As perdas de agosto


Mais um agosto se vai. E com ele duas pessoas queridas. Deixaram elas marcas indeléveis por serem amigas e geniais. Paulo e Marcela. Perfis muito distintos os modelavam e nem sei se chegaram a se conhecer, embora tenham circulado pelo mesmo espaço acadêmico, ele como professor; ela como aluna.

Paulo: um professor, um pesquisador e cineasta, um “demolidor de catedrais”. Irrequieto e criativo, em meio às luzes adorava ser o foco. Tinha um superego, mas também uma boa dose de generosidade, o que fazia dele um bom amigo. Tinha o meu afeto e de muitos outros. Sua ausência será sempre sentida no círculo de amizades.

Marcela: uma ex-aluna minha, uma garota ainda, e muito doce, com uma sensibilidade que se poderia dizer à flor da pele, sem receio do clichê. Tão delicada era Marcela que se entristecida ou magoada com alguém ou com os revezes da vida, tinha uma única reação: fechava-se para o mundo no refúgio da mudez. Não mais falava, por dias, semanas até, como se houvesse esquecido o som ou o dom das palavras. Mas ao escrever, em especial nesses momentos, o seu texto, num misto de doçura e angústia, espelhava o seu espanto pelas perdas e a sua não aceitação da finitude dos seres. Em seu blog, as fotos recorrentes da irmã que perdera, jovem como ela agora, num trágico acidente de carro, são a prova do quanto se queriam bem. As imagens ali colocadas com frequência eram o retrato vivo de uma dor que parecia não cessar nunca. Agora estão juntas de novo. Que lá, no infinito, reencontrem a paz e os laços que por aqui, de repente, se partiram.


Assim, o mês de agosto chega ao seu último dia. Para mim, não deixará saudades. Saudades sentirei, sim, dos amigos que se foram. Estes ainda continuarão por longo tempo percorrendo os labirintos das lembranças como nas palavras de Guimarães Rosa “As pessoas não morrem, elas ficam encantadas”.

4 comentários:

  1. É reconfortante saber que no meu círculo de amizades tenho o privilégio de contar com a Neiva, que nos vê, ouve e cala fundo com seus sentimentos. Não passamos pela VIDA como mera estatística do IBGE. Bem haja.

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  2. Sim, Graça, os meus amigos, de verdade, aqueles a quem quero muito, perto ou longe estão sempre em minha memória e confesso aqui que não me foi fácil escrever este pequeno texto.
    Um beijo,com carinho.

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  3. Não sabemos lidar com as perdas de nada e de ninguém nesta vida de meu Deus...

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    1. Sim, Marize, em especial quando uma vida tão jovem é interceptada para sempre. Grata pelo comentário.

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