A outra face de Chico Buarque

De longa data a figura do cantor e compositor, hoje escritor também, Chico Buarque, ocupa um espaço carinhoso na memória musical de muitos que acompanharam a sua incomum trajetória artística, desde os tempos de sua juventude. Chico encantou e encanta a muitos, ainda, e é um sucesso em shows e gravações com aquele jeitinho maroto de garoto grisalho e olhos da cor do mar, que canta baixinho e suave como que para não incomodar ninguém.
Sempre ouvi seus versos com deleite e admiração. Que suavidade em suas melodias! Que delicadeza no canto das misérias humanas! E que sutileza para revelar a alma feminina! Um artista da palavra e do ritmo harmônico cuja voz permanecia em nossos ouvidos muito tempo depois de ouvir suas músicas. Chico, Caetano e Milton Nascimento, somados a Gal, Nara Leão e Bethânia, formavam para mim, no passado, o que de melhor tínhamos em reserva musical da MPB.
Gostava também da sua irreverência e desacato ao “politicamente correto” da época ao criar a sua “Geni”. Lembro-me que alguns pais proibiam os filhos de ouvir o “Joga pedra na Geni/ Joga b...na Geni”. Repetir o refrão, então, nem pensar. Mas Chico sabia muito bem o que fazia. Era uma forma de usar a linguagem sem as garras do poder, da ideologia dominante, que em regimes autoritários determina o que devemos dizer e o que devemos pensar, mas a maioria da população desconhecia totalmente essas formas de dominação e, por isso, inconscientemente colaborava com o status quo.
Famosa também ficou a letra de “Cálice”, cujos versos denunciavam, a quem estivesse atento, a censura reinante no país: “Pai, afasta de mim este cálice” e ainda “De vinho tinto de sangue”. Foi a canção-símbolo que melhor explicitou a existência de um sistema autoritário ditando as normas no país.
Entretanto, esse mesmo Chico Buarque que, no passado, tanto se indignou com os dirigentes da nação no regime militar porque impunham leis severas de censura para preservar a ordem por eles estabelecida em 64, hoje não se sente ofendido com a censura ao maior e melhor jornal do Estado brasileiro, o Jornal O Estado de S. Paulo, por noticiar o caso de corrupção do filho do Senador José Sarney. Há mais de 900 dias, este jornal está proibido de publicar qualquer notícia sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, referente ao caso de Fernando Sarney. E estamos, segundo o governo vigente, em uma Democracia (“plena, geral e irrestrita”, como gritavam à época para incitar o ânimo dos jovens, os que hoje dão as cartas no governo porque são os que estão no poder).
E a tal Democracia? O que houve com ela? Fragilizou-se? Hoje, jornalistas são processados e ameaçados, alguns vão para outros países até, como é o caso de Diogo Mainardi, do programa Manhatan Connection, ou se calam por precaução, e nem uma canção brotou do espírito democrático de Chico Buarque! Estranho, não? Será que a sua ideologia de esquerda o impede de ver todas as mazelas que constatamos dia a dia no governo atual, ou será que ele descobriu que estar ao lado do poder é muito mais cômodo e vantajoso do que compor musiquinhas que comprometam a sua tranquilidade, o seu sucesso e o de seus familiares?
Ora, ora! A irmã de Chico, Ana de Holanda, a ilustre desconhecida, não chegou até ao cargo de Ministra? É a nossa atual Ministra da Cultura. Só cometeu equívocos até agora, mas continua lá, como tantos outros sem competência. E nem Chico Buarque, nem ninguém mais, joga nada na “Geni”. Eh, Chico! Quem te viu e quem te vê! Não dá mais pra reconhecer.


           

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