Natal em três tempos


O que se vê e o que se ouve nas ruas, nos lares, no trabalho e nas lojas, revela que todos estamos no ritmo do Natal. Tudo é colorido desde a decoração dos ambientes até aos pacotes que carregamos para presentear a quem queremos mostrar nossa afeição. Nem sempre conseguimos expressar o que sentimos por meio de palavras. Dependendo da nossa relação com o outro, e o grau de timidez de cada um de nós, não conseguimos achar a palavra ou a frase certa para dizer do nosso carinho por esse alguém. Parece-nos, então, que o presente sem nenhum constrangimento, fala por nós: “Eu te quero muito!” E apostamos nele.

Hoje, recebi presentes antecipados de pessoas queridas. Antes de abri-los, realizo um jogo, ou melhor, um ritual. Gosto de olhar para eles por um tempo, às vezes por um longo tempo, tentando adivinhar o que contém esse pacote, o que escolheram para mim, e isso aumenta o prazer de descobrir o que estava oculto pela embalagem e que agora me pertence, é meu, seja lá o que for. E isso me deixa feliz. Ao final, abro surpresa os pacotes e guardo os invólucros, as caixinhas... Já ouvi diversas pessoas afirmarem que esse comportamento não é normal. Mas e daí? Cada um tem direito à sua loucura particular e eu tenho as minhas.

O Natal sempre me leva à minha infância, à casa de meus pais. Recordo com carinho a mesa farta, o vinho do Porto, os docinhos e outras iguarias portuguesas. Mas os presentes não, não havia a abundância de hoje; estes eram escassos. Os tempos eram outros e não havia a variedade que vemos hoje. Os meninos ganhavam trem ou carrinhos; as meninas ganhavam bonecas, exceto eu que as odiava. Achava-as muito arrumadinhas, muito antipáticas. Sempre dei preferência aos bonecos, como bombeiros, jornaleiros e outros. Pareciam eles mais naturais, mais gente como nós, ou então sonhava com ganhar bichinhos de pano. Mas não era muito habitual presentear as crianças com eles, como na atualidade, pelo menos na pequena cidade onde morávamos. Por quê? Não tenho a menor ideia.

O que percebo como diferença maior é o valor que dávamos ao presente recebido. No passado, era como um pequeno e valioso tesouro. Era para brincar, sim, mas com grande cuidado e depois guardá-lo, protegê-lo, porque levaríamos muito tempo para ganhar outro. Enquanto que as crianças hoje parecem não se apegar muito ao que recebem, talvez, penso eu, porque com o quarto abarrotado de brinquedos, o novo presente representa apenas mais um, entre tantos outros que habitam aquele espaço infantil.

E a festa do Natal, nos tempos que correm, ocupa a nossa mente e o nosso tempo na corrida aos shoppings para as últimas compras numa busca delirante que atenda àquilo que o outro, segundo a nossa visão, gostaria de receber como presente e atenda também às nossas posses. Por isso, talvez, tenha surgido o “amigo secreto”, essa invenção contemporânea que busca equilibrar a nossa conta bancária, nessa época de excessivos gastos, com a tradição cristã de seguir o exemplo dos reis Magos presenteando com carinho, no Natal, um amigo entre aqueles que muito representam para nós.

E isso me traz á lembrança um Natal, já distante, quando meu filho ainda pequeno, influenciado pelo marketing televisivo, pediu ao Papai Noel uma locomotiva que apitava. Ela havia se tornado o seu sonho e o dos amigos. E eles discutiam sobre a quem o bom velhinho iria atender. É claro que queríamos que Papai Noel passasse pela nossa casa e ali deixasse o presente tão desejado, mas surgira um problema sério: a locomotiva se encontrava esgotada nas lojas e não sabíamos, onde encontrar tal brinquedo porque não existia essa ferramenta mágica que é a internet hoje. No último momento, contudo, encontramos a locomotiva e não sei hoje quem ficou mais feliz com a visita do Papai Noel, se o meu garoto ou nós, porque foi realmente um presente que caiu do céu naquela noite que teve um final tão feliz.




É fácil


É fácil culpar o outro.
É fácil dizer sempre sim.
É fácil fechar os olhos
e dizer eu nada vi.
Difícil é olhar-se ao espelho
e não ver uma ameba ali.