"Minha gata Amarela"



Uma novidade surgiu em meu blog no dia de hoje. Acabo de postar um texto de outrem. Explico-me. Como atividade acadêmica em uma aula sobre intertextualidade, e após a leitura de uma resenha de Carlos Heitor Cony sobre a obra Cão como nós, de Manuel Alegre, em que o poeta fala sobre a perda de sua cadelinha Kurica, pedi a meus alunos que redigissem um texto, uma crônica, relatando um fato envolvendo animais de estimação. Alguns atenderam ao meu pedido apenas como uma tarefa a ser cumprida, outros se empenharam mais e foram até criativos. Entre estes, o texto abaixo que li e com ele me deliciei. Gostaria, então, de dividir com meus amigos a trajetória de um felino de sorte: a elegante gatinha Amarela.


Minha Gata Amarela

Certo dia, apareceram próximo ao portão da casa dos meus pais, na época em que eu lá vivia, duas lindas gatinhas. Me lembro como se fosse hoje, no início dos anos dois mil. Era uma manhã de sol e lá estavam elas, mãe e filha em busca de abrigo, como se fossem duas ladys inglesas, saídas de um filme de mil e novecentos ou dos estúdios Disney.

Contudo, elas não pareciam desesperadas. Muito pelo contrário, pareciam duas senhoras de classe que nos davam o prazer de sua presença. Minha família que tinha o hábito de ter gatos em casa, logo se encantou com elas. Acredito inclusive que este tenha sido o motivo de algum provável vizinho ter indicado nossa casa, ou mesmo tê-las deixado ali.

As duas eram elegantes e tinham a cauda peluda e as patas grossas. A mais velha, provavelmente a mãe, já que não sabíamos sua origem, era branca com manchas amarelas e a mais jovem, marrom claro. Ambas se sentiram confortáveis muito rapidamente.
A mais velha que passamos a chamar Amarela, não andava. Desfilava. Era muito engraçado ver um animal tão pequeno e, de certa forma, frágil, com tamanha soberba. A mais jovem acabou não recebendo apelido e era bem adolescente. Ainda brincava com bolinhas de papel e gostava de correr pela casa. Como já tínhamos dois outros gatos em casa, o espaço ficou reduzido.

Uma semana depois meus pais optaram por doar a gata mais jovem e meu pai a levou a uma feira de artesanato no centro da cidade, onde essa prática era normal. Desde de cedo Amarela conseguiu seu espaço e, com sua postura, sobreviveu.
Minha mãe, experiente no assunto, já sabia que a presença de uma nova fêmea seria um problema. Tanto com os gatos machos da casa, quanto com os de fora, vindos dos mais longínquos telhados, trazidos pelo humus boniuris que uma gata no cio pode proporcionar. Os ruídos horripilantes e as brigas seriam inevitáveis.

Mas Amarela parecia não se preocupar muito com estas questões diplomáticas. Durante seu período de vida em nossa casa, escolheu diversos lugares para dormir, mas de manhã o ritual se repetia. Parava próxima à geladeira e, sem dar um único miado, aguardava como Merryl Streep em seu papel de Miranda, no filme “O Diabo Veste Prada”, com um ar questionador nos olhos, por que a comida ainda não estava no prato.

Preocupado com o assunto da fertilidade da gata, resolvi assumir o problema e mandei operá-la para que não tivesse mais gatinhos.
E assim viveu por muitos anos em nossa casa. Sempre que chegava do trabalho, ela se enroscava em minhas pernas, mas não gostava de colo. Ela mandava. Às vezes, quando descansava no sofá da sala, ela vinha e se deitava em meu peito, como os gatos fazem, atrapalhando minha visão da tv.

Amarela passou anos na casa dos meus pais. Escolheu o abrigo dos carros e, pelo portão, fez mais amizades do que eu. Aos domingos, me impressionava ver quantas pessoas passavam pela frente da casa para cumprimentá-la.
Já aqui em São Paulo, um dia recebi um telefonema de minha mãe. Amarela se foi. Morreu de velhice no abrigo, onde viveu sua vida, seus enfrentamentos com outros gatos e suas amizades com os seres humanos. Fiquei muito triste, mas como diz um amigo meu: “as pessoas morrem”. E eu complementaria: “E a vida continua...”



Eduardo Videla FAAP

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