O trevo de quatro folhas


O paisagismo, idealizado ou não, é o que dá vida aos ambientes, o que envolve as construções dos homens e humaniza os espaços, tornando as agruras do dia a dia mais amenas. É tão bom olhar pelas janelas e sentir o cheirinho bom das plantas, perceber as cores que muitas vezes se mesclam num panorama nem sempre harmônico, nem sempre com uma rigidez geométrica, mas com uma graça peculiar.
Assim também as pessoas. Nem todas precisam ser iguais, nem todas têm de ter as mesmas medidas, ou a mesma cor dos cabelos ou dos olhos. Cada uma tem a sua singularidade, o seu diferencial, o seu charme. A beleza nunca teve, e nem pode ter, regras fixas. Ela sempre se mostrou mutante no tempo e no espaço. A diferença, hoje, é que a mídia busca impor padrões de comportamento e aparência, o que confunde a cabecinha em especial dos mais jovens e dos mais inseguros.
O que fazer, então, se não há compatibilidade entre o eu (o que eu sou e o que eu gosto) e o modelo predeterminado? Esquecê-lo é o melhor a fazer. Esquecê-lo sim, assumir a sua personalidade e seguir o seu caminho, ainda que ele seja apenas uma vereda. E nessa vereda buscar se destacar com a sua marca pessoal, que no final é o que importa mesmo. É preciso lembrar que em um verdejante jardim o que ressalta mesmo é uma florzinha rosa entre o emaranhado de folhas. Os trevos são todos similares, mas um que apresente quatro folhas atrai e retém o nosso olhar por mais tempo. Por que seguir as multidões se elas fundem as faces e, assim, anulam as identidades?
Ser diferente não significa ser melhor ou pior, mas se queremos proteger a nossa individualidade e nos revelar como somos, ou agir conforme nossos valores ou a nossa criatividade, temos de andar na contramão, nos desligar do entorno e nos voltar para a nossa interioridade. É ali que encontraremos o roteiro a seguir e as ferramentas sensíveis para desenvolver os projetos de vida, de postura e de representação da realidade.   
Se assim não fosse, não teríamos os grandes gênios da ciência, da filosofia e das artes, de todas as artes, porque estes jamais seguiram os passos de seus antecessores. Não obedeceram a dogmas, foram diferentes e puderam dessa forma fazer grandes descobertas, indicar novos caminhos e outras possibilidades de reflexão ou de devaneio.
Quem não conhece Picasso e a geometrização de sua obra, em especial das formas femininas? Ou a irreverência do nosso Flávio de Carvalho que andou pelas principais ruas de São Paulo, em 1956, com um traje masculino de saias para provocar a multidão e levá-la a refletir sobre a rigidez e a mesmice da moda masculina, se colocada em paralelo com a feminina. E um pouco mais próximo de nós, no espaço da política, quando um candidato, devido ao tempo exíguo para se apresentar na TV, apenas “mostrou a sua cara” seguida de um grito: “Meu nome é Enéias!” e ganhou as eleições. São tantos os exemplos...
Mas o que poderia ficar registrado em nossa mente é que seguir a onda quase sempre não é a melhor opção porque é a anulação do eu como ser pensante e criativo. A ousadia, entretanto, é um ato de escolha e de coragem, e para poucos, mas às vezes é melhor ser um trevo diferente no jardim a se confundir com a vegetação local.  



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