Gógol e a política

Terminei a leitura da obra Almas mortas, de Nicolai Vassilievitch Gógol. Foi uma leitura demorada não só pela extensão da narrativa, mas também pelo corpo diminuto de letra que entrou em conflito com minha diminuição ótica. Foi-me emprestada a obra por um colega e amigo, o Prof. Flávio Porto, que tem uma biblioteca invejável. Livros e filmes são a sua paixão e, com ele, aprendo muito. Nada melhor que ter amigos com elevado nível cultural, e Flávio é um deles..

Para quem não conhece a obra, publicada na Rússia em 1842, se surpreende com a afinidade ali revelada entre o funcionalismo público na época de Pedro, o Grande, e o nosso, que de grande mesmo só tem a extensão territorial e a corrupção. E qual seria a similaridade, entre eles? A corrupção, é claro. A corrupção na Rússia é famosa e muito antiga. Aliás, isso não é novidade em países onde o autoritarismo ou o populismo vicejam.

As imagens que o texto de Gógol nos mostra surgem com o personagem o Conselheiro Civil Tchítchicov - homem bonito, bem falante e ganancioso - que viaja por várias cidades, buscando encontrar nas aldeias fazendeiros que a ele estivessem dispostos a vender as "almas mortas", isto é, camponeses que embora mortos constavam do recenseamento, que era anual, e por eles eram obrigados a pagar um imposto todo mês, estabelecido abusivamente pelo governo. A proposta de Tchitchicov se mostrava, a princípio, estranha, mas depois, com a sua eloquência e poder persuasivo, parecia até interessante aos fazendeiros porque  possibilitava a eles burlar o imposto.  Assim, nas duas pontas da negociação, o que vigorava era a malandragem, com origem em um imposto surreal.

É impossível ler Gógol sem preencher todas as lacunas de nossa mente com figuras nacionais, em especial dos últimos tempos, na relação promíscua entre políticos e empreiteiras, mas não só, e que praticam todo tipo de ilegalidade na busca de uma vida de luxo e riqueza, de forma rápida, e sem escrúpulos quanto às consequências de seus atos, certos de que a moral e a ética de muitos juristas também tem preço.
         

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