Natal em três tempos


O que se vê e o que se ouve nas ruas, nos lares, no trabalho e nas lojas, revela que todos estamos no ritmo do Natal. Tudo é colorido desde a decoração dos ambientes até aos pacotes que carregamos para presentear a quem queremos mostrar nossa afeição. Nem sempre conseguimos expressar o que sentimos por meio de palavras. Dependendo da nossa relação com o outro, e o grau de timidez de cada um de nós, não conseguimos achar a palavra ou a frase certa para dizer do nosso carinho por esse alguém. Parece-nos, então, que o presente sem nenhum constrangimento, fala por nós: “Eu te quero muito!” E apostamos nele.

Hoje, recebi presentes antecipados de pessoas queridas. Antes de abri-los, realizo um jogo, ou melhor, um ritual. Gosto de olhar para eles por um tempo, às vezes por um longo tempo, tentando adivinhar o que contém esse pacote, o que escolheram para mim, e isso aumenta o prazer de descobrir o que estava oculto pela embalagem e que agora me pertence, é meu, seja lá o que for. E isso me deixa feliz. Ao final, abro surpresa os pacotes e guardo os invólucros, as caixinhas... Já ouvi diversas pessoas afirmarem que esse comportamento não é normal. Mas e daí? Cada um tem direito à sua loucura particular e eu tenho as minhas.

O Natal sempre me leva à minha infância, à casa de meus pais. Recordo com carinho a mesa farta, o vinho do Porto, os docinhos e outras iguarias portuguesas. Mas os presentes não, não havia a abundância de hoje; estes eram escassos. Os tempos eram outros e não havia a variedade que vemos hoje. Os meninos ganhavam trem ou carrinhos; as meninas ganhavam bonecas, exceto eu que as odiava. Achava-as muito arrumadinhas, muito antipáticas. Sempre dei preferência aos bonecos, como bombeiros, jornaleiros e outros. Pareciam eles mais naturais, mais gente como nós, ou então sonhava com ganhar bichinhos de pano. Mas não era muito habitual presentear as crianças com eles, como na atualidade, pelo menos na pequena cidade onde morávamos. Por quê? Não tenho a menor ideia.

O que percebo como diferença maior é o valor que dávamos ao presente recebido. No passado, era como um pequeno e valioso tesouro. Era para brincar, sim, mas com grande cuidado e depois guardá-lo, protegê-lo, porque levaríamos muito tempo para ganhar outro. Enquanto que as crianças hoje parecem não se apegar muito ao que recebem, talvez, penso eu, porque com o quarto abarrotado de brinquedos, o novo presente representa apenas mais um, entre tantos outros que habitam aquele espaço infantil.

E a festa do Natal, nos tempos que correm, ocupa a nossa mente e o nosso tempo na corrida aos shoppings para as últimas compras numa busca delirante que atenda àquilo que o outro, segundo a nossa visão, gostaria de receber como presente e atenda também às nossas posses. Por isso, talvez, tenha surgido o “amigo secreto”, essa invenção contemporânea que busca equilibrar a nossa conta bancária, nessa época de excessivos gastos, com a tradição cristã de seguir o exemplo dos reis Magos presenteando com carinho, no Natal, um amigo entre aqueles que muito representam para nós.

E isso me traz á lembrança um Natal, já distante, quando meu filho ainda pequeno, influenciado pelo marketing televisivo, pediu ao Papai Noel uma locomotiva que apitava. Ela havia se tornado o seu sonho e o dos amigos. E eles discutiam sobre a quem o bom velhinho iria atender. É claro que queríamos que Papai Noel passasse pela nossa casa e ali deixasse o presente tão desejado, mas surgira um problema sério: a locomotiva se encontrava esgotada nas lojas e não sabíamos, onde encontrar tal brinquedo porque não existia essa ferramenta mágica que é a internet hoje. No último momento, contudo, encontramos a locomotiva e não sei hoje quem ficou mais feliz com a visita do Papai Noel, se o meu garoto ou nós, porque foi realmente um presente que caiu do céu naquela noite que teve um final tão feliz.




É fácil


É fácil culpar o outro.
É fácil dizer sempre sim.
É fácil fechar os olhos
e dizer eu nada vi.
Difícil é olhar-se ao espelho
e não ver uma ameba ali.

O inocente útil


Estive por uns dias afastada do mundo das atividades rotineiras devido a uma crise aguda de diverticulite, doença que em geral acomete e maltrata as pessoas com mais de sessenta. Mas pelo silêncio no entorno, não me distanciei muito do mundo das reflexões. É que o silêncio nos permite um mergulho mais profundo nas questões e posturas que no burburinho das falas e dos afazeres costumeiros, às vezes, se embaralham e nos deixam meio confusos.

Nestes dias, familiares e alguns amigos estiveram comigo, ou me ligaram, o que me deixou feliz por sentir que os laços afetivos resistem a todas as alterações resultantes de posturas modernas e pós-modernas. Na verdade, continuamos os mesmos e necessitamos do outro nos momentos de fragilidade, principalmente, para nos sentirmos seres mais humanos, completos e seguros.
Entre aqueles que se dispuseram a enfrentar as altas temperaturas e o trânsito cada vez mais caótico de nossa cidade para me trazer um afago em forma de flores, uma fruta especial ou uma revista, ou seja, um pouco de carinho numa forma menos abstrata, esteve comigo um amigo de longa data. Pessoa culta que lê e gosta de esportes, romance, poesia e teatro. É bem informado, viaja com frequência e ocupa um alto cargo em uma empresa multinacional. Ou seja, fez uma carreira de sucesso e graças a ela, hoje, pode usufruir das benesses de uma vida confortável, embora sem excessos.

É o que podemos chamar uma boa pessoa e uma pessoa do bem. É prestativo, bem-humorado e bem informado sobre o que ocorre no mundo, Mas como nada é perfeito, esse meu amigo, de quem gosto muito, não consegue ver/perceber o que acontece em nosso país: as mazelas de nossos governantes. Acredita ele, como o personagem Cândido, de Voltaire, que o mundo é bom, as pessoas são sérias e tudo que fazem é para o bem do mundo. Será mesmo? eu perguntava a ele. Sim, ele acredita piamente que o Programa “Mais Médicos”, por exemplo, busca auxiliar os brasileiros e não o governo cubano, que ao perder a ajuda financeira da Rússia e, mais recentemente, da Venezuela, com a morte de Chaves, precisa urgente de dinheiro para se manter, o que confirma a afirmação de Margaret Thatcher de que o socialismo é um sistema que se mantém “enquanto durar o dinheiro dos outros”, pois pela ótica socialista todo empresário é um explorador.

Então, pelo socialismo, não se pode produzir riqueza, isso é uma exploração do outro, mas pode-se desapropriá-la dos que a produziram para distribuí-la conforme a determinação de quem está no poder. E os “médicos” cubanos são um ótimo exemplo dessa sistemática. Vêm para o Brasil (e também para outras regiões cujo nível de informação da população é zero) e o nosso governo paga por seus serviços R$10 mil reais mensais (mais os custos trabalhistas que dobram esse valor) para cada servidor cubano. O que nunca ofereceu aos nossos médicos, formados, com diplomas registrados e longa experiência de Residência Médica em hospitais de renome internacional. Contudo, desses dez mil reais pagos aos médicos, paramédicos, ou sei lá o quê, eles recebem apenas 30%. Os 70% restantes são encaminhados aos ”caridosos” irmãos Castro, amigos íntimos de Lula e Dilma, que há quase 60 anos escravizam esse povo sofrido, mantendo-o distante da “malévola influência” dos imperialistas norte-americanos, esse povo” horrível” que vive com liberdade num regime democrático e que tem seus direitos respeitados por uma Constituição enxuta, clara e que realmente leva a sério os Direitos Humanos de toda a população e não apenas dos filiados do partido do governo.

