Rastros

Vestígios
Rastros.
Mapa de momentos
De maresia.
Formas e gestos de lonjuras
Do que se colou à retina
E se eternizou na cor sépia.

Entre a arte e o bolso


Num leilão de arte, diante das obras expostas a paixão oscila. Esta ou aquela? Esta e aquela. Esta! Não, aquela. O desejo se fragiliza e se fragmenta. O olhar transita célere e inquieto daquele vermelho ardente para aquelas ondas cheias de volúpia que parecem nos tocar. Mas surge o azul. Meus olhos se colam à treliça delicada, onírica, incrustada e aconchegante naquele quadrado branco.

Quero o azul!

Sim. Quero o azul que se enovela em si mesmo.

Mas que sina! Ele está além de mim e me olha entristecido do alto de suas cifras e de minha pequenez bancária. Se comparado a um edifício arquitetônico, o lance inicial já estaria no 10o. andar e até já posso calcular a sua chegada à cobertura, assim que tudo começar! E é uma chegada veloz, como se constituído fosse de equipamentos de última geração: Dou-lhe uma... Dou-lhe duas...Dou-lhe três... Vendido!

Restam frustração e tristeza aos demais. Não. Não quero isso.

Mas por que tão caro este Wakabayashi? Pela beleza? Por sua beleza intrigante e diáfana? Uma beleza única! E meus olhos correm pelas paredes repletas de outros encantos formais e cromáticos. Nada ali, porém, se compara a ele. É preciso reconhecer: a arte tem suas singularidades!

Mas outras obras que me parecem sem beleza alguma também alcançam valores muito mais altos, altíssimos. Seu diferencial? A assinatura. Não, estas não me atraem. Meus olhos buscam a beleza cromática, a tessitura formal encantatória, o mistério em suas entranhas, em sua clausura de deciframentos. E tudo isso se harmoniza naquele recorte azul no centro da moldura branca capaz de provocar flashes de delírios e devaneios.

O medo da frustração me afastou da tela e daquele espaço. Não dei lance. Não queria sofrer. Mais tarde acompanhei o leilão pela internet. À distância, a tensão seria menor. Chegou o momento: “Lote 095”, gritou o leiloeiro, repetindo o lance inicial. O valor era alto, mas a obra valia. Silêncio. Nenhuma voz exprimiu um valor superior. Comecei a temer pelo inesperado que poderia ocorrer, porque com um pouco mais apenas eu poderia pagar pelo meu sonho azul. “Dou-lhe uma...” E ele continuou “É uma obra de rara beleza! Você irá se arrepender!” Falava comigo? Sabia o quanto eu queria aquela obra? Claro que não. Técnicas de venda, somente, e antes que eu conseguisse um contato, via internet, com o leiloeiro, ele finalizou “Dou-lhe duas. Dou-lhe três.

Vendido!”.

Desligo o computador.

Nem sempre se ganha, eu sei. Mas sei agora também que me faltou ousadia. E sem ela não se atinge o ápice de nada, nem o azul que nos recobre, nem o azul de Wakabayashi.

Fica para uma outra vez, se houver.