Livros, presentes de Natal?

Janeiro é um período de muitos sonhos que nem sempre se concretizam, mas o importante  é sonhar, penso eu. E ilustres pensadores, nos quais sempre me apoio, também já afirmaram algo semelhante muito antes de mim. Por isso, acredito que sonhar é o que alimenta a vida, em especial em tempos difíceis.

Por gostar de ler, vivo mergulhada na essência dos personagens que habitam as páginas de ficção e com eles divido sonhos e também angústias, o que me leva a entender melhor o outro, o entorno e a mim mesma. E sempre que vou à Avenida Paulista entro na Livraria Cultura e me encanto com as novas publicações, os novos títulos e as novas capas. E observo isso também nos relançamentos de obras antigas. Estas, então, despertam em mim o desejo de readquiri-las com a nova roupagem que parecem ocultar sob elas um novo sabor e uma renovada alegria em sua releitura. Quanta criatividade desses artistas, meu Deus!

Neste último final de ano, como presente de Natal a amigos, não resisti ao charme de Kyoto, livro do famoso escritor japonês Yasunari Kawabata, com sua capa azul e design meio mitológico inserido em uma moldura de delicada e dourada teia. Em seu interior, os segredos de uma cidade que guarda com detalhes inusitados e um respeito incomum, entre nós ocidentais, uma tradição milenar. E sempre no estilo inconfundível de Kawabata. A capa, porém, além do autor, é claro, foi o que atraiu meu olhar e me obrigou a comprar essa delicada obra para presentear uma pessoa querida.

Um passeio entre livros é sempre sedutor e rever nas prateleiras autores que admiramos porque são criativos em suas ficções ou porque nos surpreendem com um texto bem cuidado, ou seja, com uma construção frasal tão singular que  motivam a nossa imaginação a buscar uma qualidade superior para nossos textos. Isso me faz lembrar vários autores que discutem essa qualidade textual, entre eles a escritora espanhola Rosa Montero em sua deliciosa obra A louca da Casa que li e reli inúmeras vezes e até a indiquei a amigos e alunos. A minha edição é de 2004.

No início do segundo capítulo, a autora ao mencionar o seu processo de criação revela a angústia do escritor quando, após a delicada construção mental de um trecho de seu trabalho, este é apagado em sua memória e toda a arquitetura verbal desaparece em segundos e ele se sente impotente para recuperá-la. Diz, então, Rosa Montero:

"As palavras são como peixes abissais que só nos mostram um brilho de escamas em meio às águas pretas. Se elas se soltarem do anzol, o mais provável é que você não consiga pescá-las de novo. São manhosas as palavras, e rebeldes, e fugidias. Não gostam de ser domesticadas. Domar uma palavra (transformá-la em clichê) é acabar com ela."

Os clichês matam as palavras! Sim, eles sugam a sua seiva, anulam o seu sabor. Rosa Montero dá em uma frase apenas  uma lição do que diferencia um bom escritor de um escritor medíocre. É preciso ler essa obra, é preciso conhecer essa autora.

E pode-se perguntar: quem continuamente lida com palavras no espaço literário, em especial, e não se atormentou com essas perdas mentais ao transcrevê-las para a cena física do teclado? Elas, as palavras, parecem esconder-se em nossas gavetinhas do cérebro e se negam  a retornar à memória presente, travando a nossa criação e nos forçando a uma nova busca que fuja do já dito e da mesmice, o que já se sabe empobrece o nosso escrito, levando-nos a roçar o estilo de Paulo Coelho.  E esse não nos atrai. Mas lembrar e esquecer são momentos recorrentes no ato de escrever. Por isso, o silêncio e a solidão são as melhores companhias para se evitar a fuga das palavras de nossa imaginação, a denominada "louca da casa" por Rosa Montero.

Contudo, para se  presentear com livros no Natal, ou em qualquer data, é preciso conhecer bem o gosto literário de quem os irá receber porque, diante de um equívoco, é difícil que a face do presenteado não denuncie a sua decepção e nos tempos atuais (ou sempre foi assim?) os livros mais vendidos quase nunca têm preocupação com a qualidade e a criatividade e se pautam, muitas vezes  até, por títulos vulgares ou agressivos para alavancar as vendas. Isso me surpreende, mas logo penso: se vende é porque há quem goste. Não é o meu caso, porém. E os meus amigos, felizmente, nunca me decepcionaram.

Um bom Natal a todos e boas leituras para 2020!








7 comentários:

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  3. Que linguagem apaixonante para falar sobre livros e leituras...obrigada, Neiva, por essa oportunidade. Beijos no coração.

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  4. Sou eu quem agradece por seu gentil comentário, Marize. Mas como falar de livros sem nos envolvermos com as palavras que transmitem o que pensamos sobre eles? Bjs

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  5. Neiva querida! Seu texto, com delicadeza e literariedade, ensina aos leitores como escolher as palavras na construção de uma obra inusitada e como selecionar uma obra literária, seja para ler, seja para presentear alguém. Sempre aprendo com você! Um beijo.

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  6. Obrigada, Anna, por sua mensagem, mas isso não é totalmente verdade. Apenas trocamos ideias e leituras. E a prova é que a leitura de "A louca da casa",de Rosa Montero, foi indicação sua. Lembra-se? Um beijo, com muita saudade.

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  7. Neiva, lembro-me com muita saudade de nossas conversas, elas me faziam crescer! Continuo aprendendo, quando você nos presenteia com um texto. Um beijo!

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