Tempo de lembranças

A lista de presentes aumenta dia a dia. E cada um deles numa caixinha especial. A lista da ceia também. E esta já começa a ganhar um formato, entre doces e salgados, de acordo com quem virá. A torta de nozes não pode faltar. É a impressão digital da tia que, presente ou ausente, se programa para não frustrar a expectativa dos participantes que por elas - tia e torta - esperam o ano todo. O tender à Califórnia, preferência do primogênito, é um prato insubstituível. O pavê, a salada especial e, também, o camarão crocante e dourado, ganham aplausos e destaque na distribuição de pratos e guloseimas na arrumação da mesa. São eles imprescindíveis na lista de preparativos para mais um Natal em família.
Dezembro é uma época festiva. A cidade muda o visual com a decoração das lojas e edifícios públicos. Em São Paulo, a Avenida Paulista e o Parque do Ibirapuera são os “points” para visitação noturna quando os projetos natalinos ganham cores e iluminação especiais e criativas, em motivos que resgatam a tradição cristã: o nascimento de Cristo.
Poucos, porém, se lembram disso, porque a vida agitada das grandes cidades não leva mais a população às igrejas para admirar os presépios, reconstituindo o local simples e sagrado onde nasceu Jesus - visita obrigatória das crianças de minha geração -, mas sim aos shoppings centers e às ruas redesenhadas pelos telões, pelas árvores decoradas com laços, sinos e lâmpadas de led. É a beleza estilizada e computadorizada “made in China” que ocupa os espaços abertos de dezembro nos grandes aglomerados urbanos.
Mas, no espaço familiar e reorganizando minha lista natalina, as recordações de natais passados invadem minha mente. As imagens dos que hoje estão ausentes, e a quem queríamos tanto, deixam um lugar vago à mesa, mas não em minha lembrança. São rostos, são frases, são gestos tão vívidos que retornam em momentos de silêncio e interiorização, embora sutilmente resguardados para não quebrar, entre os presentes, o encantamento que o Natal nos devolve a cada ano.
Mas desejando ou não, a cada novo Natal, sinto que a memória busca um outro ritmo, ganha nuances outras e faz transitar por minha mente intocáveis figuras distantes: queridas, etéreas, eternas. Essas sensações parece que nos humanizam. Num mundo de necessidades urgentes, marcadas pelos ponteiros do relógio, elas se tornam um necessário refúgio para reter a evanescência natural de um tempo que lentamente se esvai, se desfaz e com ele as nossas lembranças. Um tempo de perdas menores e maiores que somadas registram a nossa trajetória. E isso me lembra e me aproxima das palavras de Fernando Pessoa, perspicaz observador das sensações humanas, quando poeticamente traduz esse sentir ao dizer:
“Sinto mais longe o passado,/ Sinto a saudade mais perto.”
E a saudade de alguém ou de alguma coisa, que sempre nos acompanha, mas que em dias como o Natal tende a se tornar mais presente e a desdobrar-se em múltiplas imagens. E estas agora roçam a nossa memória e parecem nos dizer: não estamos tão longe assim, estamos também muito perto.
Viver, então, é isso: ora estar aqui; ora estar ali. Vamos, por isso, nos reunir, vamos comemorar, porque ainda estamos juntos e a vida é um traço, apenas um traço frágil, entre o começo e o fim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário