você também estava. Vocês estavam juntos na foto, tia! Ele era bem mais alto. Aliás, você não cresceu muito, não, depois disso. E riu.

Não, não me lembro. Acho que nunca vi essa foto. Isso faz tanto tempo, menina!

Pois é, tia, você nem se lembra mais dele, mas o Eduardo... Foi a primeira coisa que me perguntou assim que me viu no departamento. Você é sobrinha da Helen, não é? Vi seu nome quando foi transferida e agora vejo que a semelhança é enorme. Os mesmos olhos, o mesmo sorriso... só é mais alta. E me contou muitas histórias. Tia, como não se lembra se eram tão amigos, vocês se viam todos os dias no colégio, ele levava balinhas de mel pra dar pra você... Balinhas?! O Eduardo??! Meu Deus! Faz tanto tempo isso. Mas o tempo pareceu se afastar e as imagens começaram a ganhar visibilidade.

O Eduardo, aquele garoto tão fofinho! As balinhas de mel! Como me esquecera dele? Um menino tão educado, tão atencioso e meigo. Nas aulas em que os professores dividiam a sala em dois grupos para debates ficávamos sempre juntos, porque estudávamos muito e juntos éramos imbatíveis. Dos professores, só recebíamos elogios.

Mas, então, Elaine, você está no departamento dele? E o que ele faz? Ele, hoje, é engenheiro sênior, tia. É responsável pelos projetos de Saneamento e me deu muito apoio nesta primeira semana. Conheceu meu pai e diz que eu sou elétrica como ele. E também comentou: é a marca da família. Quis, então, saber de você... E você falou das minhas atividades? Eu, tia? Não foi preciso. Da sua vida profissional ele sabe. Ele acompanha. As perguntas foram sobre você:você, pessoa. Se vive bem, se está feliz, se continua minuciosa. Essas coisas... Mas ele é muito discreto. Hoje, eu disse que iria te ligar à noite e ele disse: pergunte a ela se ainda se lembra do garoto que não ia ao colégio sem antes comprar balinhas de mel pra ela. Achei graça e prometi perguntar.

É muito divertido tudo isso. Sabe, tia, eu estou amando trabalhar com este novo grupo.

Naquela noite, Helen não conseguiu adormecer. O relógio de pedestal na sala, presente do irmão que já se fora, ia marcando sem pressa o tempo. Uma, duas, três horas. Exceto as batidas do relógio, tudo o mais era silêncio. E um silêncio que incomodava. Levantou-se. Com ela, as lembranças caminhavam pela casa. Eduardo?! Aquele garoto... Ele agora ocupava todas as cenas da memória. Eram pré-adolescentes. Havia afinidade entre eles, apenas isso. Será que era apenas afinidade? Talvez, sim, talvez, não. Coisas da adolescência.

Sentiu uma saudade leve daquela iniciação que só agora se mostrava perceptível. Mas por que ele sabia de seu percurso profissional? Por que acompanhara tão de perto, apesar da distância nesse longo tempo, essa sua trajetória no campo da arte? É verdade que fora premiada, sim, em alguns momentos, mas não chegara a brilhar no cenário artístico como sonham os jovens em início de carreira. Acostumara-se a uma ou outra exposição individual, em que seu nome surgia nas colunas sociais, mas nada como uma Lygia Clark, uma Anita Malfatti. Nos leilões de arte sempre conseguia um certo destaque. Nada, porém, muito relevante.

Sua vida não fora monótona. Viajava sempre que surgiam oportunidades. Visitava museus, conhecia artistas e chegou até a expor em Portugal, por intermédio de uma amiga bem relacionada e esposa de um embaixador. E foi exatamente em Lisboa que tudo mudou, que seu casamento de vinte anos se desfez. De repente, perceberam ambos que a paixão se extinguira. Que fora substituída por um sentimento morno, ameno. Que o muro entre eles fora-se erguendo lentamente e tornara-se insuportável a relação, intransponível a barreira. Ela voltou só; ele ficou com a esposa do embaixador, sua amiga.

Naquela ampla e confortável casa, ela há muito circulava sozinha. Sem filhos, sem um novo relacionamento afetivo, dedicava-se quase que exclusivamente à pintura. Percebeu, então, que não havia mais doçura em seus dias. Lembrou-se das balinhas de mel. Quem hoje tentaria conquistar alguém com balinhas de mel? Quem, como Eduardo,tão gentil e em tempos idos, se lembraria de apontar seus lápis antes do início das aulas? E ele nada pedia em troca. Apenas sentavam-se lado a lado em carteiras próximas e isso era o bastante.

Sentou-se diante da tela virgem, tracejou lentamente um rosto de menino, uns olhos que depois ganharam a cor verde. Foi esculpindo na tela a imagem de um garoto tímido, de sorriso contido e mãos de artesão e, num ímpeto incontrolável, apoiou em seu ombro o rosto miúdo de uma menininha de olhar inquieto que desembrulhava uma bala envolta em papel amarelo. Nele, liam-se somente as letras ME.

