A nostalgia dos domingos

Um amigo me enviou um e-mail neste final de tarde e se dizia melancólico. Como? pensei. Apesar deste sol que a tudo enche de luz? E dos tons alaranjados e “calientes” que parecem aquecer as nuvens e também a nós? Mas somos sensíveis. Nem sempre estamos em compasso com a beleza do entorno. Não reagir positivamente diante de um dia assim é bem mais comum do que parece. Muitos autores já manifestaram sua tristeza no decorrer desse dia da semana tão esperado. Clarice Lispector, em Água viva, afirma que “Domingo é dia de ecos – quentes, secos, e em toda parte zumbidos de abelhas e vespas, gritos de pássaros e o longínquo das marteladas compassadas – de onde vêm os ecos do domingo?”
 E fiquei refletindo sobre essa melancolia que nos atinge em determinados momentos sem sequer sabermos bem por que ela ecoa dentro de nós. Mas as lembranças, essas “marteladas compassadas”, esses “ecos longínquos”, a que se refere Clarice, às vezes se apropriam de nossa mente resgatando pessoas, lugares e passagens que deixaram rastros indeléveis e, então, é impossível não ceder a essa sensação de saudade, solidão e tristeza. Mas o ato de viver nos obriga à alternância de estados de euforia e instantes nostálgicos. São os ecos do vivido que continuam em nós e de repente despontam em nosso cinematógrafo interior. São eles o acervo da nossa memória. E sem eles nada somos.
Bem diferente foi meu domingo. Atendi ao chamado do sol e da luminosidade do dia para circular pelas ruas de São Paulo, sem pressa, sem querer chegar a lugar nenhum, apenas saboreando as delícias que as cenas urbanas oferecem nos finais de semana: trânsito tranquilo nas principais vias da cidade, motoristas gentis cedendo passagem aos pedestres; pessoas de todas as faixas etárias em roupas leves e semblantes descontraídos; tênis, sandálias e bermudas compondo um gracioso festival de cores. A cidade muda porque mudamos nós e nesse sistema oscilante um é a complementação do outro.
Na obra As Cidades invisíveis, Italo Calvino, autor italiano que sabe selecionar e combinar as palavras como poucos para contar suas histórias, diz de Raíssa, uma das cidades por ele descritas, que por ela “corre um fio invisível que, por um instante, liga um ser vivo ao outro e se desfaz, depois volta a se estender entre pontos em movimento desenhando rapidamente novas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem mesmo sabe que existe.”
Não é apenas Raíssa que se transforma continuamente. Todas as cidades contam com composições que se alternam e às vezes se sobrepõem diante da mobilidade de seus personagens: ora aqui, ora ali; ora alegres, ora tristes. Também São Paulo é uma cidade mutante. Ela nos revela múltiplas faces, dependendo do dia e do horário, dependendo do bairro e também do nosso humor. À noite as ruas são belas, mas podem também conter armadilhas como assaltos, agressões, sequestros e outros inconvenientes; nela nos deparamos com incontáveis opções de lazer, estudo e trabalho, mas podemos não estar preparados para tanto; cinemas, teatros, bares e restaurantes cintilam em alguns bairros, contudo o nosso poder aquisitivo pode não estar à altura de alguns desses privilégios.
Assim, esta que é uma das maiores cidades do mundo, tem em sua essência a dualidade também existente na alma humana, essa característica de compreender o bem e o mal, de ser uma cidade similar a uma Matrioska (a boneca russa que contém dentro de si uma outra e, dentro desta, outra ainda, e mais outra e...), mas com uma diferença: não são exatamente iguais em sua aparência como as Matrioskas. Por isso, a atração que ela exerce sobre nós: por ser uma e ser várias, um caleidoscópio, uma célula viva para uns, uma utopia para outros, mas é uma cidade prenhe de devaneios e fantasias. Seja pela efervescente agitação nos dias comuns, seja pelo aspecto letárgico e sereno nos fins de semana. A metrópole assim, como um instantâneo fotográfico, nos oferece o cenário, mas quem nele atua e o altera somos nós com os nossos sonhos ou a nossa nostalgia.
Por isso talvez, neste domingo, embora meu amigo e eu tenhamos muita afinidade, ele estava melancólico sob o sol da nossa cidade, enquanto que eu mergulhada em suas teias urbanas pude nelas sentir, ainda que de forma efêmera, a vibração e a ressonância harmônica que o contexto às vezes é capaz de em nós reproduzir.        

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