Palpites e Previsões


Pesquisando em meus arquivos no computador um poema meio antigo do qual me lembrava vagamente, e sequer recordava o título, fui  abrindo vários na tentativa de encontrá-lo.  Não o encontrei ainda, mas surpreendi-me, então, com uma crônica escrita em 2007 que, exceto por um fato triste e marcante da época, me pareceu muito atual. Mudaram os nomes, mas os problemas continuam e até recrudesceram. Estarei errada? 

Palpites e Previsões

A astrologia nestas últimas décadas ganhou muitos adeptos e um número maior de estudiosos do assunto. Evito discutir essa ciência (a astrologia é considerada uma ciência) por não ter conhecimento de seus princípios básicos, evitando, assim, afirmações esvaziadas de fundamentação teórica, ou seja, procuro não transitar por seara alheia.

Contudo, às vezes, leio trechos nos jornais dessa coluna e vou observando as previsões para os nascidos sob este ou aquele signo, bem mais para apreciar a escrita dos astrólogos, e muitos deles me surpreendem pelo domínio do léxico, do que para orientar os meus passos diários. Às vezes os textos são poéticos, criativos, e seduzem pela qualidade estética e só por isso valem a leitura. Outros são mais pobres linguisticamente e muito doutrinários; estes não me atraem. Quanto à seriedade de suas orientações, só mesmo os detentores desse saber podem avaliá-la adequadamente.

Mas há os que os lêem com outros olhos e neles visualizam um caminho a seguir. Clarice Lispector, a autora da tão conhecida obra A hora da estrela, sempre se mostrou curiosa e sensível a respeito de todas essas questões de conhecimento hermético, de ordem esotérica e pouco esclarecida pelas ciências empíricas a ponto de, nessa obra, que foi a última antes de sua morte, dar pleno destaque às previsões da cartomante que prenunciam a morte da personagem Macabéa, culminando com a concretização da cena trágica do atropelamento pelo Mercedes amarelo, seguido da morte previamente anunciada da pobre nordestina, provando, assim, que a clarividência é um fato real ou que “as cartas não mentem jamais”, pelo menos na ficção.

Voltando às análises dos astrólogos, uma delas me atraiu a atenção no jornal O Estado de S. Paulo do dia 17 de agosto de 2007. Quiroga, o responsável por essa coluna astral, apresenta sempre um texto introdutório nos colocando a par das posições dos planetas e de outros coadjuvantes no espaço celeste. Nesse dia, uma sexta-feira, dia de luto em São Paulo e em todo o país por completar um mês o acidente com o avião da TAM, o título me pareceu estranho: “O mal democrático”. Transcrevo, a seguir, a fala de Quiroga:

“Data estelar: Sol e Mercúrio em conjunção com Vênus e trígono com Plutão, a Lua continua crescendo em Libra.
Enquanto isso, aqui na nave Terra, ainda que a democracia seja o melhor dos sistemas políticos, esta produziu um efeito nefasto e corrosivo, pois a força numérica determina as regras da normalidade. Hoje em dia é normal que a dignidade seja uma palavra oca, uma investidura hipócrita que sirva para ocultar seu oposto, sendo normal que pessoas com nenhuma qualificação e mérito ocupem lugares que requerem perícia e saber. O pior mal produzido por este erro é tornar-se padrão a ser imitado e, assim, voltando ao início da conversa, o mal se torna democraticamente eleito para representar o bem-estar de todos, produzindo, evidentemente, seu oposto também, mal para todos. Sendo esta uma aberração, não tem vida própria, morre pelo seu próprio efeito, graças aos céus”.

Queiramos ou não, o texto de Quiroga nos obriga a refletir, não em relação à conjunção dos planetas, que isso é para os especialistas do assunto, mas em relação ao mau uso da democracia para aparelhamento ideológico, em relação à perda de valores e valores que norteiam uma cultura, valores que deveriam reger a postura de todo um grupo social, desde o mais alto mandatário ao mais simples cidadão do país, na busca de um futuro digno como nos foi por longos anos prometido em portas de fábricas e passeatas raivosas pelas ruas de todo o país. Realmente, a palavra dignidade está se tornando “oca”, ficando fora de moda e não sabemos mais como educar as crianças e os jovens, pois vocábulos como “corrupção”, “roubalheira”, seguidas de “impunidade” são a ordem do dia. A qualificação profissional está perdendo a sua importância, porque mais vale ser amigo do rei do que apresentar um currículo invejável pela experiência adquirida. Os títulos conseguidos, quase sempre com longos anos de estudo e sacrifício, são desqualificados textualmente pelo chefe da Nação ao considerar excessivos os valores (na verdade irrisórios) pagos pelas instituições de fomento à pesquisa para se tornar um doutor em alguma área no Brasil.