Um ano nada promissor


O desejo de ter pela frente dias melhores é muito natural nos seres humanos. Não fosse isso, não haveria sentido em nos empenhar no trabalho, no estudo, nas relações pessoais e afetivas. Sonhamos sempre com um outro amanhã: mais ameno, mais feliz, menos problemático. Por isso, quando um ano se inicia uma chama de esperança, por menor que seja, parece nos acenar como que dizendo: “Agora, tudo será diferente. Tudo será melhor”. E essa sensação nos anima a recomeçar.

Neste ano, porém, não sinto no ar essa vibração positiva. As pessoas estão desmotivadas, preocupadas mesmo, e muitas me confessam o seu medo quanto ao destino do país. Não é para menos, basta ligar a TV, abrir os jornais, acompanhar o noticiário, ouvir ou ler as entrevistas de economistas, filósofos, ou ir ao supermercado para que as nossas apreensões se confirmem, encontrem eco.

O país vai mal, muito mal. Falta água, falta luz, falta emprego. Falta pagar salários em atraso aos médicos que realmente trabalham e, quase sempre, sem estrutura adequada. Falta pagar condignamente aos professores da rede pública e, então, exigir deles mais dedicação ao ensino. Falta ajustar a tabela do Imposto de Renda porque grande parte do que se ganha é abocanhada pelo insaciável leão de Brasília, a ilha do pesadelo. Falta... Falta... Falta... Porque faltam seriedade e ética na política brasileira. Porque sobram ignorância de uns e covardia de outros, na população, para reagir diante de tanta negligência, tanto descaso e incontáveis falcatruas praticadas pelos que nos governam.

Até quando o povo suportará calado a todas essas anomalias palacianas? Lembro-me que por muito menos se depôs um presidente em 1992: Fernando Collor. E o pivô da crise? Um carrinho Fiat Elba. Que escândalo!, dizia-se à época. O povo então saiu às ruas, exigindo o “impeachment” do presidente desonesto, estimulado por um partido que acabara de nascer, o PT, tendo à frente o farsante Lula que propunha o fim dos governos corruptos e o início de uma nova era sob a égide da bandeira do PT. Partido que propunha uma limpeza ética e moral na política brasileira.

E chegou essa nova era. Infelizmente é a que vivenciamos hoje, iniciada há doze anos e que nos mostrou a que vieram os “puros” e revolucionários petistas. Armados de slogans criados por marqueteiros, como “Brasil um país de todos”, foram se apoderando da mente dos mais simplórios e esvaziando os cofres do país, enriquecendo a si e a seus familiares (e amigos que os apoiavam), às custas dos que trabalham e agem dentro das leis, pagando com muito esforço os impostos escorchantes que eles nos cobram.

Alguns dizem que chegamos ao fundo do poço. Em questões éticas, sim, acredito que atingimos o nível que jamais suspeitávamos, por tudo que já se viu e ouviu, mas quanto às consequências dos atos corruptos praticados por esse grupo de desclassificados e larápios, muito ainda falta ser revelado, pois ainda nem chegamos aos valores reais desviados das estatais, e que começou com milhares de reais, passou a milhões, já se fala em bilhões, e amanhã quais serão as cifras verdadeiras? Ninguém pode precisar o montante do rombo, e se em moeda nacional ou em dólares, tamanha é a confusão.

Enquanto isso, grupelhos fazem passeata na Avenida Paulista, em São Paulo, protestando contra o aumento “absurdo” de 50 centavos nas passagens dos transportes públicos. Serão eles tão alienados assim dos reais problemas do país, ou estão a serviço de alguns que, com isso, buscam desviar o foco das atenções da bilionária operação "Lava-jato" para uns reles trocados no bilhete do usuário de ônibus, trem e metrô?

Impossibilidades



Buscar acariciá-lo
Não devo

Buscar protegê-lo
Não posso

Buscar esquecê-lo
Não quero

Intelecção



O silêncio é um enigma
É uma ausência de sons,
Para alguns.
Para outros,
Um roçar a epiderme dos sentidos
Um falar apenas para delicados ouvidos.

Um jornal e tanto

Desde a chegada de 2015 que os noticiários parecem ter enlouquecido e só nos trazem notícias ruins. O ataque ao jornal Charlie Hebdo, na França, e as vítimas desse ataque; a execução do brasileiro preso na Indonésia por tráfico de drogas; os reféns japoneses nas mãos dos terroristas, prestes a serem decapitados se o governo não lhes enviar uma exorbitante quantia em dólares (para a compra de mais armas, certamente e, assim, fortalecer mais ainda o terrorismo); o assassinato/“suicídio” do promotor federal argentino Alberto Nisman que iria apresentar no dia seguinte as provas do envolvimento da Presidente Cristina Kirchner com o ataque iraniano aos judeus em seu país, sendo, então, beneficiada com um lucrativo acordo comercial com o Irã; o atual Ministro da Fazenda trazendo uma solução “criativa” para o rombo na contas públicas praticado pelo governo que há doze anos ocupa o Planalto, ou seja: aumento de impostos, todos em benefício do povo, é claro. E outros e outros mais.