Pois é! Meu amigo não consegue perceber essas sutilezas macabras exercidas por quem nos governa e que, atualmente, vem acabando com o nosso país, destruindo tudo aquilo que o governo FHC conseguiu com a criação e implantação do Plano Real, conseguindo, dessa forma, equilibrar a economia, acabar com a secular inflação e oferecer, com isso, melhores condições de vida à população brasileira, a qual pela mesma ignorância ou miopia, como a de meu amigo, atribui o feito miraculoso ao governo do PT, que se utilizando de artimanhas marqueteiras stalinistas apaga do passado imagens e fatos que a eles não interessam, substituindo-os por figuras e feitos de seu partido como se estes fossem realmente os autores de tais façanhas e não os outros.
Que pena que assim seja, que mesmo depois das provas do Mensalão, que espertamente blindou o chefe da quadrilha, Lula da Silva, existam ainda aqueles “inocentes úteis”, como o meu amigo, que se prestam a defender bandidos dessa espécie e se aborrecem profundamente por não concordarmos com a visão heroica que eles ainda têm sobre esses vilões.




Rastros

Vestígios
Rastros.
Mapa de momentos
De maresia.
Formas e gestos de lonjuras
Do que se colou à retina
E se eternizou na cor sépia.

Entre a arte e o bolso


Num leilão de arte, diante das obras expostas a paixão oscila. Esta ou aquela? Esta e aquela. Esta! Não, aquela. O desejo se fragiliza e se fragmenta. O olhar transita célere e inquieto daquele vermelho ardente para aquelas ondas cheias de volúpia que parecem nos tocar. Mas surge o azul. Meus olhos se colam à treliça delicada, onírica, incrustada e aconchegante naquele quadrado branco.

Quero o azul!

Sim. Quero o azul que se enovela em si mesmo.

Mas que sina! Ele está além de mim e me olha entristecido do alto de suas cifras e de minha pequenez bancária. Se comparado a um edifício arquitetônico, o lance inicial já estaria no 10o. andar e até já posso calcular a sua chegada à cobertura, assim que tudo começar! E é uma chegada veloz, como se constituído fosse de equipamentos de última geração: Dou-lhe uma... Dou-lhe duas...Dou-lhe três... Vendido!

Restam frustração e tristeza aos demais. Não. Não quero isso.

Mas por que tão caro este Wakabayashi? Pela beleza? Por sua beleza intrigante e diáfana? Uma beleza única! E meus olhos correm pelas paredes repletas de outros encantos formais e cromáticos. Nada ali, porém, se compara a ele. É preciso reconhecer: a arte tem suas singularidades!

Mas outras obras que me parecem sem beleza alguma também alcançam valores muito mais altos, altíssimos. Seu diferencial? A assinatura. Não, estas não me atraem. Meus olhos buscam a beleza cromática, a tessitura formal encantatória, o mistério em suas entranhas, em sua clausura de deciframentos. E tudo isso se harmoniza naquele recorte azul no centro da moldura branca capaz de provocar flashes de delírios e devaneios.

O medo da frustração me afastou da tela e daquele espaço. Não dei lance. Não queria sofrer. Mais tarde acompanhei o leilão pela internet. À distância, a tensão seria menor. Chegou o momento: “Lote 095”, gritou o leiloeiro, repetindo o lance inicial. O valor era alto, mas a obra valia. Silêncio. Nenhuma voz exprimiu um valor superior. Comecei a temer pelo inesperado que poderia ocorrer, porque com um pouco mais apenas eu poderia pagar pelo meu sonho azul. “Dou-lhe uma...” E ele continuou “É uma obra de rara beleza! Você irá se arrepender!” Falava comigo? Sabia o quanto eu queria aquela obra? Claro que não. Técnicas de venda, somente, e antes que eu conseguisse um contato, via internet, com o leiloeiro, ele finalizou “Dou-lhe duas. Dou-lhe três.

Vendido!”.

Desligo o computador.

Nem sempre se ganha, eu sei. Mas sei agora também que me faltou ousadia. E sem ela não se atinge o ápice de nada, nem o azul que nos recobre, nem o azul de Wakabayashi.

Fica para uma outra vez, se houver.

Jogo de vermes


Os ratos peçonhentos continuam farejando o queijo de quilates.

Muitos quilates.

E nós lavamos as mãos na bacia de Pilates.

1 – Quem ganhou?

2 – Quem perdeu?

Ora...Ora...

1 – Quem sujou as mãos.

2 – Quem lavou as mãos.

Não se pode perder a ternura, mas...

Um amigo meu nestes últimos dias reclamou que os meus textos estão muito tensos, “nervosos “talvez, e que ele os prefere mais amenos. Comecei, então, a pensar sobre o que tenho escrito e percebi que em parte ele tem alguma razão, que minha quota de tolerância anda meio abalada e que diminui a cada manhã diante das notícias dos jornais. Mas poderia ser diferente se é notório que o país está à deriva? Que nosso futuro e, em especial, daqueles a quem queremos tanto está caminhando para um apagão? Diante dessa certeza, as palavras amenas e ternas se ocultam, talvez, nos interstícios da memória e nós as esquecemos.
Gostaria, contudo, de falar apenas sobre poesia e literatura e fazer de conta que o céu está sem nuvens e que nenhuma tormenta física ou moral nos ameaça neste instante. Que o nosso país é sério, que o governo é responsável e estou equivocada, e que as minhas dúvidas e os meus medos não têm razão de ser.
Revendo alguns textos deste mesmo blog, acabei me deparando com um título “Tempo de promessas” redigido no final de 2012, quando motivada pelo caminhar do julgamento do Mensalão e da feroz batalha verbal travada entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa (defendendo o país) e Ricardo Lewandowski, o “advocatus Diaboli”, (defendendo a quadrilha de mensaleiros), acreditei na idoneidade e esforço paralelo de outro ministro: o decano Celso de Mello para o sucesso dessa luta de Barbosa contra a impunidade dos poderosos.
Ledo engano meu, pois apesar da trajetória brilhante do decano demonstrada durante a acusação dos crimes cometidos por esses meliantes, no momento de desempatar os votos contra ou a favor dos embargos infringentes, ou seja, de mandar ou não para a cadeia os maiores bandidos deste país, Celso de Mello “amarelou”, fraquejou, ou vendeu sua consciência ao famigerado partido que nos governa, e votou a favor da quadrilha, adiando assim “ad infinitum” os sucessivos julgamentos de novos e novos recursos, que agora virão, até atingir a prescrição dos crimes por eles cometidos.
Hoje, toda a cúpula do PT está comemorando a vitória comprada de seu quadro de corruptos facínoras (vide a morte de Celso Daniel e do Prefeito Toninho, de Campinas) e rindo da ingenuidade dos homens de bem que vislumbraram na figura ética e corajosa do Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, e de alguns de seus membros - poucos hoje - uma possível contenção dos delitos praticados por essa horda que invadiu o Planalto em 2002, ali permaneceu e de lá não pretende sair jamais, tendo como suporte desse projeto de dominação o erário público (continuamente achacado pelos “companheiros”), as incontáveis “bolsas-votos” (subjugando a massa insipiente deste país) e as mentes doutrinadas pela ideologia de esquerda.
Como falar de coisas amenas, de literatura e poesia que nos encantam, tão imprescindíveis elas ao equilíbrio de nossas emoções pela leveza e suavidade que oferecem à nossa nem sempre tranquila trajetória existencial, se forças nefastas estão diuturnamente à espreita para nos atacar a qualquer momento, anulando assim cada traço de esperança, cada projeto que se insinua, cada sonho acalentado no dia a dia de cada um? Por isso, a Celso de Mello, pela sua covarde postura, só nos cabe dizer no Latim que ele tanto aprecia: “Et tu, Brutu filli!”

"Mais Médicos": Santa hipocrisia!