Sempre ouvi dizer que um país se faz com homens e livros. Será que tudo mudou mesmo e a expressão se tornou anacrônica? Será que as pesquisas de campo, em laboratórios e bibliográficas nada significam para o desenvolvimento do país? É preciso começar a pensar sobre essas questões. Penso eu que se nada for feito, se não se der um basta a essa total miopia e a essa onda galopante de falta de escrúpulos vigente, amanhã estaremos tão aturdidos quanto o personagem Crêmilo da comédia grega Pluto ou Um deus do dinheiro, do filósofo Aristófanes, que foi consultar o oráculo de Apolo, pois não sabia ele, ateniense íntegro que era, que educação dar a seu filho nos tempos bicudos que atravessavam em que apenas os corruptos tinham futuro, chegando a perguntar ao deus: “Do jeito que as coisas estão, não seria melhor eu ‘deseducá-lo’, de acordo com os costumes atuais?”

O impasse está criado: ou viramos o jogo agora, ou teremos que “deseducar” nossos filhos para que tenham algum futuro neste país.

A volta para casa

Um dia, os filhos crescem e vão embora. É a lei natural nas relações familiares. É normal e saudável que isso ocorra, embora esse momento deixe para os pais um vazio difícil de ser suportado, em especial nos primeiros tempos. É o quarto vazio. É o prato que não mais vai para a mesa na hora das refeições. É o retorno no final da tarde que não mais ocorre. Sobram a tristeza e o silênco para os que ficam. O conforto, porém, é que um outro “ninho”, uma outra vida está em construção por eles e isso é o que importa. É o futuro e não mais o passado que deve ocupar a mente dos que se vão. E o papel dos pais é amparar/apoiar, de novo, com o mesmo entusiasmo esses primeiros passos nesse novo trajeto.
E lá vão eles, crescidos, donos de si, cheios de sonhos, e se algum medo os assusta, certamente eles jamais confessarão. Lembro-me, às vezes, da última semana antes de deixar a casa de minha mãe para me casar e morar em São Paulo, viver minha nova vida. Se uma nova etapa estava sendo realizada, outra estava prestes a se desmoronar. Nunca havia me distanciado de casa, de minha mãe, era a primeira e definitiva. O que na época muito me assustava. Hoje, me lembro da angústia que provara naqueles dias e me parece injustificada. Mas ela foi real e, embora nada dissesse, mamãe percebeu e também fingindo nada sentir me dizia de vez em quando: “Que bom que você vai ter a sua casa!” ou “ Você vai adorar viver em uma cidade tão grande!” ou ainda “Vocês virão sempre e nem dará tempo pra sentir saudade”. Hoje sei que ela apenas desempenhava um papel. Foi excelente atriz! Mas chorou muito depois.
O corte umbilical não foi fácil para nenhuma das duas. E não o é para ninguém. Contudo, é preciso ir em frente. As ausências doem, mas são preenchidas por alegrias outras e assim traçamos o nosso percurso, refazemos continuamente os nossos sonhos e, independente da época, as separações sejam elas quais forem trazem sempre a marca do sofrimento, porque a solidão machuca. É muito difícil viver sem o outro que amamos. Mas é preciso reaprender. É preciso recomeçar.
Apesar disso, fico imaginando a dor desmedida das mães, e dos pais também, que perderam seus filhos numa noite de confraternização universitária, em Santa Maria, para angariar fundos para a festa de formatura, se estou bem informada. Uma balada diabólica, uma festa macabra, marcada por excessos, por ganância, por irresponsabilidades. E num instante o fogo se fez e tudo destruiu. Não haverá mais volta às aulas. Não haverá mais formatura. Não haverá mais volta para casa.
E as mães? E os pais? O que dizer a eles para tentar amenizar seu sofrimento? Não há palavras com esse poder. Elas nada mais comunicam a não ser repetições banais. E eles nada ouvirão. Ficarão para sempre olhando para o quarto vazio, para a ausência do prato à mesa e para as fotos que, no album, no celular ou na mente, confirmam que eles existem, sempre existiram, e precisam, logo, logo, voltar para casa.