O ser dividido


Provas! Provas! Muitas provas! Terminada essa fase de exaustivo trabalho, um professor deseja apenas uma atividade relaxante que o distancie da prática acadêmica de diferenciar o certo do errado, de avaliar a produção do aluno, e de indicar-lhe melhores caminhos.

Para isso, pensei, um filme clássico seria o ideal. Que me levasse para bem longe da mesmice do dia a dia que, pouco a pouco, embolora a mente e deleta os sonhos. Que filme? Perguntou um amigo meu, grande colecionador de narrativas célebres e professor de roteiros. E no mesmo instante surgiu a imagem retida na memória por algumas décadas: “Doutor Jivago”. Ele me trouxe o filme, de 1965. Eu o revi. Belíssimo! As mesmas emoções afloraram diante de determinadas cenas e de outras das quais já me esquecera. Tantos anos...tantos anos... A fotografia, a trilha sonora (“Tema de Lara”), a atuação de Omar Sharif, como Dr. Jivago, de Julie Christie, como Lara, e de Geraldine Chaplin, como Tonya, completaram a narrativa que se passa na Rússia, no período da revolução bolchevique, e das transformações ali ocorridas quando da tomada do poder pelos comunistas.

As cenas são fortes. A perda da individualidade em função do coletivismo e do autoritarismo é revelada sem maquiagem, e nos faz sofrer naquele mundo agônico em que são mergulhados os personagens, agora despojados de seus bens, da privacidade do seu espaço familiar, e de sua dignidade.

Entende-se, então, porque a obra de Boris Pasternak Doutor Jivago foi proibida na Rússia, à época, e seus originais levados clandestinamente para a Itália, onde foi editado pela primeira vez. A obra tornou-se um best-seller e o autor indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Contudo, ele foi impedido pelo governo de Moscou a receber o prêmio e obrigado a devolver essa tão valiosa homenagem, uma verdadeira honraria. A obra só foi liberada na Rússia em 1989, quando Mikhail Gorbatchev, por fim, deu início a algumas mudanças no sistema, possibilitando assim que frestas surgissem na fechadíssima “Cortina de ferro”, como ficou conhecida a Antiga União Soviética.

Voltando ao filme, é impossível não se envolver com a narrativa que com leveza vai entrelaçando a história dos três personagens: o médico e poeta Dr Jivago; Tonya, a delicada esposa e quase irmã, porque cresceram juntos na mesma casa, e Lara, a linda garota que conheceu em circunstâncias dramáticas e reencontrou depois nos campos de batalha, onde o auxiliou como enfermeira.

Sensível e humano, “demasiadamente humano”, diria Nietzsche, Jivago busca o belo em todos os momentos, em todos os lugares e encontra em Lara a suprema beleza com a qual sempre sonhara. O amor invade a tela e nos atrai para ela, para acompanharmos a difícil decisão de Jivago, dividido entre a doce Tonya e a encantadora Lara. E ficamos entre uma e outra, mas não tomamos partido porque a escolha se fosse nossa também seria impossível, e, assim, inertes, mas emocionados, seguimos esperando pelo desfecho.

O filme é de longa duração e nos transporta para um espaço em que a vida vibra, é tensa, e nos leva depois à reflexão sobre nossas escolhas e decisões. Há muitas coisas difíceis de se explicar na vida. Atitudes que tomamos, às vezes, e que passado algum tempo percebemos que foram um equívoco imperdoável; frases pronunciadas das quais nos arrependemos depois e que ficam retornando à nossa memória como uma agonia lenta e interminável; escolhas que imaginávamos as mais acertadas, mas se revelaram as mais problemáticas... E entre acertos e equívocos, vamos redigindo o que chamamos de retrato de vida. E quem pode fugir dele?




O que nos motiva

Após um pequeno texto meu, publicado no "Fórum dos Leitores" do Jornal O Estado de São Paulo, em 11/04/14, recebi o e-mail abaixo de um professor que não conhecia até então. Decidi postá-lo aqui (juntamente com o texto publicado)para que outros sintam como é bom ter o apoio dos que pensam como nós.

Efusivos cumprimentos por sua excelente mensagem de hoje no ”Estadão” on-line.
Com bem escolhidas palavras, a senhora disse o que tantos de nós gostaríamos de expressar.
Tenha um ótimo dia!
Com admiração pela coragem,
Prof. Ênio José Toniolo (aposentado da UNESP)

QUE TESTEMUNHO!

