Os laços que nos unem


A amizade é um sentimento que se desenvolve não se sabe como e dura não se sabe quanto. Algumas amizades são efêmeras, passam como as nuvens e desaparecem sem deixar vestígios; outras se inserem em nossa vida devagar e com o mesmo ritmo se alongam e se tornam uma extensão de nossa história de vida porque, mesmo ausentes, essas figuras tão significativas continuam presentes em nossa memória e, quando menos se espera, retornam em retalhos de lembranças e as revemos com saudade e com carinho.

Dessas pessoas de que falo agora, há algumas muito especiais, sim (e elas sabem disso), está uma amiga portuguesa, Maria da Graça Martins dos Reis. Ela não mais mora em São Paulo. Não mais compartilhamos as atividades empresariais, como no passado. Não mais discutimos as ideias e os problemas rotineiros porque o trabalho nos distanciou. Eu permaneci nesta ruidosa e sedutora cidade e ela se foi para longe. Mas como diz acertada e poeticamente Richard Back, autor de Fernão Capelo Gaivota, “longe é um lugar que não existe”, a nossa amizade ultrapassou o muro do tempo e das distâncias e continuamos a nos querer bem. Ela acompanha meu trabalho, lê meus textos do blog e trocamos mensagens, de vez em quando, com uma ternura que não sofreu abalos.

Há pouco, ela me enviou um texto recém-publicado em um jornal português de uma cronista, Margarida Rebelo Pinto, que achei muito interessante e bem humorado. Fala das diferenças de falares entre nós, brasileiros e eles, os portugueses, fala das nossas gírias, mas com muito jeitinho, o nosso jeitinho, tão conhecido aqui e lá fora. É uma crônica saborosa. Vamos dar uma olhada?


Como é lindo o português transatlântico

(Margarida Rebelo Pinto)

A língua portuguesa com sabor tropical é mesmo outra coisa. E o uso criativo que fazem dela é quase sempre uma delícia. No Brasil, rei e senhor dos neologismos, há expressões tão maravilhosas quanto a própria "Cidade Maravilhosa" do Rio de Janeiro. Por exemplo: "esse cara é um dez para as seis". "Um cara dez para as seis" é um homem mulato claro, que não chega a ser nem branco nem preto. Outra expressão ótima é "ficar com alguém", por distinção a namorar, que em português de Portugal é uma grau acima de andar com alguém. Arrisco a dizer que corresponde ao clássico nacional "andar enrolado com...", o que é diferente de andar, ou de namorar, embora andar seja um meio caminho entre andar enrolado e namorar.

"Ficar com alguém" é ficar de vez em quando, sem peso nem compromisso. O mais engraçado é que essa pessoa, com quem se ficou, ou se foi ficando por um tempo indeterminado, passa a ser um ficante para sempre. Esse não foi meu namorado, foi só um ficante. E o ficante ficou para sempre preso num lugar qualquer do qual nunca saiu porque em bom rigor, não ia conseguir ir a lado nenhum, quando as relações são para o que são e não andam nem para a frente nem para trás. Isto para aqueles que não se importam, porque quando as pessoas se chateiam, tal como nós, também dizem eu não me fiquei.

Os brasileiros são exímios em transmutar verbos para substantivos. Se alguém está a bater furiosamente à porta, então está "arrumando uma bateção". Outras vezes, os verbos não reflexos são usados como tal: "os meus amigos me cancelaram", que é como quem diz, cortaram-me do circuito deles. E riem muito quando usamos expressões como "pintar a manta" ou "siga a marinha" porque não fazem ideia do que estamos a falar, mas são eles os inventores de uma das minhas preferidas de sempre: "a fila anda". "A fila anda" serve para imensas coisas na vida, nomeadamente para mudar de vida – e de parceiro – quando "não rola", outra expressão à qual é impossível ficar indiferente, porque no Rio de Janeiro "rola" basicamente tudo, basta sair à rua e observar os cariocas no calçadão, ou dar um mergulho na praia de Ipanema ou do Leblon onde os turistas curiosos e os indígenas sarados metem conversa uns com os outros em ambiente de grande informalidade. Uma pessoa sarada é alguém que tem o corpo malhado. O carioca tem o culto do corpo, tal como a vocação para ser feliz. Aliás, carioca que é carioca tem horror à tristeza e à melancolia. Prefere sempre ser festivo a ser neurótico, o que já de si é um bom princípio de vida. Mas, como fumar maconha é tão normal como beber uma água de coco, é normal que as pessoas fiquem um pouco lesadas. Ser um cara lesado não tem nada a ver com ter feito uma lesão no joelho depois de uma queda de bicicleta, a que os cariocas chamam bike. Tem a ver com ser distraído, esquecer-se de combinações previamente feitas a que o brasileiro chama compromissos. E quanto a verbo topar, não é utilizado no sentido luso e perceber algo que não estava claro, o clássico, já topei a jogada. Topar é concordar: "vamos no Jobi hoje à noite, você topa ir com a gente?" O Jobi é um dos botecos do Leblon onde todo o mundo se cruza. Entenda-se por todo o mundo, a galera de amigos e de conhecidos. Uma galera tanto pode ser um grupo de pessoas como uma grande confusão, a que eles gostam de chamar "um fuzuê".

E um cara chato é um puxa saco, que está rasgando a minha seda, ou puxando a minha sardinha, porque assim como acrescentam, também cortam, portanto caiu a brasa e ficou só o peixe. E quando estão desconfiados dizem: "to com um olho no peixe e outro no gato". Enfim, o português do Brasil é infinitamente "legal", expressão que quer dizer tudo de bom: divertido, cool e mais o que se quiser.

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