Recentemente, recebi um convite para participar de
uma Banca de Doutorado e, como o tema despertou de imediato meu interesse,
fiquei aguardando ansiosa pelo trabalho
Com ele em mãos, iniciei a leitura e a minha
satisfação foi se intensificando à medida que eu virava as páginas. Não só a
temática da pesquisa que buscava as relações entre a arte verbal e a pictórica,
de artistas específicos nossos, era minuciosa e pertinente, mas também a
escrita do candidato surpreendia a cada frase. Encantava a cada capítulo. E ler
e reler até o seu término foi uma atividade de puro prazer.
Meu Deus, eu pensei ao final, por que tão poucos
hoje se expressam assim? Talvez por falta de motivação.Talvez por falta de bons
modelos. Como leem pouca ficção e ensaios de bons autores, essa poderá ser a
causa.
Não sei bem o motivo, mas desconfio que os meios de
comunicação também colaboram para esse colapso linguístico. Os tropeços
contínuos na fala de jornalistas, políticos, palestrantes e outros que
enfrentam as câmeras das TVs, do Congresso e de outros espaços para se dirigir
ao público, por exemplo, não demonstram muita preocupação com a norma culta da
Língua.
Surpreendo-me nestes dias de isolamento, graças ao
Corona vírus, com notícias, como:
“Hoje houveram 519 mortes”.
O verbo Haver quando tem o significado de Existir
fica sempre no singular. Houve 519
mortes e não houveram. E esse erro, repetido à exaustão, se cola à nossa
memória produzindo um efeito pior que o do próprio vírus em questão.
“O governo dará um subsídio de...” E a palavra subsídio é pronunciada como se fosse a
letra Z (subZídio). E penso: Será que eles também falam Subzolo e não subsolo com S?
Subsídio tem som de S. Mas quem se importa com isso?
“Nunca antes nesse
país”, referindo-se ao Brasil é visto e ouvido continuamente. Como isto é
possível?
Os
demonstrativos este/esse/aquele têm a ver com proximidade e distância. Observem:
próximo
= este; distante =esse; mais
distante= aquele.
Observem:
O dia de hoje (próximo)= Este dia/ Neste dia/Nesta data
Nosso país/Brasil (próximo/ vivemos nele)=Neste país.
E não Nesse país. Nesse refere-se
a outro país que não o nosso. O nosso é sempre Neste.
Argentina/Uruguai (distante)= Nesse país.
China (mais distante)= Naquele país
Mas, se em um texto, usamos o nome de dois ou mais
países, dois autores ou dois jornais, para o último citado usaremos Este/Neste
(este último) e para o anterior: Aquele/Naquele.
Ex.: “Li nos jornais Estadão e Valor. Neste, as
notícias...e Naquele,
as notícias...” Porque o Jornal Estadão está
mais distante, enquanto O Valor está mais próximo.
Apesar disso, os nossos jornalistas, sem exceção de
que me lembre, falam e escrevem: “Nunca antes nesse país”. Influência, com certeza, de um antigo Presidente da
República que não se cansava de repetir essa frase, para se vangloriar de seus
feitos, mas que pelos quais pagamos muito caro ainda hoje.
Há também aqueles que, mesmo na tão esperada CNN,
substituem o Mas pelo Mais.
Ora, Mas é uma conjunção adversativa, cuja própria nomenclatura indicia já
uma contradição. Mais, como todos
sabemos, anuncia uma adição, uma soma. São coisas distintas.
Ex.: Eu iria, mas
não foi possível. / Quero um pouco mais
de atenção.
Infelizmente, hoje, alguns formadores de opinião não
levam muito a sério essas questões. No passado, eram modelos para os jovens no
uso correto da Língua. Na atualidade, porém, nem sempre isso se verifica e uma grande
parte massacra o idioma pela troca recorrente em suas falas de Nós por Nóis; de Arroz por Arrois, como se pessoas incultas, ou do
campo, fossem, Para aquelas, aceitam-se as imperfeições; para estas, que trazem
em seus currículos o registro de um curso acadêmico, jamais.
Os políticos, com raras exceções, parecem desconhecer a diferença entre verbos
transitivos diretos e indiretos. Ou seja, usam sempre preposição,
especialmente a preposição de. Estejam
atentos aos seus discursos:
“ O governo determinou de que...” Por que a preposição? “O Governo determinou que...” Essa é a forma correta. O verbo Determinar é transitivo direto.
“ O congresso declara de que... “O congresso
declara que...” É o certo. O verbo Declarar é também transitivo direto e, por isso, dispensa preposição.
O uso da expressão Curto-Circuito por Curto-CircuÍto
( com acento na pronúncia). Esse acento sonoro não existe, mas é
acrescentado até por altas autoridades dessa área e é também de uso frequente
nas locuções de profissionais de rádios e TVs. Assim também a palavra Gratuito, cuja pronúncia é sempre ouvida de forma errônea, com um
acento inexistente: GratuÍto.
Como recurso mnemônico para meus alunos, eu
brincava: Se algo for gratuito, aceitem.
Se for gratuÍto, descartem.
Muitos outros equívocos são observados todos os
dias, como a confusão entre Sob(
embaixo) e Sobre (em cima/ acima),
algo tão simples, tão óbvio! Mas não vamos aqui continuar com essa enumeração
que é cansativa, embora seja real.
O importante seria que essa classe privilegiada
pelos salários e pela exposição diuturna, que leva seus integrantes à fama tão
desejada, poderia aprimorar ainda mais a sua fala no momento de expor as ideias
ou as notícias, com uma expressão adequada, precisa, sem falhas e distante das
formas coloquiais para, assim, dar sua contribuição às crianças e aos jovens,
em especial, que têm nesses “personagens” um modelo de imagem e de comunicação.
E quem sabe (sonhar não custa) amanhã tenhamos mais
estudantes redigindo textos com tanta qualidade que seus pais e mestres se sentirão
recompensados pelo esforço despendido, e os demais leitores com eles possam se
encantar, como eu agora diante da tese lida tão perfeita, tão sedutora, desse estudioso da
arte da palavra e da imagem.
Fusão perfeita para minha mente se distanciar, agora, das agruras de um futuro incerto para todos nós e de um confinamento quase compulsório.