Recebi pelo correio uma obra de Milton Hatoum: Um solitário à espreita. Um conjunto de crônicas que na esfera gastronômica receberia, sem dúvida, a classificação de “deliciosas”. Sim, são crônicas deliciosas. Por isso eu devorei o volume assim que chegou.
Existem aqueles que dizem não gostar de ler. E o fazem com sinceridade, muitas vezes. A isso já estou acostumada e não mais me surpreendo. Em meu trabalho acadêmico essa afirmação é rotineira. Se em sala de aula menciono um livro como atividade para avaliação, a pergunta imediata de alguns é: “Quantas páginas?” Não perguntam pela temática ou pela qualidade da obra, mas pelo número de páginas. E depois de algumas semanas surgem, entre os alunos, os comentários sobre os personagens, sobre as cenas de impacto, ou as tentativas de decodificar o significado de certas passagens ou frases da ficção, e mesmo aqueles que anteriormente juravam não apreciar a literatura, passam a discutir com a mesma ênfase a obra indicada. Ou seja, foram seduzidos pelo autor. E isso me satisfaz porque o jovem que lê passa a ver com outros olhos o mundo em que está inserido. Não se deixa enganar tão facilmente.
Assim, não tenho pressa pela mudança, fico no aguardo, fico à espreita pelos resultados e, de repente, o melhor acontece. Isso tem se repetido com a leitura de autores como Saramago, Coetzee, Guimarães Rosa, Alejandro Zambra e tantos outros.
Mas voltando a Milton Hatoum, suas crônicas que falam de literatura e política, de guerra e de mudança ortográfica, vão delineando este mundo de mudanças contínuas, mas também e paradoxalmente de mesmices e retornos. Retornos de conflitos que nunca abandonaram os homens de todas as gerações, tanto no espaço afetivo, como psicológico ou político.
Isso nos leva a refletir que neste último, o político, os sonhos desfeitos pelas expectativas frustradas em relação a um mundo melhor têm trazido a incredulidade àqueles que buscam nas urnas, em um regime democrático, apontar o melhor candidato em uma eleição. É que a sua atitude é anulada por uma multidão de analfabetos que por nada entenderem de política, ou por terem sido manipulados ou doutrinados por indivíduos inescrupulosos, agem na contramão dos primeiros. E, dessa forma, o futuro de todos fica comprometido. Ninguém se beneficia, exceto os que governam de forma corrupta e seus comparsas corruptores.
E em um momento, de forma sutil, o autor amazonense pela voz delirante de uma personagem sem credibilidade porque senil expressa toda a sua indignação: “Deus, não merecemos tanto escárnio, tanto cinismo...”
Nada melhor do que essa exclamação para explicar a situação perigosa que estamos vivendo com o Programa Mais Médicos, do Governo Federal, tão “preocupado” com a saúde dos pobres deste país!
Essa preocupação repentina nos leva a perceber que o objetivo real não é atender os mais pobres e mais carentes, no quesito saúde. Se o fosse, o primeiro passo seria cuidar da infraestrutura dos centros de saúde dessas regiões, hoje inexistente, para depois contratar os profissionais da área médica. Mas estes deveriam comprovar sua adequada formação, apresentando os respectivos diplomas e provando sua competência por meio de exames de revalidação dos mesmos, como obriga a Constituição. E por que milhares vindos de Cuba, se hoje a medicina ali praticada é da Idade Média, sem nenhuma aplicação tecnológica, ou seja, hoje, um dos mais atrasados do planeta? Lembram-se de Hugo Chaves? Diferente de Dilma e Lula, recebeu o melhor tratamento médico cubano e...
A explicação não parece outra a não ser continuar a enviar o nosso dinheiro para Cuba (cujos salários estão mais ou menos assim divididos: 70% para Fidel e 30% para os “médicos” escravizados que são pelo regime cubano) e propiciar que esses “médicos”, como já se diz em toda parte, tenham na verdade outra função, ou seja, possam ensinar aos pobres analfabetos brasileiros as práticas revolucionárias de esquerda, como fase preparatória para o sucesso do tão desejado golpe petista da tomada do poder definitivo de nosso país. Foi assim em Angola, foi assim na Venezuela; será assim nas terras tupiniquins se a população, o STF e as Forças Armadas não fizer cada um a sua parte.
Por isso, insisto na importância da educação e da leitura para que nossas crianças e nossos jovens possam ter criticidade suficiente para discernir quem está do nosso lado e quem está contra nós. Qual é o discurso verdadeiro e qual o enganador. E para isso basta ver o quanto as pessoas vivem “bem” nos países de onde foram banidos o capitalismo e a democracia.

Em semicírculo

Lá fora os carros passam.
No semicírculo da pracinha,
os carros passam.
Quase colados
sem pressa,
como se não quisessem chegar.

Inerte, vejo-os passar.
E os carros passam,
se cruzam, se afastam, se aproximam,
no mesmo movimento circular.

Giram pela praça, coloridos
como os sonhos
que vão e voltam
no vaivém da vida,
mas não se deixam tocar.

Os 100 anos de Tomie Ohtake


Cem anos. Um século de vida. Privilégio de poucos, mas um privilégio maior ainda se esse alguém continua ativo, participando intensamente da vida familiar e social e, ainda mais, trabalhando criativamente em sua arte de representar o mundo em suas telas e esculturas. Esculturas que pontuam a cidade de São Paulo, e outras mais, assinadas por essa genial artista plástica de origem nipônica, Tomie Ohtake.
As homenagens a ela começaram neste mês de agosto em São Paulo com a exposição “Influxos das Formas” no Instituto de estilo pós-moderno que leva seu nome e foi projetado por seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake.
Nessa mostra, que ficará aberta ao público até novembro, quando a artista completará cem anos de vida, estão disponíveis obras que revelam desde o processo iniciático da autora quando ainda transitava pela temática figurativa e que, depois, influenciada pela pintura do americano de origem russa, Mark Rothko, enveredou pelos caminhos da pintura abstrata e, então, criou o traço, a cor e a forma que lhe deram notoriedade e a diferenciaram dos demais pintores japoneses com quem se reunia para desenvolver a arte pictórica.
Sua trajetória é instigante por ter chegado ao Brasil por volta de 1936, para rever o irmão que aqui residia, exatamente quando o Japão se uniu à Alemanha de Hitler, durante a 2ª. Guerra Mundial, o que a impediu de retornar a seu país e a levou ao casamento com o engenheiro Ushio Ohtake. Desse relacionamento, sobrevieram Ruy, arquiteto, e Ricardo, arquiteto e designer gráfico. Sua casa, no bairro do Campo Belo, onde veio a morar posteriormente e reside até hoje, transformou-se em atelier, em um espaço onde cria e desenvolve sua arte com uma regularidade incomum e um rigor metodológico que a mantém fiel às formas arredondadas e às cores que marcaram seu estilo. Segundo Tomie, a reta “não é da natureza humana”, por isso a preferência pelos círculos e sinuosidades. Sinuosidades estas que se desdobram e versáteis se repetem, mas sempre diferentes.
Entre as cores de suas obras há uma predominância do vermelho e do amarelo. Esta cor, o amarelo, segundo ela, foi a que a encantou quando chegou em nosso país. A luminiscência do amarelo vibrante que vivificava intensamente todos os espaços, diferente do que vivenciara no Japão, despertou na recém-chegada a paixão pela cor solar. Daí a registrá-la em suas telas e esculturas foi um gesto resultante de uma pulsão interior que não se diluiu com o passar do tempo.
As telas de grandes dimensões e as gravuras de Tomie Ohtake revelam um estilo inconfundível e estão presentes as primeiras, em geral, em espaços privilegiados pelo seu valor altíssimo, tanto artístico quanto mercadológico. As gravuras, contudo, embora também se mostrem peças de arte para poucos, não atingem as cifras de tão grande vulto como as telas e podem ser encontradas nas paredes das residências dos que admiram a sensível e belíssima arte daquela jovem que há quase cem anos aportou neste país tropical, se encantou por ele e, de longa data, vem encantando os que aqui têm olhos para as cores quentes e as formas abstratas no estilo da artista cuja mente e cujo traço não viram o tempo passar.

Fugacidade

O tempo escorre pelos dedos
do cosmo.
Água plena que se esvai...
Quer-se resgatar,
Congelar o instante-já,
Perpetuar-se na invenção de Morel.
Pura imagem!
Pura magia!
O ser se dilui no espaço
E o tempo continua a fluir,
A fluir...a fluir...

