O olhar do fotógrafo

Seja nas ruas, nos shows, ou nos eventos os mais diversos, a câmara tornou-se hoje complemento indispensável dos celulares, e está presente tanto nas mãos dos adultos como de crianças para registrar as cenas e os momentos cotidianos. E, diferente do passado, não mais eterniza o instante porque quase sempre, logo após a sua apreensão, essas imagens são rapidamente descartadas e delas nenhum traço mais resiste ao comando de “deletar”.
Não, porém, entre os apaixonados pela arte fotográfica. Estes se esmeram na busca de ângulos insólitos, de pontos urbanos ou cenas exóticas, de espaços ou gestos invisíveis para olhos acostumados à rotina que leva à miopia. Eles veem o que não é percebido por olhos já viciados. E uma prova disso são as feiras e exposições de fotografias. Nesses espaços, renomados fotógrafos revelam, ao público, sua arte em frequente mutação porque em frequente busca pelo novo. É que esses artistas veem no ato de fotografar uma atividade de construção e desconstrução de um universo particular.
O olhar sobre o contexto, a natureza e o homem vem percorrendo um outro percurso desde que a “captura da luz”, e consequentemente da imagem, se processou no interior de uma câmera fotográfica. Pode-se até dizer que, por uma certa ótica, foi quase a vitória de um objeto mecânico sobre a mão adestrada do artista pictórico. Primeiro surgiu a preocupação em plasmar o real, registrá-lo como cópia fiel do existente. Aos poucos, a criatividade daquele que buscava o registro fotográfico como prova do que era visto foi enveredando por outros caminhos, não só pelos recursos aprimorados das objetivas e dos filtros que ofereciam nova e inesperada tonalidade às imagens, mas pela interferência do fotógrafo na busca de um efeito estético. Para trás foi ficando a ideia de foto apenas como prova documental ou registro histórico.
Hoje, as fotografias representam muito mais que a memória do vivido, do visualizado por outros antes de nós, carregada de nostalgia de um passado imovível, e que assim se cristaliza em nossa retina, elas representam também visões pautadas pelo estranhamento originado pelo trabalho do artista que manipula o negativo com recortes, sobreposições e tudo mais que seu espírito inventivo propuser, e expõe depois o resultado de sua técnica à crítica de outros olhares sobre sua arte, capaz de tornar mutante o mundo ali capturado em apenas um clic, mas agora muito especial.
Para aqueles que apreciam essa arte, o site de Célia Mello www.fotografiacontemporanea.com.br é um bom endereço eletrônico para ser visitado. Ali, há fotos e textos sobre fotografia que nos dão um panorama desse exercício do olhar que vem se tornando cada vez mais inovador e cada vez mais instigante.

Estar só

Estar só é utopia.
É mergulhar em magias,
de vésperas.
É ouvir o inaudível
ainda,
E tocar o intocável
de leve,
No aconchego da memória
Do que ficou nas distâncias.

Sussurros tardios

No entreabrir do pretérito
A tela de sempre desvela
Resquícios de tênues traços
Sombras de dias nublados.

No sussurro da voz tardia
Dos roteiros enclausurados
E (pre)textos emudecidos
Não há mais ouvidos atentos
Só os frios rumores do inverno.

Ensaio


Ensaio dizer
dubiamente
a palavra precisa
que se insinua
 como em todo ensaio,
um gênero incerto.

Ensaio dizer
o que sei
ou penso saber
mas tropeço no ensaio
e saio de cena,
sem o saber.