É domingo. Acordei com mil planos, mas ao abrir a janela me
deparei com um céu de cor cinza e, pela cor do asfalto, imaginei que chovera
por toda a noite. E eu não gosto de chuva. Não mesmo. Sei da sua necessidade e
da sua importância para o desenvolvimento das plantas para que suas raízes
sejam hidratadas e elas possam até renascer e garantir, assim, a nossa
sobrevivência por aqui. Sem oxigênio, sem alimentos e sem o multicolorido
estético do entorno, nós, como seres sensíveis, não resistiríamos.
Eu sei, eu sei, aprendi com a escola e com a vida. Mas não
gosto da umidade nos pés com que a chuva nos premia. Não gosto do frio. Não nasci no Polo Norte e o meu humor segue a
orientação solar. Se surge o sol, a alegria emerge de dentro de mim sem uma
razão plausível que a justifique. Se chove, uma tristeza que vem não sei bem por
que me invade de mansinho, e vai buscar quase sempre recordações que me
entristecem ainda mais.
Essa é razão porque o dia de hoje não é daqueles que aguardo
com ansiedade. Um dia frio e sem luz é, para mim, um dia sem vida que compenso
com um sofá aconchegante, uma manta quentinha e um livro interessante nas mãos.
Graças a ele, as horas passam, a noite chega e o domingo acaba. E nem lembro
mais que havia um mau tempo nesse domingo, pois em minha mente fica apenas a
lembrança da fala e do vaivém dos personagens com quem convivi por toda a
tarde.
Não foi, porém, sempre assim a minha rejeição pela chuva. E
lembrei-me hoje, e não sei bem por que, de uma noite lá atrás, num tempo quase
esquecido - em que o carro era um luxo de poucos -, quando após a sessão de
cinema nos deparamos, o Kendi e eu, meu namoradinho à época, com uma forte ventania
e uma chuva torrencial. Para nos proteger e aquecer, tínhamos um único recurso:
um guarda-chuva e os corpos juntinhos. Cena vista em tantos filmes, mas que eu nunca
vivenciara. Estávamos no centro de um círculo de grossos pingos e ríamos de
nossa prisão líquida. E aquilo me encantava. Tudo me encantava: a chuva, o
frio, a proximidade dos corpos a que eu não estava acostumada. Eu era apenas
uma adolescente. E estava feliz. Eu estava apaixonada, só isso, mas não sabia. Agora
sei. E naquele dia amei a chuva.
Descrever cenas como essa, hoje, dá a impressão de que
estamos falando de filmes da década de 50 e 60, ou de antes até, quando as
relações afetivas eram menos liberais e os jovens não podiam, sem culpa,
expressar suas sensações. Quanto a afirmar que aqueles eram tempos melhores ou
piores, depende da ótica de cada um, mas de uma coisa tenho certeza a chuva
daquela noite foi memorável e dela dá até para sentir saudade.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO comentário removido refere-se a Perdas de Agosto.
ResponderExcluir"Um dia nublado" está carregado de sentimentos atemporais e de uma expressão poética que as novas tecnologias não substituem. Belo conto e, agora,com saudosismo vou ver "Cantando na chuva". Bjs.
Delicado e com um fecho bem-humorado é o seu comentário, Graça. Você é sempre muito gentil. Obrigada e que seu final de semana seja de sol e mar.
ExcluirBjs