Um junho diferente

De longa data as festas juninas, ou festa da roça, nos espaços abertos e sob a luz das estrelas, estão no calendário dos brasileiros, relembrando a nossa formação de povo católico que nesse mês, no passado, prestava sua homenagem aos santos padroeiros que nos protegiam e ainda orientavam nossos passos, conforme a forte crença reinante.
E desde então para essa data aqui se criaram elementos simbólicos como as fogueiras e os fogos, as músicas resgatando os amores singelos e também as traições, que Santo Antônio, embora santo casamenteiro, não conseguiu evitar. E lá vão os pares dançando a quadrilha, sob a aprovação dos demais festeiros que, ao redor da fogueira, acompanham o som e as imagens, enquanto se deliciam com as guloseimas próprias dessa época: amendoim, pipoca, doce de abóbora, de batata... e, é claro, o quentão. Este desperta e esquenta o corpo e o ânimo dos participantes. Tudo é festa, riso e alegria.
Neste ano, porém, tivemos uma outra “festa junina” nas cidades. O povo em bloco saiu às ruas, mas não para comemorar os santos católicos, e sim para reivindicar os direitos que, aos poucos, e na surdina, os governantes foram lhes surrupiando. Na posição inversa aos aumentos frequentes de impostos, os serviços públicos foram se deteriorando cada vez mais, a ponto de os doentes, por falta de leitos, agonizarem nos corredores dos hospitais, apesar da propaganda enganosa do ex-presidente Lula e Da. Dilma de que tínhamos, sob a proteção de seu governo, “Saúde de 1º. Mundo”.
O que é isto, companheiros? Saúde de 1º. Mundo tem, sim, a dupla dinâmica do PT - Dilma e Lula -, que trataram do câncer que os acometeu no Hospital Sírio Libanês, com o nosso dinheiro. A camada da população pobre, porém, que, enganada, os colocou no poder com seus votos, é a que mais padece porque, diferente do que ambos prometeram, essas pessoas não têm direito a nada com qualidade: seja atendimento médico-hospitalar, sejam escolas para os filhos, seja dignidade de vida, porque quem vive de bolsa-esmola, e não de um trabalho honesto, não tem do que se orgulhar, me parece.
Por isso, e muito mais, a dança da quadrilha deste ano foi outra. O som veio das ruas e, violento, fez estremecer o Planalto, pois a quadrilha que se alojou em Brasília, desde 2002, e se divertiu e se enriqueceu, e enriqueceu os familiares e os amigos até agora, com o dinheiro do povo que trabalha, jamais imaginou que os jovens (principalmente), calados por uma dezena de anos, saíssem com cartazes expondo sua indignação e pedindo: melhoria dos serviços públicos e fim da corrupção.
Com a esperteza que é característica deste governo petista, a Presidente já buscou uma saída para a crise: o Plebiscito. Mas quem pediu Plebiscito, Da. Dilma? O povo quer fazer valer o que está na bandeira do país: Ordem e Progresso. Com isto já estaríamos a caminho de dias melhores, mas para tanto necessário seria uma faxina de verdade, a começar pelo partido que nos governa. E, aí, como fica, Da. Dilma?

O pulsar

Na onda primeva
Pulsa um ponto em uma vírgula,
Que se transmuta em corpo,
Em pessoa,
Em persona.
Atua no teatro do absurdo
Encena o lúdico, o lírico e o trágico.
Volta a ser só um corpo
Que se esvai
Na voragem da finitude.

Mas...isso é tudo?

A esquina da alegria

A noite fria e já passada das onze desperta para o som do saxofone daquele artista que não foi parar na calçada da fama, mas na calçada de um barzinho lotado nos Jardins. Cada um para onde pode, e ali ele certamente ganha, além dos aplausos, um cachezinho para aquecer o ânimo e abastecer o bolso. Toca bem o saxofonista e tem bom gosto em sua seleção musical. Os jovens o estimulam com os copos nas mãos e gritos de aprovação. Final de semana é figurinha carimbada nos bares da esquina do pedaço e seus acordes avançam pela rua e invadem os apartamentos. O mundo, então, sonoro e rítmico, entra em outra dimensão e parece em paz.
Na verdade, porém, essa tranquilidade é pura ilusão. Há muito ela deixou os grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio, e tantos outros neste tão festivo país. O que houve? Não sei. Ninguém sabe ao certo. Temos hipóteses, mas não certezas. O que sabemos é que o mundo muda e com ele o homem. Não fosse assim, ainda estaríamos grunhindo no centro das mais sombrias cavernas. E o cérebro humano evoluiu. E evoluiu para o bem e para o mal. Enquanto a ciência nos beneficiou com a descoberta do átomo, e suas inumeráveis aplicações, entre elas a recuperação da saúde do homem, a mente macabra de alguns a utilizou para o extermínio de milhões de vidas nas guerras.
É assim mesmo. O mundo não é perfeito. Sabemos disso, dessas oposições, dessas atrocidades cometidas em nome das paixões ou da demência plena dos indivíduos isoladamente ou em grupos. Basta acompanhar os noticiários. Dos pequenos furtos a crimes hediondos os nossos olhos ainda incrédulos a tudo acompanham. Mas será mesmo destino do homem caminhar para o caos? Será mesmo que nada se pode fazer para mudar essa trajetória de violência em ritmo cada vez mais acelerado?
Não tenho a fórmula mágica para interromper esse processo e creio que ninguém a tenha, mas é possível amenizá-la, evitar a sua continuidade com desfechos que têm se mostrado sempre mais trágicos. Bastaria, talvez, um contra-ataque, como acontece com o nosso organismo quando fragilizado pela invasão de vírus. Os glóbulos brancos entram em ação para destruí-los e, assim, nos proteger, mas é preciso que o nosso corpo esteja em perfeito funcionamento para poder atuar com eficiência e eficácia contra seres tão maléficos como os vírus.
A dúvida que começa a tomar conta de jovens e não jovens, hoje em nosso país, é se aqueles que deveriam tomar as decisões, na direção do Estado, estão efetivamente empenhados nessa guerra e agindo contra essa situação ou se eles mesmos a alimentam com a sua postura alienada e benevolente para com os agressores das pessoas de bem? Será que ao defender a manutenção da maioridade, aqui vigente, só aos dezoito anos, não é se posicionar a favor desses “vírus” que destroem a saúde, a tranquilidade e a vida de pais, filhos e famílias em geral que apenas desejam liberdade de sair com as crianças, andar pelas ruas e praças, a pé ou por outro meio, sem medo dos bandidos de todas as idades? Ou dos jovens que têm o direito de sair com os amigos, divertir-se, ir a barzinhos ou às baladas sem o risco de serem violentados de todas as formas, ou mortos até, pelos “coitadinhos” que “não sabem o que fazem”?
Será que as autoridades sabem que é bem melhor ouvir o som melodioso do saxofone que os gritos das vítimas dos “de menor”?

