A volta para casa

Um dia, os filhos crescem e vão embora. É a lei natural nas relações familiares. É normal e saudável que isso ocorra, embora esse momento deixe para os pais um vazio difícil de ser suportado, em especial nos primeiros tempos. É o quarto vazio. É o prato que não mais vai para a mesa na hora das refeições. É o retorno no final da tarde que não mais ocorre. Sobram a tristeza e o silênco para os que ficam. O conforto, porém, é que um outro “ninho”, uma outra vida está em construção por eles e isso é o que importa. É o futuro e não mais o passado que deve ocupar a mente dos que se vão. E o papel dos pais é amparar/apoiar, de novo, com o mesmo entusiasmo esses primeiros passos nesse novo trajeto.
E lá vão eles, crescidos, donos de si, cheios de sonhos, e se algum medo os assusta, certamente eles jamais confessarão. Lembro-me, às vezes, da última semana antes de deixar a casa de minha mãe para me casar e morar em São Paulo, viver minha nova vida. Se uma nova etapa estava sendo realizada, outra estava prestes a se desmoronar. Nunca havia me distanciado de casa, de minha mãe, era a primeira e definitiva. O que na época muito me assustava. Hoje, me lembro da angústia que provara naqueles dias e me parece injustificada. Mas ela foi real e, embora nada dissesse, mamãe percebeu e também fingindo nada sentir me dizia de vez em quando: “Que bom que você vai ter a sua casa!” ou “ Você vai adorar viver em uma cidade tão grande!” ou ainda “Vocês virão sempre e nem dará tempo pra sentir saudade”. Hoje sei que ela apenas desempenhava um papel. Foi excelente atriz! Mas chorou muito depois.
O corte umbilical não foi fácil para nenhuma das duas. E não o é para ninguém. Contudo, é preciso ir em frente. As ausências doem, mas são preenchidas por alegrias outras e assim traçamos o nosso percurso, refazemos continuamente os nossos sonhos e, independente da época, as separações sejam elas quais forem trazem sempre a marca do sofrimento, porque a solidão machuca. É muito difícil viver sem o outro que amamos. Mas é preciso reaprender. É preciso recomeçar.
Apesar disso, fico imaginando a dor desmedida das mães, e dos pais também, que perderam seus filhos numa noite de confraternização universitária, em Santa Maria, para angariar fundos para a festa de formatura, se estou bem informada. Uma balada diabólica, uma festa macabra, marcada por excessos, por ganância, por irresponsabilidades. E num instante o fogo se fez e tudo destruiu. Não haverá mais volta às aulas. Não haverá mais formatura. Não haverá mais volta para casa.
E as mães? E os pais? O que dizer a eles para tentar amenizar seu sofrimento? Não há palavras com esse poder. Elas nada mais comunicam a não ser repetições banais. E eles nada ouvirão. Ficarão para sempre olhando para o quarto vazio, para a ausência do prato à mesa e para as fotos que, no album, no celular ou na mente, confirmam que eles existem, sempre existiram, e precisam, logo, logo, voltar para casa.

2 comentários:

  1. Oi professora!
    Estava passeando pelos seus textos incríveis, de uma sensibilidade sem igual.
    Adorei muitos textos, mas este em especial me chamou bastante atenção.
    Saudades da sua presença nos corredores da FAAP.
    Beijo grande ,
    Piera.

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  2. Olá, Piera! Que saudade de você e de seus coleguinhas! Eu adorava aquela sala! E que alegria constatar que você leu meus textos. E gostou. É muito gratificante. Espero que nos encontremos por aqui, pelo menos, já que não vou mais à Faap.
    Um beijo, com carinho.

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