Havia uma expectativa entre as pessoas de bem, em nosso país, quanto ao julgamento do ex-Presidente Lula pelos juízes do TRF-4, de Porto Alegre, no dia de hoje (24/01) sobre o tríplex do Guarujá.
Afinal, o encantado tríplex, pela ótica desses juízes, seria ou não de Lula? Eles apresentariam mesmo provas contundentes para nos convencer, em especial aos petistas, de que o ex-Presidente vinha driblando a justiça com seu "exército" de mais de vinte advogados, daqui e de fora, a peso de ouro porque esse metal não lhe falta, de que Lula nada tinha a ver com essa história de tríplex? De que esse apartamento, que nasceu pequeno e depois se transformou em um dúplex e mais tarde em um luxuoso tríplex, foi uma fantasiosa ficção do juiz Sergio Moro para levá-lo à prisão, mesmo inocente, como ele afirmava aos quatro ventos? E, por fim, a dúvida cruel: Lula seria ou não condenado por eles?
O resultado está em todas as mídias. Não só foi condenado pelos competentíssimos juízes de Porto Alegre, como teve a pena aumentada de nove anos e seis meses para doze anos e um mês.
Os nossos cumprimentos a esse grupo de juristas que, assim agindo, ameniza um pouco a imagem negativa produzida pelo Supremo Tribunal Federal, tão oscilante em suas decisões nos últimos tempos.
E, ao contrário das sessões do STF, assistimos, hoje, a uma aula de Direito, de Civismo e de Língua Portuguesa, pois, diante de uma retórica impecável e de uma precisão linguística elegante, como há muito não se ouvia, os nossos ouvidos foram agraciados com uma fala que pouco a pouco foi demonstrando, aos leigos e aos iniciados, que eles julgavam fatos e não homens. E que estes, se envolvidos com os fatos, a partir de um indício aqui, outro ali e outro acolá, deveriam ser punidos porque esses indícios se constituíam em provas incontestáveis contra quem os praticou.
Assim, provaram eles o envolvimento e a culpa de Lula e confirmaram ainda a competência da teoria peirceana da Semiótica, uma ciência que segundo seu autor tem por objetivo a busca da verdade. E a verdade ali restou comprovada.
A despedida de Cony
Logo pela manhã, neste sábado de sol, uma notícia se
espalhou pela casa ao som da TV ligada. Carlos Heitor Cony se fora. Sua voz não
mais seria ouvida pela CBN. Apenas seus textos resistirão ao tempo e à sua
ausência física. Aos 91 anos de idade e de uma vida literária, jornalística e
política muito produtiva, ele deixa os leitores, os amigos e a família.
Cony foi um dos meus cronistas preferidos. Transformou
muitos dos fatos da vida cotidiana em prosa poética, como quando relatou, em
uma curta crônica, a sofrida perda de Mila, sua cachorrinha tão amada que o
acompanhara por 13 anos. Não tenho mais a crônica, mas me lembro da imagem
final quando ele a leva já sem vida nos braços como um bebê, o seu bebê, para
depositá-la sobre as ondas do mar, seu novo e definitivo lar. E as ondas não
apenas levaram Mila, mas também uma parte de si.
E o cronista Cony retoma anos depois essa cara lembrança da
relação afetiva entre o homem e o cão, entre Mila e ele, no Prefácio da obra Cão como nós do poeta português Manuel
Alegre que ali registra a perda de Kurika, “um épagneul bretão de manchas
castanhas” que acompanhava seu dono à praia, às caçadas e pescarias e que,
mesmo após sua morte parecia ali permanecer. E diz o poeta sobre Kurika:
“Sei que andas por aí, ouço os teus passos em certas noites,
quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho, às vezes
rosnas, posso jurar que já te ouvi a uivar, cá em casa dizem que é o vento, eu
sei que és tu, os cães também regressam, sei muito bem que andas por aí.”
E o Prefácio de Carlos Heitor Cony, para Cão como nós, assim se inicia:
“Ora, direis, um cão é um cão para sempre será um cão, nunca
será como nós. Mas podemos dividir a humanidade entre aqueles que amam os cães
e os entendem, e aqueles que não amam cães. Para entendê-los, é preciso
amá-los, como no caso de Olavo Bilac no soneto dedicado às estrelas “amai para
entendê-las”.
E depois de comentar a obra de Manuel Alegre, e os fortes
elos que uniam o poeta a seu cão, o cronista expõe o intenso carinho que
dedicou à Mila, e como ela preencheu os vazios de seu entorno e, assim, deu
sentido ao seu existir.
“Tal como Manuel Alegre, também fui seduzido pelo amor que
Mila me ofereceu durante 13 anos, fazendo-me um novo homem, encarando a vida de
forma menos amarga. Eu não a escolhi. Ela é que me escolheu como dono, dono da
chuva, do vento, do sol e da vida. Acima de tudo dono dela. No território da
emoção absoluta, ela entendia minhas palavras e meu silêncio, fazia-se entender
pelo olhar, pela expressão corporal, pelo suspiro que dava quando lhe fazia a
vontade de carinho e atenção.”
E assim finaliza seu Prefácio:
“Com a intensidade de um poeta que manipula instantes,
Manuel Alegre relembra Kurika em diversos flashes que formam o patrimônio afetivo
de quem é dono de um cão e, de certa forma, se torna servo do cão. Dispensando
palavras e gestos, os dois - cão e dono - se entendem principalmente naquilo
que não se sabe dizer".
Este é Cony. Aquele que se refugiava no ninho das palavras
para através delas, com amor ou furor, revelar tudo o que via e sentia do mundo.
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