Excelente e esclarecedor, uma verdadeira aula de História Política o texto de Fernão Lara Mesquita "1964 – um testemunho". Nele há um resgate dos fatos históricos que levaram à mudança do regime democrático para o regime autoritário naquele período. Ou seja, o perigo que rondava o nosso país diante do apetite voraz da Rússia comunista, que já tomara à força tantos países europeus e de outros continentes, massacrando e dizimando barbaramente a população para ali impor seus ditadores sanguinários. O Brasil era o próximo da interminável lista desses déspotas vermelhos e, para isso, aqui agiam os terroristas simpáticos a esse regime, treinados em Cuba para detonar bombas em lugares públicos, matando e mutilando friamente civis inocentes apenas para facilitar aqui a implantação da ditadura comunista (hoje denominada socialista), que tanto mal fez e faz às populações por ela atingidas. Por isso, certa estava Margareth Thatcher ao afirmar que "grama que o socialismo pisou nunca mais cresceu". E hoje, distorcendo os fatos, como se todos fôssemos ignorantes, querem vender à população a imagem de que são "pobres vítimas" da ditadura militar e que lutaram contra essa ditadura para salvar o País de um regime repressor, como se viu na pantomima dos presos do mensalão, erguendo os braços, num gesto de força, acreditando ainda na vitória da outra ditadura, a dos socialistas. Para esclarecer melhor essa questão, sugiro que a tão poderosa Comissão da Verdade, que busca desvendar os crimes cometidos pelos militares, averigue também os outros crimes, aqueles cometidos pelos terroristas nessa época, e também agora, começando pelo assassinato do ex-prefeito Toninho, de Campinas, e de Celso Daniel (também cruelmente torturado), cujos inquéritos foram inexplicavelmente finalizados às pressas e considerados crimes comuns, e não políticos, talvez pela proximidade das eleições que elegeriam logo após, e com grande pompa, o ex-presidente Lula, ícone do Partido dos Trabalhadores e, à época, o "Partido dos Puros".

Neiva Pitta Kadota npkadota@terra.com.br
São Paulo

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Nem tudo está perdido


O otimismo foi por longos anos a característica maior do nosso povo. Por mais que o momento se revelasse sombrio, sempre se esperava por dias melhores e, ilusoriamente ou não, fatos positivos acabavam retornando às manchetes dos jornais. E tudo voltava à rotina com milhões de mãos tecendo a teia que reconstruiria o país.

Por isso, a surpresa diante da desesperança do brasileiro nos dias de hoje, diante da incredulidade em relação ao que nos acontecerá num futuro próximo, muito próximo.

O meu “termômetro” tem sido a conversa com motoristas de táxi. Enquanto o veículo roda para me levar a meu destino, a conversa rola entre nós e ouço comentários como: “A senhora que é professora me diga: o que é que o povo está esperando para sair às ruas de novo e exigir não os vinte centavos da tarifa de ônibus, mas sim os milhões e milhões que este governo tem gasto à toa, tem desviado para contas no exterior, tem levado para outros países, como Cuba, Bolívia, Venezuela e outros, segundo eles, para ajudar países em necessidade. E nós? Nós somos um país rico, por acaso? Então, por que falta tanta coisa aqui? Por que os aposentados não recebem um benefício justo depois de tantos anos de contribuição? Eu trabalhei por mais de 30 anos em uma empresa, me aposentei, e hoje sou motorista porque o que recebo do INSS não dá para viver com dignidade. Minha mulher é doente. Nós gastamos muito com remédios. Se eu não trabalhar...

Vejo, então, que também os motoristas de táxi estão acompanhando os noticiários, estão cientes das mazelas de Brasília, estão preocupados com o seu futuro e o destino do país. E isso é bom! Vejo que a incerteza existe não apenas para os empresários que muito dinheiro aplicaram em seus projetos, confiando na contrapartida do governo, e não estão recebendo o retorno esperado (porque não houve a contrapartida), ou para as pessoas com nível mais elevado de escolaridade que se veem perplexas diante de tanto descaso das autoridades políticas para com a economia que se esvai e para com o povo que tantos impostos paga e quase nada recebe em serviços públicos. Parece que todos começam a acordar do sonho de um “Brasil grande” para a realidade de um país que está se quebrando.

Sim, existe um Brasil que está dando certo, que posa feliz para as câmeras e que caminha rumo a um futuro de sucesso, mas é apenas o das campanhas publicitárias superfaturadas e pagas com o nosso dinheiro. Só ali vemos o Brasil que gostaríamos de ter, mas que a cada dia fica mais distante de nós, graças às politicagens em forma de assaltos a empresas como a Petrobrás, Eletrobrás e outras e outras.

Contudo, é possível visualizar um lado positivo em meio a essa sensação de que estamos perdidos e exigimos uma mudança urgente na área política, após uma década e um pouco mais sob a batuta desafinada do governo do PT. É exatamente o fato de a população dar sinais de cansaço e desesperança com um partido que prometeu tanto no campo da ética, da seriedade e da competência e só deu vexame, com suas intermináveis trapalhadas e seu apetite voraz e insaciável pelo dinheiro dos cofres públicos, abastecidos estes com o trabalho árduo dos pobres contribuintes na forma de impostos exorbitantes.

