E aquele romance?


Foi na última Páscoa, na região dos vinhos de Napa Valley, próximo a São Francisco. Olhava as fotos e me senti num tempo reverso. No carro-restaurante, à nossa frente, um casal de coreanos. Ele pastor, não sei de qual religião, com quase sessenta anos. Ela arquiteta ou designer. Não me recordo com certeza agora, e muito mais jovem. Uma graça de garota.

Casal simpático. Para ele, conforme nos confessou, era o segundo casamento. O que revela que para o amor, quando correspondido, não existe a barreira da idade, da profissão ou da religião. Tomaram vinho conosco e, como nós, sem demonstrar nenhuma proibição, nenhuma culpa, nos pareceu. E discretamente trocavam olhares apaixonados. E eu, apenas olhando para os pratos, as taças, os talheres e a decoração da mesa e do entorno, pensava se seriam recém-casados, se aquela era a primeira viagem em que juntos iniciavam uma nova vida, se... se... Mas que importância teria isso? pensei. O importante é que o toque suave das mãos, a voz delicada e o olhar terno de ambos diziam muito mais do que qualquer justificativa que nos dessem. Não deixavam dúvidas: estavam apaixonados.

Como pessoas educadas, nos limitamos apenas às informações pessoais de praxe, sem qualquer invasão de privacidade, e comentamos aquela paisagem verdejante dos vinhedos e, em especial, aquele espaço de um luxo nostálgico e aconchegante que ali nos envolvia como se pertencêssemos a um tempo anterior ao nosso, a uma classe de privilegiados do passado que confortavelmente desfrutavam das delícias gastronômicas e de bebidas, as mais requintadas, enquanto o trem deslizava pelos trilhos. Veio, então, a sobremesa: Creme “Brüllé”. Aquela irresistível doçura flambada com gostinho de quero mais. E que também não mais se apaga da memória.

Não, não vou me esquecer desse passeio, das imagens internas e externas do carro-restaurante do pequeno trem, que serpenteava pelas curvas entre as videiras e as diferentes construções campestres, e das sensações que esse cenário provocava em nós. Mas impossível mesmo é apagar da mente a figura do casal coreano que, como personagens de um romance que prende a nossa atenção, não queremos para eles um outro desfecho a não ser que aquelas relações tão delicadas jamais se rompam, jamais conheçam sequer o esgarçamento do tênue tecido que os une hoje.

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