O idiota

Chegou de mansinho. À minha frente, sentou-se e assim ficou. Calada. Os olhos se voltavam para a rosácea de pedras delicadas e brilhantes de seu sapato tipo rasteirinha, juvenil. Com as duas mãos segurava a bolsa pink e assim permaneceu. Três alunos à minha volta reclamavam das notas. Como assim? Tudo que escrevi e só essa nota? A explicação era longa, repetitiva, mas seu efeito parecia ter sofrido a mesma maldição de Cassandra, a sacerdotisa para cujas profecias ninguém dava ouvidos. Eu entendi sim, mas essa nota? Você quer dizer que estou reprovado? Não, essa não! Como professor, eu retomava a explicação. Os alunos repetiam o gesto de indignação. E os minutos passavam.
A menina da bolsa pink parecia ainda concentrada na rosácea de pedrinhas de seu sapato.
O celular de um deles tocou. É, cara, aquele idiota me reprovou. Senti uma revolta pelo qualificativo e instintivamente quis revidar, mas a frase seguinte alterou minha reação. Eu sempre odiei Estatística e ele sabe disso. Minha matéria não era Estatística. Então, não era comigo. Eu não era o idiota. Mas, então, ele também não sabia Estatística?! Não entendia de palavras e não entendia de números. E o professor era o idiota?
Em Dostoiévski, o idiota, personagem que também dá título à sua obra, era assim caracterizado porque não agredia ninguém. Perdoava as falhas humanas. Ele perdoou até o assassino de sua amada, beijando-o diante do corpo daquela a quem amara em silêncio e ali jazia morta por ele. O que é ser idiota? Rapidamente pensei que deveria pesquisar sobre isso. Do que eu sabia, há o esperto e o idiota e ambos sempre se apresentaram negativamente à minha compreensão. Não queria ser idiota, nem esperto. A esperteza está associada à falta de ética; a idiotice à falta de compreensão do mundo, das coisas que nele existem. E eu sempre buscara desenvolver minha capacidade cognitiva no limite que os deuses ou os genes me permitiram. E continuava nesse processo. Defendera teses. Obtivera títulos. E minha classificação agora, por esses garotos imberbes ainda, não deveria ser diferente daquela com que denominaram o conceituado professor de Estatística. Um idiota.
Minha revolta silente pareceu atingir a aluna de sapatinhos de vidro. Não, de vidro não. De pedrinhas revestindo a rosácea que dava graça àquela peça que compunha com delicadeza o figurino feminino. Seus olhos se ergueram e fitaram os meus. Na retina, eu via duas incógnitas. Tentei adivinhá-las. Não consegui.
Os garotos agora conferiam pelo celular as novas notas e as médias obtidas em outras disciplinas. Palavrões surgiram. Tô ferrado! Fiquei em Informática também. Aquele imbecil me reprovou? Eu só precisava de três e ele me deu um!!! Cretino! Pra mim ele deu dois, mas eu precisava de cinco. Vá se ferrar, cara! Vá se f... Nem a minha presença nem a da garota constrangiam os revoltados meninos em seus contínuos impropérios.
Senti, nesse instante, que ser chamado por eles de idiota poderia até ser um elogio; similar, talvez, a de um jogador de futebol quando recebe a alcunha de animal. Ele é um animal! Ele é fera! Ele é bom demais! Mas, não. Não era assim que nós, professores, éramos vistos por aquele grupo sem nenhum apetite pelo saber. Os qualificativos Idiota, imbecil, significavam idiota e imbecil mesmo, e muito longe estavam de uma forma carinhosa de tratamento.
Sem me dar importância, e já de costas, como se a minha presença fosse apenas virtual, foram saindo e comparando as notas, em meio a exclamações realmente ofensivas. Fiquei com as provas sobre a mesa e, sem ter mais o que fazer com elas, fui colocando-as cada uma em seu pacote. Senti até um alívio quando constatei que na sala só havia a garota de bolsa pink e sapatinhos com a graciosa rosácea, que já se levantava e a mim se dirigia com um sorriso meio tímido.
Vi sua carteirinha e seu nome. Que bom, agora já sabia seu nome, já começava a me lembrar. Eram tantos os alunos... E aí, Luciene? Tudo bem? Desculpe a fala grosseira de seus colegas, é que... Não se preocupe, não, professor, disse ela com uma voz tranquila. Relax. Relax. O meu problema é outro. Eu tenho faltado muito às suas aulas e estou com excesso de faltas. Por isso, talvez, nem se lembre de mim... E por que tem faltado tanto? O que ocorreu? Problemas de saúde, com a família?  Não, não, professor, é que saio muito à noite. Sabe a balada, os amigos... a gente bebe muito, e não consigo acordar de manhã. Dá pra dar um jeitinho aí e retirar minhas faltas? E, cuidadosa com as palavras, e em tom mais baixo. É simples, já me informei, é só alterar no Mapa de Médias e justificar que errou. Assim, eu faço umas DPs e vou levando o curso.
Olhei para ela atônito. Seus olhos fixos nos meus, profundos, tão profundos que neles cabia toda a sua safadeza. Fiquei perturbado. A surpresa me abalara. Não via mais a bolsa e os sapatinhos, apenas seu rosto, seus olhos e sua expectativa pelo sim. Tranquila esperava pela resposta. Para mim, um veredito. Mas não titubeei, apesar de saber que ela esperava uma resposta afirmativa. Sinto muito, Luciene, você está reprovada por faltas e eu nada farei para alterar essa situação. Seria desrespeitoso para com seus colegas que acordaram cedo, sempre assistiram às aulas, se esforçaram... Quem? Aqueles três que saíram daqui? Eles são meus colegas, frequentamos os mesmos barzinhos e por isso eles vinham às aulas de óculos escuros para poder dormir sem que você percebesse, e levantando-se altiva confirmou: E não percebeu nunca. Você é um idiota, mesmo! E saiu batendo a porta.

Um avô equivocado

Tenho uma amiga de longa data, muito especial, que deixou cargos invejáveis tanto na vida acadêmica quanto na carreira de executiva, para se tornar, hoje, proprietária de uma livraria. Não em São Paulo. Em outra cidade, em outro Estado. Vive entre livros. Existe algo melhor para quem programou sua trajetória humana a partir das páginas das obras que seus olhos percorreram nas inúmeras horas de leitura; das vivências e valores que os autores em silêncio lhe sussurraram? Nesse universo literário, ela moldou seu perfil, ela se fez mulher sensível e cidadã consciente. Sabe distinguir o certo do errado, o culto do inculto, o digno do ignóbil. Seu nome..., deixa pra lá. Mas é o mesmo de sua livraria. É minha amiga e sempre se envolve muito com o que faz. Para ela, eu estenderia o tapete vermelho não só porque tem títulos, mas porque tem méritos. E estudou na PUC, como eu. E ambas aprendemos muito ali, com os cursos, as leituras e os nossos mestres.
Recebi dela um e-mail relatando um incidente insólito. Um garoto e seu avô se detiveram na vitrine de sua livraria. Ele, o garoto, começou a demonstrar, não se sabe bem, interesse ou curiosidade pelos livros e ali se demorava. Queria ver mais, e o avô começou a se irritar. Ele, o avô, não via com os mesmos olhos do garoto aquele mundo diverso e colorido que estampava nomes de autores e obras nas capas dos livros. O menino absorto não percebeu esse mal-estar do avô e continuou sua busca, se é que era uma busca, até que ela, a livreira e minha amiga, ouviu a voz autoritária que dizia ao menino: “Chega! Vamos embora. Aqui não tem nada para você comprar!”. Como? pensou ela, a livreira. Uma livraria não tem nada para se comprar?
Relatou-me, então, em seu e-mail que apesar de sua indignação dirigiu-se ao avô e procurou, sem ser indelicada, convencê-lo do contrário, pois sabia ela que a palavra de um adulto influencia demais uma criança ou um adolescente e a sua intervenção era totalmente negativa, em especial em uma época em que os jovens só buscam jogos eletrônicos e não mais se interessam pelos livros.
Eu, como ela, também me surpreendi com a cena por ela descrita; eu, como ela, senti vontade de dizer ao avô o quanto ele estava equivocado e quão negativa fora a sua postura ao negar ao neto o prazer de se encantar com a multiplicidade das obras ali expostas, de por alguns momentos imaginar quantas histórias surpreendentes de mundos fantásticos aquelas capas estariam encobrindo, e que bastava abri-las, como portas, para que as imagens adquirissem forma e vida e os personagens se transformassem em pessoas, personas, que como nós sonham, sofrem, se alegram e vivem em espaços tão outros que só existem mesmo, e só podemos alcançá-los, nas páginas dos livros.
Pobre avô, que passou pela vida sem conhecer esse mundo mágico dos sonhos! Pobre menino, cujo avô certamente não lhe contava nem inventava histórias miraculosas porque, em sua visão tosca de mundo, no universo só cabem coisas reais, concretas e que têm uma função prática, em que o lúdico ficcional jamais preencheu os espaços vazios que toda mente reserva para a imaginação criativa de um ser que, só depois disso, se pode realmente chamar de humano.
Realmente, a “Livraria da Silvia” foi palco de uma cena incomum ou de uma tragédia à brasileira.