Mas os jornais só trazem esse tipo de notícia mesmo, poderiam dizer alguns. Não, não é verdade! Há jornais e jornais. Há jornais que procuram, com muita seriedade, mostrar à população o que ocorre em seu país e fora dele (ainda que as notícias nos choquem), a partir de fontes confiáveis, como o jornal O Estado de S. Paulo que completa 140 anos, agora, e é reconhecido pela sua lisura, nunca se colocando a serviço de nenhum poder. E outros que, a serviço de governos espúrios, e sendo premiados por isso, só noticiam o que interessa a esses governos, portanto os beneficiam, escondendo da população os fatos negativos de suas ações, só expondo a de seus oponentes, continuamente desvirtuando os fatos, como ainda acontece em Cuba e na Venezuela, para citar os países amigos daqueles que nos governam hoje, ou seja, os petistas.

Nesses veículos “chapa branca”, o que se encontra são apenas desinformações. As “notícias” não retratam os fatos reais, mas tão-somente os fatos que a sua ideologia permite e idealiza. As decisões tomadas pelos governantes desses países são sempre as melhores, todas edulcoradas, segundo os noticiários locais, sempre acertadas, mas não se entende, então, por que a população dessas regiões vive tão mal! Isso revela que a população, como a mídia, se torna refém do Estado e sem o sabor da notícia verdadeira, ainda que chocante, ela caminha sem saber para onde vai, sem opção e sem futuro.

O jornal O Estado de S. Paulo, que entrou em circulação na data de 04 de janeiro de 1875, com o nome A Província de São Paulo, foi fundado, segundo o próprio jornal, “por republicanos liderados por Campos Sales e Américo Brasiliense, combatia a monarquia e a escravidão e tinha como lema ‘fazer da sua independência o apanágio de sua força’”. Assim, o jornal nasceu sob a égide da liberdade, da independência, lutando já contra as forças vigentes, atitude que manteve mesmo nos momentos mais difíceis por que passou o país, e ainda passa, se lembrarmos que atualmente ele continua censurado pelo governo federal e que fechará o mês de janeiro com 1.950 dias de censura por noticiar ações ilegais praticadas pelo filho do ex-Presidente Sarney, este tão criticado por Lula anteriormente, e tão elogiado pelo mesmo depois. Ser camaleão parece ser, sim, característica maior de alguns políticos brasileiros.

E ainda resgatando a fala da edição comemorativa de 18 de janeiro último, edição que à época foi impressa à luz de velas, temos o seu pefil: “Republicano na monarquia, abolicionista na escravidão, rebelde nas ditaduras, invadido, censurado, ele tem sido, em grandes momentos, testemunha e protagonista. Nessa missão, jamais se afastou de suas causas originais – a independência editorial e a defesa da democracia, da livre iniciativa e da liberdade de expressão.”

São essas as razões que nos levam a admirar esse veículo midiático pela sua trajetória vitoriosa, apesar dos percalços sofridos, pela coragem de manter, em seu quadro, jornalistas também éticos e corajosos que, como ele, não se intimidam diante das ameaças dos poderosos quando expõem as mazelas por aqueles praticadas, com o mesmo objetivo: informar adequadamente os leitores para torná-los cidadãos conscientes, ampliar e aprofundar a sua visão de mundo. Esse é o papel do jornal, do bom jornal.

Por isso, vejo na leitura diária do Estadão uma forma de aprendizado contínuo sobre a história, a política, sobre nós e sobre o mundo, transmitindo esses saberes por seu editorial e seus articulistas que não apenas se limitam a nos dar as notícias, mas em explicá-las para que o mundo se torne uma paisagem, boa ou má, não importa, mas que possa ser visualizada com nitidez pela janela aberta de nossa casa.


Expressões Memoráveis



Que em 2015 eu me lembre de alguns fragmentos lidos/relidos/ouvidos em 2014, como:

“Algumas coisas levam tempo.
Outras, o tempo leva,”
(Sem autoria ‘ - encontrado no Face de Priscilla Hashimoto)


“Sobrou um vazio.
Mas, apesar das crateras,
a Lua continua linda.”
( Jairo Fernandes)


“Andávamos sem nos procurar, mas sabíamos sempre que andávamos para nos encontrar.”
(Julio Cortázar)


“De eterno e belo há apenas o sonho”
(Fernando Pessoa)


“Nossa verdade mora além de nosso conhecimento. Ela mora em nossos sonhos”
(Rubem Alves)


“Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova... ”
(Mario Quintana)