O Natal de Mirela

Era de estrutura delicada. Sensível e curiosa, mas com uma curiosidade voltada para dentro. Perguntava pouco. Observava muito. Tateando o mundo atentamente com suas verdes pupilas de apenas cinco aninhos, Mirela olhava deslumbrada o prata e o dourado das lâmpadas brilhantes que pulsavam nas ruas e nas fachadas das casas e dos edifícios. Lindo! Lindo! As cores verde e vermelha se somavam às tonalidades metálicas para caracterizar figurativamente a chegada do Natal. As árvores cheinhas de presentes e, é claro, o Papai Noel.
Com um sorriso só anunciado, quase imperceptível, parecia balbuciar segredos para a brisa da noite que ia chegando..., chegando..., sem pressa, em meio ao início de nosso verão. O carro, porém, deslizava macio e veloz, e as imagens se mostravam apressadas e trêmulas pelo retângulo vítreo da janela. Outros veículos iam ficando para trás, mas ainda deixavam no ar os sons de “NooiiitiFelizz...NooiiitiFelizz...”. Sabia que a avó os esperava e que naquela sala tão ampla e bonita os presentes junto da árvore seriam abertos depois da ceia, numa alegria ruidosa. Trouxe o presente da vovó, mamãe?  A mãe não a ouviu. Consultava mais uma vez o espelho e o marido, preocupada com o penteado que naquela tarde não fora feito pelo cabeleireiro predileto. Logo hoje! Não está estranho, amor? Não, meu bem, você está linda! Muito linda! A maquiagem também está estranha. Estou nervosa. Trouxe o presente da vovó, mamãe? Mas sua voz se mesclou à fala do pai na tentativa de afastar a angústia da esposa quanto ao visual. Calou-se a menina e olhou para o céu estrelado dos prédios, mas em silêncio murmurou Mamãe é tão linda! E, simultaneamente, visualizou a imagem da Tia Celeste, mãe de Vivi, uma amiguinha da escola. E, assim, do nada, deu um longo suspiro.
O carro estacionou na garagem da vovó Helena, junto de outros da família. Vieram todos para abraçá-los, enquanto a empregada que viera com eles retirava os pacotes. E o presente da vovó, mamãe?  A mãe se tornou pálida, começou a gaguejar, mas o marido a socorreu, de imediato. Eu o coloquei no carro, sim, querida. Veja! E mostrou a embalagem delicada de uma loja da Oscar Freire. Abraçados, e agora felizes na sala bem decorada com guirlandas, bolas de cores vibrantes e outros enfeites natalinos, começaram a acomodar os novos pacotes de tamanhos, formas e estampas diferenciadas. O tio, o fotógrafo amador da família, quis registrar o momento. Escolheu cenários, reuniu grupos, sugeriu poses. No momento de fotografar Mirela, colocou-a em um sofá ao lado da mãe e pediu a ela que arrumasse o vestidinho rosa e todo bordado da garota. Mas a mãe, ainda muito perturbada pelo penteado e a maquiagem, perguntou se aquele ângulo de seu rosto seria mesmo o melhor? Retomou a questão do penteado. O tio fotógrafo mudou a câmera de posição. Ela quis se ver uma vez mais ao espelho e retocar a maquiagem antes da foto que eternizaria aquele instante, aquela imagem. A avó, então, se aproximou de Mirela e, afagando carinhosamente seu pequeno rosto, sussurrou-lhe: Por que essa carinha triste, meu anjo? Hoje é Natal. Papai Noel já trouxe o seu presente. E que presente! E você está tão linda nesse vestidinho rosa! Tão linda como sua mãe. Os mesmos olhos!  Veja sua mãe. Ela já está voltando e sorrindo. Veja como está bonita! Você não acha? Acho, sim, vovó. Mas, então, por que essa tristeza? O que aconteceu? A garota olhou para o chão e quase em segredo confessou. Sabe, vovó, eu queria que o Papai Noel me desse, hoje, um outro presente. Qual? perguntou a avó com ternura. A mamãe com outra cara. Como, meu bem?  Queria, sim, a mamãe com mais cara de mãe. Igualzinha a mãe da Vivi.
Na foto, a mãe ficara lindíssima, mas o vestido de Mirela...Que pena! Estava com a barra dobrada.

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