As artimanhas da memória

A mim parece que a memória, às vezes, se comporta como um rebelde sem causa, um adolescente voluntarioso que não ouve nada do que dizemos e só dá ouvidos ao que lhe interessa. Parafraseando Caetano Veloso, a memória tem seus momentos de andar na vida “sem lenço e sem documento”. Ela vai. E vai para onde quer. Ainda que tentemos colocá-la nos trilhos de nossas recordações.
Hoje, um domingo cinzento, com cara de chuva, convidava a uma programação intimista. Por isso peguei um dos livros em processo de leitura: Os argentinos, do jornalista Ariel Palacios e me acomodei numa fofa e macia poltrona. Não era uma obra ficcional de Borges, de nos matar de inveja pela criatividade, pela erudição, mas um relato descritivo sobre a história e a cultura de um país vizinho, quase irmão, que amamos e odiamos simultaneamente tanto quanto eles a nós. E ninguém sabe explicar de forma clara e plausível o porquê, se bem que um outro escritor argentino, Marcos Aguinis, tentou fazê-lo em uma obra memorável O atroz encanto de ser argentino, comparando em detalhes as semelhanças que nos definem e, por isso mesmo, nos separam.
A obra, ainda no início, ao falar do General Galtieri, um dos ditadores argentinos, traz à tona a sua tresloucada declaração de guerra, em 1982, ao país sob o comando da Primeira-Ministra Margareth Tatcher, mulher de fibra e competência inigualáveis, morta há menos de um mês, e o final dramático para o povo argentino que no início, seduzido pela fala eufórica de Galtieri, acreditava em sua força bélica para enfrentar os britânicos, muito melhor preparados.
Mania de grandeza dos ditadores da América do Sul que pouco valor dão à vida dos que os seguem até à morte gratuitamente, como ocorreu nessa frustrada Guerra das Malvinas, e que é novamente desejada por Cristina Kirschner, uma déspota que está levando a Argentina à bancarrota. Fico pensando: será que a população vai aderir outra vez a esse discurso falacioso de uma ricaça que tira dos pobres para multiplicar sua imensa fortuna, embora diante dos microfones jure, com toda a ênfase, lutar em seu governo pelos pobres e oprimidos da nação platina? Será que já esqueceram dos mais de seiscentos soldados mortos apenas para satisfazer o ego de um orgulhoso ditador que não conseguia reerguer a economia da Argentina à época e, assim, buscou na exaltação ao nacionalismo, através de uma guerra sangrenta, o respeito da população? Será que veremos essas cenas pela segunda vez?
Pois é, a memória nem sempre se comporta como deveria para evitar transtornos em nossa vida. Há coisas que não se podem esquecer. Lá na Argentina como aqui, em nosso país, é perceptível que as pessoas se esquecem com muita facilidade das mazelas políticas que tanto mal fazem à população. Aqui, vivemos por décadas e décadas o inferno da inflação que fazia com que o salário, em especial o salário do pobre, minguasse a cada mês. Se a compra do supermercado resultava em 120, no mês seguinte era de 160, no outro de 200 e pouco, e o salário era o mesmo.
Com o Plano Real, um estudo sério e de resultado eficaz, elaborado no governo Fernando Henrique, pela primeira vez acabou com o monstro devorador de salários e trouxe o crescimento econômico tão aclamado pelo governo do PT, mas que não foi o responsável por ele. Aliás, Lula e o PT foram críticos ferrenhos do Plano Real, quando em elaboração, e acabaram dele sendo os maiores beneficiários. O país se desenvolveu, a população teve emprego e o salário manteve o poder de compra. Lula, todo gabola, assumiu a paternidade do feito e a população sem memória passou a repetir que graças a ele melhorara de vida. “Pobres ignorantes! ”, diria Guimarães Rosa.
Parece que a memória retém o que quer apenas e deleta o que bem entende, ajudada, é claro, pela propaganda enganosa que enche as telas de nossas TVs e nos impede de estabelecer relações, distinguir quem é quem e, assim, concluir que, por ineficiência e forte corrupção do governo atual, que só gastou, e nada investiu para o crescimento do país, a caixa de Pandora foi aberta e de lá estão saindo todos os males que estavam escondidos, camuflados, como hospitais sem leitos, sem médicos e sem estrutura; escolas ineficientes, estradas sem condições de tráfico; aeroportos em perfeito abandono e uma inflação galopante e desenfreada.
Será que para desviar a atenção do povo da desastrada economia com os preços incontroláveis corroendo os salários, somando-se aos demais problemas, a Presidente Dilma, copiando a vizinha Argentina, vai querer também declarar guerra a algum país de direita? Ou vai mesmo calar a mídia e acabar com os três poderes para sozinha reinar sem os reclamos da oposição? Sabe-se lá?! Que os deuses nos protejam desses desvarios!

O amor é lindo!

Neste último final de semana, o ex-presidente Lula ofereceu uma festa à ex-primeira-dama, pela passagem de seu aniversário, demonstrando assim seu grande amor por ela. Que lindo! Em especial depois de tantos rumores contrários em que a mídia noticiou suas noites "calientes" no aerolula com a outra, a Rose. Lembram-se? Ela, a Rose, anda sumida das manchetes, assim como os demais integrantes da Operação Porto Seguro O que houve? Mas como Lula é um político de moral ilibada, e a favor de direitos iguais para todos, deve estar organizando, em surdina, é claro, uma festa de arromba para comemorar, também, e com a presença de Ministros e Ministras e de toda a mídia, o aniversário da ex-segunda-dama. Vamos aguardar.




Obs.: Este texto foi enviado ao "Fórum dos leitores" do Jornal O Estado de S. Paulo, ontem, e publicado hoje (10/04/13) nesse espaço do Estadão on line. Contudo, como a expressão "segunda-dama", conforme o jornal poderia resultar em problemas (leia-se censura/ processo...) ele foi substituído por "aniversário dela", mas por erro foi digitado "aniversário dele". E esse erro resultou numa total destruição do sentido. Que pena!

O homem obsceno

O homem público que mente é obsceno
O homem público que trai é obsceno
O homem público que rouba é obsceno
O homem público que rouba e esconde o ato
é mais obsceno
O homem público que rouba, esconde o ato e se diz inocente
é ainda mais obsceno
O homem público que rouba, esconde o ato e se diz inocente,
trai a confiança do outro,
revela-se um devasso,
um ultraobsceno
E deve ser retirado de cena

