Tempo, esse inimigo de sempre

“Quando setembro vier” é nome de um filme. Um filme para ser visto apenas como entretenimento e para quando se está cansado das mesmices que a televisão ou o cinema comercial apresentam com frequência: violência, tráfico, heróis embrutecidos e efeitos que não mais são especiais porque viraram rotina. Eu o revi nesta semana por puro acaso e o efeito foi relaxante.
É uma película já meio, ou muito antiga, dependendo da idade de cada um. É que meio imperceptível o tempo vai passando, de leve, sem quase ruído, e quando por ele damos conta, o espelho já nos revela, como em uma tela de projeção, uma “outra” pessoa nos olhando. E, perplexos, nos descobrimos já muito diferentes do que fomos.
Hoje, por exemplo, diante de um espelho me lembro de um conhecido e belo poema de Cecília Meireles que termina com este verso “_ Em que espelho ficou a minha face?”. Sim, onde se esconde, pergunto eu, aquela imagem que era o meu duplo e que agora foi substituída por uma figura estranha que mal reconheço porque o meu olhar se apoia certamente numa imagem do passado, aquela que foi congelada pelas fotos mais antigas e que me agradam, e não esta que desfigura minha face, transformando-a em uma cópia mal revelada do que fui, e que não pode ser a imagem do que sou. Mas ela é.
Isso nos faz lembrar e entender o drama existencial e estético de Oscar Wilde em sua mais famosa obra O retrato de Dorian Gray. Nesse romance, o autor registra o medo ancestral dos homens de terem de enfrentar as mudanças corpóreas e estéticas que a imagem do espelho nos revela. E hoje , mais do que nunca, se faz qualquer pacto com o diabo, como o personagem de Wilde para permanecer eternamente jovem, enquanto seu retrato envelhecia na moldura; ou com o cirurgião plástico para se poder fugir dessa sina.
Também nesse filme os atores ainda eram jovens e belíssimos. Um par irresistível de felinos: Rock Hudson e Sophia Loren. Ele morreu na década de 80, soropositivo, e devido a sua doença sofreu uma grande transformação visual. Ela, uma bela atriz italiana que primeiro escondia as rugas atrás de seus óculos escuros e, depois, passou a fugir dos fotógrafos, o que é comum entre os famosos quando as marcas do tempo se mostram irredutíveis a cremes e bisturis.
E, dentre os jovens, quem hoje conhece Rock Hudson e Gina Lolobrigida? Só mesmo os com bem mais de 40 ou os apaixonados por cinema. Estes sim, independentemente da idade, sabem tudo a respeito da denominada “sétima arte”: do diretor ao roteirista, à trilha sonora e aos atores. Discutem a sua performance, o enquadramento, os planos, enfim todo o trabalho de câmera e tudo mais que um futuro cineasta precisa conhecer ou o amante das “telonas” busca curioso descobrir.
Não se pode esquecer que é uma arte engenhosa o cinema e, por isso, para poucos. Mas essa arte, quando bem conduzida, nos coloca diante dos problemas e das angústias dos homens, levando-nos a conhecer melhor a nossa essência pela imediata identificação com o outro, o que pode produzir em nós um efeito de relaxamento e de aceitação até das mudanças que nos esperam num futuro próximo, ou mais distante, porque queiramos ou não “assim caminha a humanidade”. Aliás, este é também outro título de filme antigo e também com Rock Hudson, um galã cujo rosto perfeito embelezou as telas e enfeitiçou todos os seus fãs, mas não resistiu à passagem perversa do tempo e às alterações que esse trajeto provoca.







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