Certa estava minha avó, que se foi há muito tempo e felizmente não conheceu a quadrilha faminta e arrogante dos petistas, quando dizia “Quem nunca comeu mel, quando come se lambuza”. Que sapiência!


Sensibilidade seletiva


Muito me deveria comover nesta semana as manifestações do governo e da mídia ao resgatar o aniversário de 50 anos em que a ditadura militar foi implantada no Brasil. Histórias e mais histórias dos que perderam familiares e dos que sofreram tortura naquelas duas décadas denominadas “anos de chumbo” e que marcaram negativamente o país, pois ditadura é ditadura e não se pode elogiá-las. Mas não me comovi.

Todos os jornais estamparam nas primeiras páginas cenas de violência dos militares para rememorar as ações negativas praticadas por eles “contra a população”, dizíamos matutinos. Cadernos especiais com críticas ferozes aos que “aplicaram o golpe, acabando com a democracia vigente”, foram acrescentados à mídia impressa, enquanto a tela da Globo e de outras emissoras que a seguiram em sua programação de imagens conhecidas e repetidas dos militares empunhando suas armas nas ruas, numa guerra por maior audiência. Mas não me comovi.

E como não poderia deixar de acontecer, a Presidente Dilma veio à TV, aproveitando o momento (imperdível, como político-eleitoreiro), para se solidarizar com aqueles que como ela foram “vítimas inocentes” daquele período tão violento! Chorosa, sensível, com a voz titubeante, ela mostrou sua fragilidade humana aos espectadores que, certamente, como o previamente calculado, se comoveram. Mas não me comovi.

E não me comovi porque conheço a História. Sei muito bem o que levou os generais à tomada do poder. Sei sim do perigo que rondava o país naquele período. E só para recordar, em 1959, Fidel Castro derrubara uma ditadura em Cuba, o que lhe rendeu os aplausos de todos os países democráticos, mas foi uma euforia efêmera porque logo após, ele e seus aliados, entre eles o famoso Che Guevara, hoje lembrado nas camisetas de nossos ingênuos jovens que se dizem de esquerda, sem saber exatamente o que isso significa, impuseram uma nova ditadura àquele pobre povo. E ela perdura até hoje. E isso me comove, sim.

A mim comove toda vez que penso em um médico cubano que é obrigado a deixar sua casa, sua família, e trabalhar em regime de escravidão em outro país, sem voz para reclamar os seus direitos como ser humano. Mas isso não sensibiliza Da. Dilma.
A mim comove acompanhar o massacre do povo venezuelano pelas forças do ditador Maduro, porque é um ditador como fora Hugo Chaves, ambos amigos do peito do governo brasileiro, sem uma voz que aqui os defenda. Mas isso não sensibiliza Da. Dilma. Sua sensibilidade é seletiva!

E não fosse a reação dos militares em 1964, diante dos movimentos que agitavam o país, estimulados pelos comunistas que levavam a população às ruas, com greves, passeatas e gritos de guerra de todo tipo, similar ao que acontece hoje, tudo indica, estaríamos nós também sob uma rígida ditadura de esquerda, comendo o pão que o diabo rejeitou. E isso me comove, sim.

Mas ver e ouvir a presidente Dilma fingir que lutou pela democracia e que desejava a liberdade do país, assim como seus “companheiros de luta”, ressalte-se: luta armada, assaltos a bancos, ataque à bomba, resultando na morte de inocentes mesmo. Isso não me comove. Isso me deixa indignada.

Indignada porque sou obrigada a acompanhar a farsa de uma falsa heroína que repete, a cada instante de seus discursos, a palavra democracia para ocultar seus desejos mais íntimos, o que não é mistério para ninguém: que é ver seu sonho realizado, ou seja, transformar o país em um sistema socialista e, portanto, ditatorial, porque onde o socialismo aporta, nele se aninha o autoritarismo. Basta observar os países queridinhos da presidente Dilma, como Cuba, Venezuela, Irã, Coreia do Norte, China e outros países da África cujos povos conhecem todas as agruras de viver sob um regime que reprime e mata os adversários políticos e explora sua população, obrigando-a a viver em regime de extrema pobreza, enquanto os dirigentes gozam das maiores regalias e do luxo exagerado que esse excesso de poder propicia.

Não, não me comovo com as homenagens às vítimas de 64, porque sei que se isso não ocorresse, seríamos nós, hoje, as vítimas maiores desse sistema desumano que viceja como praga na América Latina.