A palavra pentimento para mim era nova até que há alguns
anos um amigo me presenteou com a obra de Lillian Hellman, cujo título é Pentimento. E já falei sobre ela em um
texto mais antigo.
Aprendi o seu significado já na leitura da primeira página do
livro onde se lê: “À medida que o tempo passa, a tinta velha em uma tela muitas
vezes se torna transparente. Quando isso acontece, é possível ver, em alguns
quadros, as linhas originais: através de um vestido de mulher surge uma árvore,
uma criança dá lugar a um cachorro e um grande barco não está mais em mar
aberto. A isso se chama pentimento, porque o pintor se arrependeu, mudou de
ideia.” Ou seja, pentimento é aquilo que
ficou de um passado mais ou menos remoto e que emerge, quando menos se espera,
trazendo à luz o que tempo e memória ocultaram.
E quem de nós não tem guardadas, nos labirintos da mente,
aquelas cenas que só muito raramente ressurgem e nos surpreendem? Há também
momentos mais propícios a essas redescobertas, como por exemplo o Natal, e a
transição de um ano para outro. Parece que estas datas, e também nelas as
ausências, nos tornam mais susceptíveis a lembranças de tempos, pessoas e
lugares.
Assim, revivi nestes dias de festas cenas quase esquecidas.
Como quando um de meus filhos, na época da alfabetização, se negou a ir à
escola por não se sentir seguro para ler com desenvoltura, e em voz alta, na
sala de aula a” Lição do macaco”porque gaguejava na pronúncia de uma palavra e,
com isso, certamente tiraria a nota 95 e não 100, como estava acostumado. E não
houve conselho, promessa ou ameaça de castigo que o demovesse da ideia de
faltar nesse dia. E faltou. Levei o irmão mais velho e quando voltei lá estava
ele, no mesmo lugar que o deixara, com o livro nas mãos e um sorriso de
vitória. “Agora, mamãe, eu já sei a lição, e vou tirar 100”. E com a maior
perfeição e rapidez leu toda a lição para mim.
Filhos! Fazer o quê? E quando ainda pequenos eles são um
misto de tormento e alegria, pois tememos muito pelos dias que terão pela
frente, enquanto vibramos intensamente a cada etapa vencida ou barreira
ultrapassada. Mas a vida segue seu curso sem que nele jamais possamos
interferir. Eles crescem e se vão, o que é da natureza humana, mas ficam as
lembranças.
Olhando para trás, revejo e revivo cenas como essas que me
angustiaram, à época, e que hoje delas até acho graça; até sinto saudade. Por
isso, talvez, tenha me lembrado da obra de Lillian Hellman, certa de que ao
distraidamente roçar a pele do passado os pentimentos se revelaram naquele
cenário com uma outra camada de tinta, menos vívida, mais esmaecida, contudo, muito
mais delicada.
Texto muito bom tia. Admiro a sua clareza ao escrever. Espero que 2018 seja um ano de mais textos incríveis. Parabéns!!!!
ResponderExcluirGrata, meu garoto!Nada como a aprovação daqueles a quem se quer bem. E você é muito especial para mim.Bjs
ResponderExcluirAi, que saudade dessa mocinha, dos filhos e marido...ai, que saudade de dar um abraço ao vivo, beeeeem apertado, ai, que saudade. Um lindo e abençoado 2018 para você e sua família, Neiva do meu coração.
ResponderExcluirA saudade é recíproca. Entre no meu e-mail e vamos marcar uma data para nos reencontrarmos. Anote aí npkadota@terra.com.br. O que acha? Beijos, Marize, e um 2018 pleno de bons momentos.
ResponderExcluir"Pentimentos de final de ano" eu, escolheria "Pentimentos de início de ano" e agradeço a quem deu à luz tamanha grandeza de amiga. Termino/inicio o ano mais rica humanamente e culturalmente ao poder ler o discorrer do teclado da Neiva e fazer essa viagem do presente para o passado e futuro que se sucede no seio familiar. Beijos por esta data, grata por tudo o que nos darás em força e beleza da e pela vida. E, agora o momento é de (re)ver Júlia e chorar porque alunos, estão empobrecidos, perderam uma voz que dá alma à língua portuguesa. Que venha 2018 com mais momentos destes, quero e gosto de aprender...
ResponderExcluirApós o seu texto, Graça, um texto que só poderia nascer como fruto de uma grande amizade que já ultrapassou os 30 anos, só posso dizer que na vida tive muitos colegas, mas poucos amigos e foi entre estes que conheci você. Foi um presente e agradeço aos deuses, e ao CNEC, por ele. Quanto aos alunos, eles ouvirão também outras vozes que, certamente, completarão a minha. Obrigada e que 2018 seja ainda melhor.
ResponderExcluir