O presidente do Chile, Sebastián Piñera, em visita ao
Supremo Tribunal Federal (STF), representado nesse encontro por Cármen Lúcia,
Edson Fachim e Dias Toffoli, demonstrou conhecer a posição dos ministros em
sessões da Corte, transmitidas por televisão não só no Brasil, mas também no
exterior. Por isso, certamente, fez a pergunta que está na mente de todos os
brasileiros que acompanham as frequentes decisões “estranhas” dos ministros
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio: “Quando falha
a Suprema Corte, a quem recorrer?” Surpreso com a resposta de que não há como
recorrer, observou: ”Então cabe a Deus?” – como se fosse a instância última em
nosso país para conter os abusos de alguns togados. Imediatamente me lembrei de
Clarice Lispector em sua crônica As
crianças Chatas, retratando a fome e a miséria reinantes no Brasil diante
de um povo que cochila “no ninho da resignação”, a qual assim finaliza: “Ah,
como devoro com fome e prazer a revolta”.
O texto acima foi publicado no “Fórum dos Leitores” do
Jornal O Estado de S. Paulo, na data
de hoje (30/04/18), sobre o encontro do Presidente Piñera, do Chile, com a
Presidente do STF, Cármen Lúcia, e dois outros ministros também do Supremo.
Nesse encontro de apenas 20 minutos o assunto focou a postura parcial, e por
isso claramente tendenciosa, da tríade de ministros (mais um) na defesa do
indefensável, e a ausência de reação por parte da Justiça e da resignada
população brasileira.
Abaixo, a crônica de Clarice Lispector, publicada em
19/08/1967, no Jornal do Brasil, e
que abre o livro de crônicas da autora: A
descoberta do mundo, pela Nova Fronteira, em1984.
“As crianças chatas”
Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é
real. O filho está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com fome,
mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela
insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete exasperada: durma.
Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio no
escuro, imóveis. Será que ele está dormindo? _ pensa ela toda acordada. E ele
está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois estão
despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação.
Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.