Até a SBPC?

Muito me surpreendeu um texto do editorial do jornal O Estado de S. Paulo de sábado último (28/07/18) a respeito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. Por ele, tive ciência de que  a reunião anual dessa entidade teve como pauta de discussão a prisão de Lula, o ex-Presidente do País e atual presidiário na cidade de Curitiba, e a necessidade de sua soltura, culminando com os gritos de "Lula Livre" no encerramento. "O que é isto, companheiros?", eu pensei. Até a SBPC está totalmente dominada pelo fanatismo ideológico? E a Ciência - a sua importância de existir - ficou para um plano inferior? Sim. Ficou. E em um país como o Brasil que tanto necessita do empenho dessa Sociedade para impulsionar as pesquisas e o futuro dos nossos jovens no campo da Ciência.

Refletindo sobre a inversão de valores que vivenciamos hoje, redigi o texto a seguir que foi publicado no "Fórum dos Leitores" do Estadão de hoje 30/07/18. O meu café da manhã foi bem mais saboroso após a leitura do jornal.

Ciência sem rumo

Diante do editorial Lulopetismo na SBPC (28/7,A3), lembrei-me de um tempo distante, década de 1980, quando eu cursava o mestrado numa universidade renomada em São Paulo. Uma tarde, quando cheguei um pouco atrasada para a aula, porque vinha de Campinas, onde trabalhava, encontrei na sala professora e alunos em total silêncio, a lousa coberta de alguns nomes e os colegas preenchendo uns formulários. Perguntei o que ocorria e me informaram que haveria eleições na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por isso a professora, que era alinhada à esquerda, anotara na lousa o nome dos seus candidatos para que neles votássemos, garantindo que eram os melhores. Surpreendi-me e disse que, como não os conhecia, não votaria, Meus amigos, apreensivos, aconselharam-me a votar para evitar problemas depois com a professora. Não discuti com eles. Li o formulário, dobrei-o e o entreguei em branco, junto com os demais. Na aula seguinte, tive de enfrentar a ira da professora, que, com o envelope em mãos, exigia que eu votasse nos seus candidatos, ao que eu me neguei novamente. Tivemos uma relação complicada depois disso, mas não me importei, afinal, num curso de mestrado, eu não poderia agir como se iletrada fosse. O tempo passou e agora, diante do texto publicado  no Estadão, recordei-me da violência daquele gesto, que certamente deve ter sido sempre repetido, transformando a SBPC num grupo de militantes que usam o espaço e o tempo de um encontro anual no País para discutir questões ideológico-policiais em prol do gatuno de Garanhuns, como se um braço fosse do Foro de São Paulo, e não uma organização científica pública para a busca do desenvolvimento da ciência.

Neiva Pitta Kadota
npkadota@terra.com.br
São Paulo


 

A melhor escolha



Saindo de um hospital onde estivera fazendo alguns exames médicos, encontrei um amigo que ali estava chegando com os mesmos fins. Foi um bom momento porque nos revimos depois de algum tempo distanciados e nenhum de nós parecia estar com problemas graves. Que bom! eu pensei.

Conversamos pouco. Não havia tempo. Mas a ambos não passou despercebido que levávamos conosco um livro nas mãos e não o celular, como todo mundo hoje. É do Mia Couto? ele me perguntou. É, sim, “O último voo do flamingo”. É divertido, mas muito poético também. Estou quase no fim e amando. E o seu? Estou lendo o Coetzee “A vida dos animais” e completou: é meio complicado. É verdade, eu disse. Li já faz algum tempo, mas ainda me lembro. São palestras, são intelectuais apresentando várias visões divergentes sobre a inteligência dos bichos. Lembro também que gostei muito da última fala. Acho que você irá gostar também. Ele sorriu meio que aliviado e nos despedimos porque ambos tínhamos horários e compromissos depois.

No táxi, de volta para casa, me surpreendi observando as pessoas nas calçadas ou atravessando as ruas, todas jovens, ou parecendo jovens, e todas com celulares no ouvido. Nenhum livro nas mãos. Que pena! Quando parávamos nos semáforos, podíamos até ouvir as vozes e fragmentos de frases. Hoje, tudo parece que se tornou público. Que horror! eu pensei baixinho, bem baixinho. Mas o taxista parece que me ouviu, se voltou e sorriu. Ambos, porém, mantivemos em silêncio o que se agitava em nossa mente. E a viagem assim seguiu.

Voltei a pensar no livro de Mia Couto. Uma história de violência contra um povo sofrido da África. O povo de Tizangara, em Moçambique. Uma história de lendas, fantasia e feitiçaria. Explosões violentas de corpos de soldados em missão de paz. Explosões de corpos ardentes em busca de quietude. Cenas hilárias se entrecruzam com trágicos relatos e amenizam o acompanhar das histórias. Os desafios de um italiano em terra estranha e seu tradutor. Os mistérios dos antepassados se mesclando aos viventes. E a história do tradutor e o velho Sulplício, seu pai, um colecionador de passados que um dia confessou “Ando a aprender a língua dos pássaros”. O que comprova que o sonho latente das alturas não se extingue nem com a mais dura opressão.

“O último voo do flamingo” é sedutor no surreal que permeia as narrativas de uma terra distante e na poesia que envolve esses relatos. Não é útil como um celular, mas enche de beleza o nosso mundo interior. Para mim, e para alguns amigos meus, isso às vezes basta.

A Copa e a Corte.

Por problemas técnicos e dificuldades minhas em conseguir superá-los, interrompi minhas postagens aqui, mas agora, após a "mágica" ajuda externa, poderei dar continuidade a esse processo de expor ideias diversas sobre o que vejo e o que sinto. Mas ciente estou de que Drummond dizia a verdade em um de  seus poemas ao afirmar " Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos  mal rompe a manhã."E que bom que isso ocorra. Se assim não fosse, desistiríamos ao primeiro sinal de reprovação do nosso olhar diante do mundo, seja de pessoas queridas ou não, de subordinados ou superiores, ou seja, de quem quer que seja, enquanto estivermos sob um regime não autocrático.

Por isso, às vezes escrevo um comentário para o "Fórum dos leitores" do jornal O Estado de S. Paulo, o meu preferido, e quase sempre ele é publicado. Na última quinta-feira, 28/06/18, irritada como a maior parte dos brasileiros que acompanham decisões do Supremo Tribunal Federal, enviei um pequeno texto ao Estadão e na manhã seguinte, dia 29,  ele lá estava no "Fórum". Transcrevo-o abaixo:

"O perigo da toga

Diante das inescrupulosas medidas tomadas por alguns ministros do STF (figurões midiáticos muito conhecidos da população) quanto à soltura de bandidos condenados  ou a pronunciamentos indevidos no intuito de difamar colegas e consequentemente o Brasil, aqui e lá fora, desrespeitando as leis e a Constituição, parece que a única atitude que nos resta agora é sair de novo às ruas exigindo punição à  altura da posição que ocupam esses "ministros" na mais alta Corte de Justiça do País."


O texto é bem sucinto, mas não deixa de ser um alerta aos "distraídos", pois salientei acima que poderemos nos manifestar livremente "enquanto estivermos sob um regime não autocrático". E sabemos que todos os passos do Supremo, por alguns de seus togados, como Dias Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, têm sido de decisões monocráticas, ou seja, de militantes ideológicos na busca de regimes totalitários.

O nosso país merecia não só bons representantes na Copa, e os tem, mas também políticos e magistrados com mais competência e dignidade.