As viagens e a vida


O avião vai decolar. Os comissários de bordo checam os guarda-volumes. Estão todos travados? Sim. Os passageiros atendem aos chamados de ajustar os cintos. Está tudo em ordem? Sim. Iniciam-se as demonstrações de como proceder em caso de imprevistos: máscaras de oxigênio, coletes salva-vidas... E na mente dos passageiros agora surge a dúvida: E como estarão piloto e copiloto? Tranquilos? E a saúde mental e física? Esse é um elemento novo na preocupação dos viajantes.

Depois do acidente nos Alpes franceses, esse quesito ganhou a devida importância. “Mens sana in corpore sano” voltou a ocupar o mesmo grau de importância da experiência no ar da tripulação, dos quilômetros percorridos abaixo e acima das nuvens. E os passageiros por um tempo, ainda que curto, terão em mente que 149 ocupantes de uma aeronave foram conduzidos à morte por um copiloto que depressivamente a desejava, mas de forma espetacular para ser vista e comentada repetidamente pela mídia e pelo público, como soi acontecer nos dias atuais.

Esta é uma questão para ser debatida e explicada por especialistas da área da psicanálise, e este não é o espaço pelo qual circulo. Limito-me a tudo observar pela ótica de uma leiga que sou nestes assuntos, mas que tenta entender, pela lógica talvez, as loucuras humanas que sempre existiram e que tanto espanto causam àqueles que as presenciam como agora.

São 149 vidas atiradas do alto e destroçadas no solo quando o que certamente desejavam era dar continuidade aos seus projetos de vida, aos seus sonhos, muitos deles acalentados por um longo período e que agora, interceptados pela alucinação desenfreada de um profissional das alturas, ali silenciaram para sempre.

Não pude deixar de pensar sobre isso voando para São Francisco, na Califórnia, onde passei uma agradável semana dividindo o tempo entre o pôr do sol do Pier 39, a belíssima vista que nos oferece a Golden Gate e a visita aos vinhedos de Napa Valley, no entorno, fazendo esse trajeto pela via férrea, o que representa um salto retroativo no tempo com um carro-restaurante que resgata o luxo dos viajantes do passado, tanto na decoração quanto nos pratos servidos e na sutil gentileza dos garçons que completam a harmonia entre os elementos que compõem o cenário. Foi uma Páscoa diferente sob o sol intenso que ilumina toda a Califórnia e o vento friíssimo que vem do Pacífico, cujo contraste ameniza os excessos e possibilita o prazeroso ir e vir dos passantes.

O tempo, contudo, passou rápido demais e chegou a hora de voltar para casa. A caminho do aeroporto eu me sentia em paz comigo e com o mundo. Em minha memória, o registro vivo das imagens vistas e vividas provocavam a sensação de que a vida é bela, sim, e que essa não é apenas uma frase de efeito, não é apenas um título de filme. É muito mais. E pensei ainda: se a tripulação de meu voo estiver tão feliz quanto eu, poderei ainda mais vezes voar em segurança entre as nuvens na busca de novas paisagens que me façam sentir a vida em toda a sua variância e plenitude e dividir, por meio dos relatos, esses bons momentos com os demais. A vida é bela, sim, e deve ser tratada com cuidado e com carinho.


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