As mudanças de março

A mídia nos coloca a todo minuto a par do que ocorre em nosso entorno. Sejam notícias boas ou más, acontecimentos próximos ou distantes, de acentuada representatividade ou apenas fatos corriqueiros dos quais não mais nos lembraremos amanhã. Por isso a importância de uma mídia livre, em todo o mundo, para que as informações cheguem rapidamente a todos os destinos, sem censura e sem rodeios.
Tivemos em março acontecimentos de extrema importância na área religiosa, com a anterior renúncia do Papa Bento XVI e a eleição, agora, do Papa Francisco, argentino e jesuíta, contrariando todas as previsões dos especialistas em assuntos do clero, que apostavam, uns, em uma escolha recaindo sobre um cardeal italiano e, outros, em um cardeal brasileiro. As previsões falharam, mas embora eu nada entenda sobre as reais atividades espirituais e até políticas de um papa, parece-me que os critérios adotados pelos representantes da Igreja, que votaram e elegeram o ex-cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, foram muito acertados.
E por quê? É simples. Porque representantes da igreja católica de várias partes do mundo vinham ocupando, de forma recorrente, os jornais com notícias sobre comportamentos inadequados e inaceitáveis para aqueles que optaram pelo caminho da fé e da religiosidade, em especial nos quesitos corrupção e pedofilia. Essas questões, sabemos, levaram Bento XVI à renúncia por não poder suportá-las. O perfil do novo papa, por ser jesuíta, o leva a ser mais rigoroso com atitudes perdulárias e morais e, assim, renovam-se as esperanças de que na igreja, pelo menos, teremos mudanças para melhor.
Na política externa da América Latina, tivemos a morte novelesca de Hugo Chávez. Novelesca porque cercada de mistérios e de mentiras. Foram tantas estas, para comover o povo e se eleger o sucessor de Chávez, que até o embalsamamento do ditador bolivariano teve problemas, até agora insolúveis, apesar de especialistas russos e alemães serem chamados à Venezuela para fazer o trabalho impossível. É que o tempo decorrido entre a morte verdadeira e o embalsamamento foi longo demais. Ou seja, Chávez não morreu na data comunicada por seu escolhido e futuro sucessor, que manipulava o povo com notícias inverídicas sobre a saúde do líder, mas muito antes, e a biologia não espera porque a anatomia se deteriora e, então, não mais é possível recompô-la.
E em nosso país? Aqui, os jornais trouxeram diariamente “boas” notícias vindas do Planalto. O PIB foi manipulado para apresentar dados menos trágicos à população; a inflação continua sua escalada em direção ao topo sem que o governo tome as providências adequadas para impedir esse assalto ao bolso do trabalhador, que ele finge tão bem proteger com bolsa-isto e bolsa-aquilo; a incoerência ganhou nova dimensão com a escolha de Marco Feliciano, pastor e deputado aliado de Dilma, para a presidência do Conselho de Direitos Humanos e Minorias, já que ele é declaradamente contra gays e outros e outros. Pergunta-se, então, que direitos ele defenderá? E que minorias? Só Deus, que dizem ser brasileiro, e o PT podem saber.
Não sendo estas notícias suficientes para nos tirar o sono, ainda temos as últimas: as incompreensíveis Bolsas para estudantes brasileiros realizar cursos no exterior sem saber a língua local, e a nota máxima no ENEM para quem escreveu, por exemplo “rasoável” (com S), “enchergar” (com CH) e “trousse” (com dois SS) na prova e ainda ganhou, por “mérito” (!!!), Bolsa do governo para cursar uma universidade pública.
Vamos, agora, pensar um pouco sobre estas atitudes governamentais. Ou seja, alunos brasileiros vão, por exemplo, estudar na Alemanha sem conhecer a lingua alemã, o que até o ano passado era impensável, por questões óbvias. E aprenderão o quê, nesses cursos? Farão turismo, certamente, e com o nosso dinheiro, porque o governo só distribui essas “bondades” com o dinheiro que pagamos em impostos absurdos.
Quanto a dar nota máxima e oferecer Bolsas por mérito a quem comete erros como esses, entre outros, o que revela pouco conhecimento da própria língua, sinaliza que o objetivo do governo atual não é a premiação dos melhores, não é a melhoria do ensino em nosso país, mas fazer um afago nos jovens que logo, logo, poderão votar e, assim, com a maior ingenuidade do mundo, nas urnas, estes irão agradecer àqueles que lhe abriram as portas para um ensino que cada vez menos prepara o aluno para a vida, seja profissional, seja existencial.
É, as notícias como as águas de março, veiculadas pela mídia, estão deixando muita lama atrás de si. É preciso, por isso, olhar com cuidado o terreno em que se pisa.

Olhar o vento

Olhar o vento,
Ver seu silêncio sem fim:
Privilégio de poucos.
E muito de leve
Nele colo sua imagem
Para não arranhar
A saudade
Do que se foi com a brisa
Naquela prateada manhã.

Palpites e Previsões


Pesquisando em meus arquivos no computador um poema meio antigo do qual me lembrava vagamente, e sequer recordava o título, fui  abrindo vários na tentativa de encontrá-lo.  Não o encontrei ainda, mas surpreendi-me, então, com uma crônica escrita em 2007 que, exceto por um fato triste e marcante da época, me pareceu muito atual. Mudaram os nomes, mas os problemas continuam e até recrudesceram. Estarei errada? 

Palpites e Previsões

A astrologia nestas últimas décadas ganhou muitos adeptos e um número maior de estudiosos do assunto. Evito discutir essa ciência (a astrologia é considerada uma ciência) por não ter conhecimento de seus princípios básicos, evitando, assim, afirmações esvaziadas de fundamentação teórica, ou seja, procuro não transitar por seara alheia.

Contudo, às vezes, leio trechos nos jornais dessa coluna e vou observando as previsões para os nascidos sob este ou aquele signo, bem mais para apreciar a escrita dos astrólogos, e muitos deles me surpreendem pelo domínio do léxico, do que para orientar os meus passos diários. Às vezes os textos são poéticos, criativos, e seduzem pela qualidade estética e só por isso valem a leitura. Outros são mais pobres linguisticamente e muito doutrinários; estes não me atraem. Quanto à seriedade de suas orientações, só mesmo os detentores desse saber podem avaliá-la adequadamente.

Mas há os que os lêem com outros olhos e neles visualizam um caminho a seguir. Clarice Lispector, a autora da tão conhecida obra A hora da estrela, sempre se mostrou curiosa e sensível a respeito de todas essas questões de conhecimento hermético, de ordem esotérica e pouco esclarecida pelas ciências empíricas a ponto de, nessa obra, que foi a última antes de sua morte, dar pleno destaque às previsões da cartomante que prenunciam a morte da personagem Macabéa, culminando com a concretização da cena trágica do atropelamento pelo Mercedes amarelo, seguido da morte previamente anunciada da pobre nordestina, provando, assim, que a clarividência é um fato real ou que “as cartas não mentem jamais”, pelo menos na ficção.

Voltando às análises dos astrólogos, uma delas me atraiu a atenção no jornal O Estado de S. Paulo do dia 17 de agosto de 2007. Quiroga, o responsável por essa coluna astral, apresenta sempre um texto introdutório nos colocando a par das posições dos planetas e de outros coadjuvantes no espaço celeste. Nesse dia, uma sexta-feira, dia de luto em São Paulo e em todo o país por completar um mês o acidente com o avião da TAM, o título me pareceu estranho: “O mal democrático”. Transcrevo, a seguir, a fala de Quiroga:

“Data estelar: Sol e Mercúrio em conjunção com Vênus e trígono com Plutão, a Lua continua crescendo em Libra.
Enquanto isso, aqui na nave Terra, ainda que a democracia seja o melhor dos sistemas políticos, esta produziu um efeito nefasto e corrosivo, pois a força numérica determina as regras da normalidade. Hoje em dia é normal que a dignidade seja uma palavra oca, uma investidura hipócrita que sirva para ocultar seu oposto, sendo normal que pessoas com nenhuma qualificação e mérito ocupem lugares que requerem perícia e saber. O pior mal produzido por este erro é tornar-se padrão a ser imitado e, assim, voltando ao início da conversa, o mal se torna democraticamente eleito para representar o bem-estar de todos, produzindo, evidentemente, seu oposto também, mal para todos. Sendo esta uma aberração, não tem vida própria, morre pelo seu próprio efeito, graças aos céus”.

Queiramos ou não, o texto de Quiroga nos obriga a refletir, não em relação à conjunção dos planetas, que isso é para os especialistas do assunto, mas em relação ao mau uso da democracia para aparelhamento ideológico, em relação à perda de valores e valores que norteiam uma cultura, valores que deveriam reger a postura de todo um grupo social, desde o mais alto mandatário ao mais simples cidadão do país, na busca de um futuro digno como nos foi por longos anos prometido em portas de fábricas e passeatas raivosas pelas ruas de todo o país. Realmente, a palavra dignidade está se tornando “oca”, ficando fora de moda e não sabemos mais como educar as crianças e os jovens, pois vocábulos como “corrupção”, “roubalheira”, seguidas de “impunidade” são a ordem do dia. A qualificação profissional está perdendo a sua importância, porque mais vale ser amigo do rei do que apresentar um currículo invejável pela experiência adquirida. Os títulos conseguidos, quase sempre com longos anos de estudo e sacrifício, são desqualificados textualmente pelo chefe da Nação ao considerar excessivos os valores (na verdade irrisórios) pagos pelas instituições de fomento à pesquisa para se tornar um doutor em alguma área no Brasil.

