Um Natal de lembranças

Os e-mails eram muito similares. Feliz Natal e Próspero Ano Novo! E poucas variações. Pareciam spam, ritualizados, mecanizados. Logo me aborreci deles. Que mesmice, meu Deus! E eu que esperava algo diferente, pelo menos no Natal.

Saí dos e-mails e passei a ouvir música. Ouvi "Till" com Roger Williams. E todas as boas lembranças vieram. Vi meu irmão com os dedos no teclado, os olhos em mim e um sorriso meigo, enquanto o som invadia a sala. Ele tocava "Till" e não parecia estar se despedindo. Ou estava? A doença já conduzia seus passos, mas não dominava sua mente. O seu olhar ainda sabia mentir para afastar a tristeza. E sorria. Hoje, esse sorriso me confunde. O tempo nos confunde.

Mesmo assim visualizei o passado e tudo parecia ser como antes. Nas brincadeiras infantis, ou nas dificuldades escolares, ele sempre me protegia. "Eu dou cem pontos de vantagem", dizia ele, e começávamos o jogo, mas mesmo assim eu perdia, e ele me animava. "Daqui a pouco você vai ganhar de mim". Nunca consegui. Eu sempre fui péssima em jogos, e em muitas outras coisas, e ele ótimo. Nos deveres escolares, ele me "assoprava" quando as dúvidas surgiam. E assim sobrava mais tempo para as brincadeiras. Tempos maravilhosos aqueles. E irreversíveis. Que pena!

Continuei ouvindo "Till". As imagens foram se sucedendo ao som da melodia. Lembrei-me de outras ausências também queridas, muito queridas. E de perdas recentes. E elas foram se sobrepondo. Seria o Natal? E só com esforço desliguei o som. Havia chegado ao limite de minha resistência emotiva. E era Natal. Tempo de alegria, de abraços, de presenças e presentes. E não nos é permitido embaralhar as emoções.

Desliguei o computador, conferi se as coisas estavam nos lugares, olhei-me ao espelho e com um blush dei luminosidade ao meu rosto. Comecei, então, a arrumar a mesa para a ceia. A noite era especial e, por isso, fui escolhendo os pratos mais delicados, as taças, os guardanapos e, de repente..., a mim, a mesa pareceu pequena. Falta um lugar à mesa, eu disse, uma cadeira, reforcei. Meu marido olhou para mim, aproximou-se, e com o braço em meus ombros sussurrou: você nunca acerta ao arrumar a mesa; pra você sempre falta alguém. Veja, está tudo certinho.

Estava mesmo?


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