Inspiração


Ocorrem, às vezes, discussões com amigos ou alunos sobre essa quase inexplicável habilidade de alguns escritores ou poetas em usar as palavras de forma tão surpreendente e sedutora que parecem surgir de um cérebro encantado, em momentos especiais, momentos esses que para muitos estão sob a égide da inspiração. Será mesmo? Sobre essa delicada questão, achei em meu computador um fragmento que há muito redigi referindo-me a ela, à inspiração e resolvi transcrevê-lo.

“Se por inspiração entendermos um elemento exterior que age, independente da nossa vontade, guiando o nosso traço de forma autômata e levando-nos naquele instante a produzir algo de extrema beleza e sensibilidade, com a qual sequer sonhávamos, certamente encontraremos, para aceitá-la, uma resistência natural e neuronal, pois a arte, nenhuma arte, surge do vazio. Há sempre um passado, uma anterioridade que a ela se conecta, uma vivência, um aprendizado, e é o que nos leva a uma postura diferenciada no olhar e sentir o mundo. Certos estão, me parece, os que afirmam ser a obra artística um produto que exige do autor 80% de suor e 20% de 'inspiração'.

Mas todo ser humano terá talvez sentido, em alguns momentos, uma certa inapetência diante da multiplicidade lexical à sua disposição. São tantas as palavras! Elas ali estão. E tão próximas, tão estranhas e fugazes, também, que às vezes, nos parecem inatingíveis. E nesse instante de agônica indefinição, nenhuma parece se ajustar ao que se tem a dizer, apesar da simplicidade do processo: basta juntá-las para o texto se produzir. Mas se o nosso desejo é, por exemplo, descrever esteticamente objetos, quaisquer objetos, com um outro olhar, os fonemas parecem não se articular com a leveza exigida e as frases transitam por veredas já vistas e revistas. São longas, gastas, exauridas: pisamos sobre as nossas próprias pegadas ou, o que é ainda pior, sobre as de outros. E o texto se apequena e não nos satisfaz se o que se quer é um texto que ofereça texturas tênues, quase que etéreas do objeto para que ele seja visualizado com seus diversos matizes, como uma pintura difusa ou uma foto que diz da sua poeticidade, da sua força ou de sua quase inapreensão do referente, e o outro capte essa imagem como fusão do real e do universo simbólico de ambos: de quem diz e de quem vê/ouve essa trama múltipla de sons e traços.”

O tempo passou, hoje reli o texto e constato que em mim não se alterou a percepção de que, apesar de algumas indecisões momentâneas, só produz bons trabalhos aquele que adquire conhecimento sobre a sua arte e gradualmente vai ampliando esse saber, preparando-se assim, como os grandes mestres, para atingir o ápice de seu estilo e com ele transformar o mundo ou, pelo menos, a sua representação.

E a inspiração? Ah! A inspiração continuará, sim, para muitos, como a responsável pela beleza do universo simbólico. E o que se pode fazer?

Nenhum comentário:

Postar um comentário