Sempre ouvi dizer que um país se faz com homens e livros. Será que tudo mudou mesmo e a expressão se tornou anacrônica? Será que as pesquisas de campo, em laboratórios e bibliográficas nada significam para o desenvolvimento do país? É preciso começar a pensar sobre essas questões. Penso eu que se nada for feito, se não se der um basta a essa total miopia e a essa onda galopante de falta de escrúpulos vigente, amanhã estaremos tão aturdidos quanto o personagem Crêmilo da comédia grega Pluto ou Um deus do dinheiro, do filósofo Aristófanes, que foi consultar o oráculo de Apolo, pois não sabia ele, ateniense íntegro que era, que educação dar a seu filho nos tempos bicudos que atravessavam em que apenas os corruptos tinham futuro, chegando a perguntar ao deus: “Do jeito que as coisas estão, não seria melhor eu ‘deseducá-lo’, de acordo com os costumes atuais?”

O impasse está criado: ou viramos o jogo agora, ou teremos que “deseducar” nossos filhos para que tenham algum futuro neste país.

A volta para casa

Um dia, os filhos crescem e vão embora. É a lei natural nas relações familiares. É normal e saudável que isso ocorra, embora esse momento deixe para os pais um vazio difícil de ser suportado, em especial nos primeiros tempos. É o quarto vazio. É o prato que não mais vai para a mesa na hora das refeições. É o retorno no final da tarde que não mais ocorre. Sobram a tristeza e o silênco para os que ficam. O conforto, porém, é que um outro “ninho”, uma outra vida está em construção por eles e isso é o que importa. É o futuro e não mais o passado que deve ocupar a mente dos que se vão. E o papel dos pais é amparar/apoiar, de novo, com o mesmo entusiasmo esses primeiros passos nesse novo trajeto.
E lá vão eles, crescidos, donos de si, cheios de sonhos, e se algum medo os assusta, certamente eles jamais confessarão. Lembro-me, às vezes, da última semana antes de deixar a casa de minha mãe para me casar e morar em São Paulo, viver minha nova vida. Se uma nova etapa estava sendo realizada, outra estava prestes a se desmoronar. Nunca havia me distanciado de casa, de minha mãe, era a primeira e definitiva. O que na época muito me assustava. Hoje, me lembro da angústia que provara naqueles dias e me parece injustificada. Mas ela foi real e, embora nada dissesse, mamãe percebeu e também fingindo nada sentir me dizia de vez em quando: “Que bom que você vai ter a sua casa!” ou “ Você vai adorar viver em uma cidade tão grande!” ou ainda “Vocês virão sempre e nem dará tempo pra sentir saudade”. Hoje sei que ela apenas desempenhava um papel. Foi excelente atriz! Mas chorou muito depois.
O corte umbilical não foi fácil para nenhuma das duas. E não o é para ninguém. Contudo, é preciso ir em frente. As ausências doem, mas são preenchidas por alegrias outras e assim traçamos o nosso percurso, refazemos continuamente os nossos sonhos e, independente da época, as separações sejam elas quais forem trazem sempre a marca do sofrimento, porque a solidão machuca. É muito difícil viver sem o outro que amamos. Mas é preciso reaprender. É preciso recomeçar.
Apesar disso, fico imaginando a dor desmedida das mães, e dos pais também, que perderam seus filhos numa noite de confraternização universitária, em Santa Maria, para angariar fundos para a festa de formatura, se estou bem informada. Uma balada diabólica, uma festa macabra, marcada por excessos, por ganância, por irresponsabilidades. E num instante o fogo se fez e tudo destruiu. Não haverá mais volta às aulas. Não haverá mais formatura. Não haverá mais volta para casa.
E as mães? E os pais? O que dizer a eles para tentar amenizar seu sofrimento? Não há palavras com esse poder. Elas nada mais comunicam a não ser repetições banais. E eles nada ouvirão. Ficarão para sempre olhando para o quarto vazio, para a ausência do prato à mesa e para as fotos que, no album, no celular ou na mente, confirmam que eles existem, sempre existiram, e precisam, logo, logo, voltar para casa.

As palavras engaioladas

Hoje, reiniciei minhas aulas no período de férias para alunos que, por um desvio de percurso, acabaram se perdendo no emaranhado de provas ao final do semestre e, por isso, não conseguiram aprovação. É denominado Recuperação de Estudos esse curso. E os jovens o frequentam como se nele houvesse algo de místico. Entram silenciosos na sala, com passos lentos, quase imperceptíveis. Ouvem atentos as explicações dadas por nós, os mestres, como se nos vissem e ouvissem pela primeira vez. É uma situação singular e meio intimista se comparada à ruidosa participação desses mesmos alunos em aulas nos cursos regulares. O que é próprio dos jovens dessa faixa etária.
Diante de uma ambientação diferenciada, me programo também para uma dinâmica diversa da adotada durante o semestre letivo. Hoje, por exemplo, após colocá-los cientes do formato do curso com duração de 36 horas, levei-os a refletir sobre as palavras, a importância das palavras, a retórica e a persuasão, estudadas por Aristóteles na Antiga Grécia, e que ainda nos servem de guia nos dias atuais e, certamente, terão longa vida no ensinamento sobre a exposição das nossas ideias pela linha do verbal.
Parti de um fragmento de Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução”. Fui lembrando a eles fatos históricos, políticos e até poéticos que revolucionaram o mundo, a mente e a postura das pessoas. Gandhi não foi esquecido e a sua palavra de ordem de “não violência” que acabou libertando a Índia do jugo da Inglaterra; Hitler e a sua retórica contra os judeus, que culminou com o holocausto; o slogan publicitário e poético, “I like Ike”, que elegeu Eisenhower presidente dos Estados Unidos, à época. E outros mais numa teia que poderia ser infinita no passado e no presente.
O resultado foi um contágio inesperado. Todos tinham um comentário, um exemplo, uma lembrança que foi enriquecendo a discussão do grupo e facilitou depois a produção de um texto opinativo sobre o poder e a magia da palavra. Ninguém reclamou que “não sabia como colocar no papel as ideias” (chavão excessivamente gasto). As palavras, que se prendiam como pássaros engaiolados, se soltaram num voo livre, sem grades e sem medos. E alguns redigiram textos muito interessantes que surpreenderam pelo conteúdo e pela poeticidade. Falaram do perigo que rondava certas falas, do vazio das palavras dos políticos, da ausência significativa delas no discurso amoroso, da feitiçaria que era transformar ideias e sonhos em frases e textos. Saíram me agradecendo pela aula e eu a eles pela dádiva de ter sido ouvida e compreendida numa via de mão dupla.
Após a aula, enquanto guardava meu material, comecei a refletir sobre as agruras e as delícias do ofício de ensinar. Ensinar pode ser muito gratificante, quando somos adequadamente ouvidos, e exatamente o contrário quando isso não ocorre. Cria-se um elo, no primeiro caso, o que nos torna mais humanos porque o diálogo coloca no mesmo plano professor e aluno, eliminando as diferenças de idade e repertório. E é sempre por meio da palavra, esse elemento mágico, que nosso conhecimento de tantas e tantas leituras se torna o veio comunicante entre nós que vivemos mais entre as páginas dos livros e eles que se movem num mundo mais eletrônico.
Lembrei-me, então, de uma obra delicada e sedutora Lições de feitiçaria, de Rubem Alves, e de um trecho que vou resgatar aqui para compartilhá-lo com você, leitor: “Bons professores, como a aranha, sabem que lições, essas teias de palavras, não podem ser tecidas no vazio. Elas precisam de fundamentos. Os fios, por finos e leves que sejam, têm de estar amarrados a coisas sólidas: árvores, paredes, caibros. Se as amarras são cortadas, a teia é soprada pelo vento e a aranha perde a casa. Professores sabem que isso vale também para as palavras: separadas das coisas, elas perdem seu sentido.”